Arrecadação aumentaria R$ 40 bilhões com alíquota maior na Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido. Setor tem recordes de lucro mesmo na crise. |
O setor financeiro passou ileso pelas mais graves crises e teve recordes de lucros no país. Somente no primeiro trimestre de 2021, o lucro dos cinco maiores bancos do país somou R$ 26,4 bilhões, com alta média de 47,1% em 12 meses.
Cobrar mais impostos do setor financeiro é uma das oito propostas da campanha Tributar os Super-Ricos. O assunto foi debatido numa live no dia 7 de junho, reunindo especialistas e integrantes do movimento com o tema “Regular e tributar o Sistema Financeiro para investir no social”.
A presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT), Juvandia Moreira, reforça que a população deve compreender a distorção do sistema tributário para exigir compromisso dos candidatos na eleição do próximo ano. “É a oportunidade de cobrar uma reforma tributária que promova igualdade e justiça fiscal de verdade”, orientou a sindicalista de uma das entidades atuantes na campanha.
Mesmo com o crescimento mais lento por causa da pandemia, em 2020 o lucro dos bancos cresceu 100% mais que a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e 160% mais do que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. A campanha propõe elevar a alíquota da CSLL do setor financeiro e do setor extrativo mineral, a medida arrecadaria cerca de R$ 40 bilhões ao ano.
Mais lucros ou mais serviços públicos?
O debate girou entre deixar de oferecer os serviços públicos ou redistribuir a carga para que os mais ricos paguem mais, fortalecendo o Estado para atender a população.
“Sem o Estado não vamos sair bem dessa história. É preciso tributar mais os milionários, desfazer o arcabouço fiscal e acabar com o teto de gastos. Não adianta arrecadar mais e não poder gastar nas áreas sociais devido à Ementa Constitucional 95”, alertou André Horta, Diretor Institucional do Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz).
“Estaríamos muito piores e não teríamos enfrentado a pandemia sem a Caixa Federal, sem o SUS, sem o Butantan, sem a Fiocruz, sem o Pronampe oferecido pelos bancos públicos. Sem eles estaríamos muito pior”, enumerou Horta, mostrando a importância da presença do Estado na vida das pessoas.
“Foi vendida a ideia de que menos imposto é bom. Que ao conceder isenções e dar incentivos (economia do gotejamento) as empresas investiriam na produtividade, emprego, bem estar, igualdade, crescimento econômico. Vimos que aconteceu o contrário. Os setores mais abastados se apropriaram dos recursos do Estado e aumentou a desigualdade e concentração da riqueza”, analisou Horta. Ele integra o governo de Wellington Dias, no Piauí e é um dos formuladores das propostas entregues ao Congresso Nacional em agosto de 2020, mas não colocados em tramitação.
Fortalecer o Estado com mais tributos cobrados dos segmentos de maior poder contributivo, isentos ou subtributados é a base da mobilização nacional de 70 entidades envolvidas na campanha para mudar as regras fiscais num país considerado paraíso fiscal dos ricos e o sétimo mais desigual do mundo, campeão mundial em concentração de renda.
Estado a cabresto do mercado
“A financeirização da economia, das empresas, das corporações a partir da década de 1980, vem cabresteando o Estado para conseguir regras mais vantajosas para si, aprofundando a desigualdade”, resumiu Horta.
Os oito projetos preveem tributar somente 0,3% mais ricos resultando na arrecadação de R$ 300 bilhões ao ano. “As propostas deixam fora 99,7% da população, alcançando apenas 600 mil pessoas que concentram a extrema riqueza no Brasil.”
Os economistas e tributaristas que redigiram as propostas da campanha alertam que a reforma tributária que tramita no Congresso Nacional não promove justiça fiscal.
Bancos públicos como reguladores do mercado
Para o economista e ex-diretor técnico do Dieese Sérgio Mendonça, além de tributar os super-ricos o país deve utilizar os dois bancos públicos para regular e forçar a rentabilidade do sistema financeiro para baixo a partir da intervenção da economia por meio do Banco do Brasil e Caixa Federal. “Inverter essa lógica dos bancos públicos acompanharem o sistema privado. Isso já foi feito e mostrou que funciona.”
Mendonça reforçou que o impacto da reformulação tributária com justiça fiscal repercute diretamente no poder de compra da população. “Poderíamos vender um carro pela metade do preço, assim como as telecomunicações e outros setores teriam valores menores com a mudança do perfil do sistema tributário.”
A maioria da população não sabe como é tributada. “Essa desinformação interessa aos grandes grupos econômicos. A campanha é uma das mais importantes para promover conscientização, mobilização e reduzir a desigualdade”, pontuou.
Copiar EUA já faria justiça
Deputado federal por quatro mandatos e ex-ministro dos governos Lula e Dilma, Ricardo Berzoini (PT) reconhece o impasse político no Congresso Nacional. “Terá forte oposição dos detentores de riqueza e renda de nosso país. Nossa tarefa é fazer o entendimento sobre a matéria.”
Para o ex-ministro, os bancos deveriam ser tributados como pessoa jurídica (PJ), com tabela progressiva e acabar com a distribuição de juros sobre o capital próprio.
Demonstrou em dados que o Brasil é o único país no G20 com a tributação concentrada no consumo e na produção, resultando em 43% da renda dos pobres despendida em tributos sobre a conta de luz, telefone e mercadorias de consumo básico. A tributação exagerada do consumo resulta na apropriação da renda dos mais pobres.
De forma bem humorada, Berzoini disse que se daria por satisfeito se o Brasil adotasse o modelo norte-americano. “O sistema tributário dos EUA é 10 vezes melhor que o nosso e o (Joe) Biden quer melhorar taxando mais os ricos e super-ricos”, comparou. “A população pagaria imposto de acordo com o poder contributivo, como está previsto na Constituição. Seria um grande ganho para a produtividade da economia brasileira com justiça fiscal”, concluiu.
Nos EUA, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica é estadual e federal, chegando a 50%. “Assim mesmo muita gente quer ir para lá porque é compensado com outras formas de tributação mais amena”, exemplifica.
Milhões de esfomeados e mais bilionários
Para a presidente da Contraf/CUT, Juvandia Moreira, o aprofundamento da miséria na pandemia exige ação. “Olha a injustiça que a gente vive: 20 milhões passando fome, 120 milhões não comem o suficiente, enquanto brasileiros entrando na lista dos bilionários do mundo. Isso é muito vergonhoso. Temos muitos motivos para estar nas ruas”, sustenta.
“Tributação é assunto árido. Se não fizermos o debate com o povo que é esfolado no ICMs, no ISS, no PIS e Cofins, sobre comida, a roupa, móveis, automóveis, não teremos sucesso. Levará muito tempo para as pessoas compreenderam o que está em jogo e o esforço político do movimento social, popular e sindical para reformar o sistema tributário”, finalizou Ricardo Berzoini.