Por: Jayme Vita Roso
No ano recém findo ano de 2013, o mundo intelectual comemorou, relembrando, a memória de Albert Camus (1913-1960). De todos os textos que pinçaram os poliédricos aspectos deste autor, para mim, abraço o que foi escrito pelo anônimo apresentador da Coleção “Novas Visitas” do Magazine Literaire: “Pensador solar, romancista, metafísico e lírico, dramaturgo, político, jornalista engajado, Albert Camus esteve presente em todos os embates de seu tempo; e o tempo, frequentemente, mostrou, além do valor de suas obras, a correção de suas posições. Da Algéria colonial às plagas parisienses, dos primeiros artigos à luta contra os totalitarismos, eis a história de um autor que soube, no meio das tempestades do século XX, mirar-se: o de um humanismo sem Deus” (ISBN 979-10-9153005-7).
Robert Zaretsky, estudioso de Camus, conseguiu cumprir a tentativa de dedicar-lhe uma obra que fosse tida como a que o projetasse, sem retoques. Deu a lume “A life worth living – Albert Camus and the quest of meaning” (ISBN 9780674724761, Berkeley Press, nov. 2013, p. 240).
Zaretsky assentou a biografia (= homem) no pavimento de que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura (1957), é um marco indelével de seu procedimento, espírito, escritos, caráter dele: “recusa de mentir sobre o que alguém conhece e resistir contra a opressão”. Era seu caráter, que o fez explorar, nos livros que legou aos pósteros, o que o dilacerava: o absurdo mundo atual, o silêncio provocado, a revolta silenciosa que amargura, a falta de fidelidade aos princípios abraçados e a necessária moderação comportamental.
Passando os anos, Camus admitiu que a rebelião é parte da condição humana e, nobre o ideal, deve-se viver seu desespero, sentimento que, ao final das contas, descontrai a vida, por isso, se não há razão para esperança, também não há para desespero, que não é de ser vivido ou venerado.
Sua ausência de racionalidade flexionou-o ao seu intuito, que lhe deu esperança na mudança do mundo, em particular com o que ocorreria na África do Norte (nasceu na Argélia). Foi com esse propósito que a escritora norte-americana Alice Kaplan “iluminou o dilema vivido por Camus: comprometido com a defesa dos que sofreram com as injustiças coloniais”, ao anotar a introdução de versão inglesa das Crônicas Algerianas (ISBN 9780674072589, Belknap Press, maio 2013, p. 240), originalmente destinado ao público, na França, em 1958.
Camus, em vida, foi reconhecido como “a voz de uma geração”; hoje, até a revista católica América, ecoando a reputação assegurada após sua trágica morte, continua em desfiar seu papel de ser “um santo secular”. Sua obra é uma alquimia acabada, milagrosa, porque, dos seus títulos, não se exige do leitor, mais do que dizia Flaubert: “Leia para viver”.
Albert Camus pertence à galeria dos autores que produziram grandes obras da literatura francesa, da qual fazem parte: “A Queda”, “O Estrangeiro” e “A Peste” (a ver do dicionarista Jean-Pierre de Beaumarchais) e fazem parte dos “1001 Livros que é Preciso Ter Lido na Vida”, que o acadêmico Jean D’Ormesson, com os títulos “O Estrangeiro”, “O Homem Revoltado”, além do celebradíssimo “A Peste”, por ele repetido (ISBN 9782-0802-1562-2, 2006), enumerou e ressaltou. Este escritor, quando comenta, apenas elogia, crítica, uma obra tão complexa como a de Camus. Permite-se-lhe questionar: “Que livro impressionou-o na vasta obra de Camus?”
Vivendo hoje, amargurando as contradições da sociedade líquida, sem temor de qualquer crítica, aponto “O Homem Revoltado”, como o que cinzelou meu íntimo. Escrito entre os anos de 1943 e 1957, produziu grande ruído entre a intelligentsia da época. Denso, difícil e até confuso, é o texto maior para cravar a crítica das ideologias e a ficta compreensão dos anos do século pós-guerra, com a virtude suprema dos gênios de antecipar em um quarto de século “os novos filósofos” e o turbulento questionamento dos movimentos revolucionários do fim dos anos setenta.
Extraio esse pensamento dele, para quem se dispuser a refletir: “O homem é a única criatura que recusa de ser o que ela é”.
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