Jayme Vita Roso* ([email protected])

Professamos que o homem íntegro deve abandonar seus casos públicos quando o governo não pratica uma política conforme seus princípios” – (Yantie Lun, Dispute sur le sel et le fer: um prodigieux document sur l’art de gouverner. Paris: Editions Seghers, 1978, p. 87)

I – QUESTIONAMENTOS

Faltam ao homem contemporâneo a sensibilidade relacional, a sensibilidade moral e a sensibilidade estética?

São distintos os sentidos do senso?

Onde está a sensibilidade: seria no coração?

Na ausência de sensibilidade espiritual, haveria ditadura do sentimento, abulia moral, unicamente patológica ou da mediocridade à perversão?

II – AINDA QUESTIONANDO

Qual o comportamento que os cientistas devem adotar no seu cotidiano?

Como se comportariam empregando prática antiéticas? A quem serviriam?

Como se compreenderiam estas práticas em violações diretas aos Direitos Humano?

III – DIREITOS E TRANSPARÊNCIA

Como os direitos do homem, em questão:

1.Aproveitando o tempo de reclusão, à moda daqueles que escolheram o deserto para refletir e meditar (desde os monges do deserto do início do Cristianismo, até passando por cientistas de renome, como, por exemplo, Monot), senti a necessidade de interrogar, interrogando, o que já fora divulgado sobre a ausência de publicidade (transparência) sobre a origem e a propagação do coronavírus pelo mundo por parte das autoridades chinesas.

Tentei fazê-lo, sine ira et sine cura, buscando fontes idôneas a isentas de interesses meramente comerciais, diante do enorme peso da China no sistema globalizado do comércio, do seu investimento no mundo inteiro e do que pretende geopoliticamente.

  1. Se é verdadeiro o refrão “antes tarde que nunca”, mais ainda o é “quem procura, acha”. E, humildemente, aqui segue esboço do que encontrei, dentro do espaço que me foi propiciado.

2.1. Tendo como ponto de partida a história da China, desde a obra clássica editada pela Cambridge (The Cambridge History of China. Vols. 1-15. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1991), que acompanho com interesse pela riqueza do que proporciona àquele que se interesse por esta rica civilização. E, quanta surpresa tive, já em 1978, ao ler o que sucedera na administração imperial chinesa, mais ou menos, três séculos a. C. (Dispute sur le sel et le fer: um prodigieux document sur l’art de gouverner. Paris: Editions Seghers, 1978, p. 87).

2.2. Profeticamente, Napoleão já dissera “quando a China despertar, o mundo vai tremer”. E isso foi carimbado por um ensaio de Alain Peyrefitte, escrito em 1973 (PEYREFITTE, A. Quand la Chine s’éveillera… le monde tremblera. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1973. Ver também: CHANG, J. Wild Swans: three daughters of China. Londres: Harper Collins, 1991. IZAMBARD, A. France-Chine, les liaisons dangereuses, Stock, 2019. CHOL, E. FONTAINE, G. Il est midi à Pékin. Fayard, 2019. MARECHAL, J-P. La Chine em face au mur de l’environnement? CNRS éditions, 2017. HUCHET, J-F. La crise environnementale em Chine.Presses des Sciences Pro, 2016. GERMAIN, M. Le trop facile manipulation du génome humain. La recherche nº 507, jan. de 2016, p. 46), que, só nas livrarias francesas, atingiu mais de trinta edições. Quando? Início da década de setenta…

2.3. Como os franceses, sejam por interesses culturais, ainda no passado, mas hoje, por falta de recursos à altura da velocidade com que sucedem os avanços tecnológicos, criando produtos para o bem e para o mal, no livre-comércio global, sem paradigmas, a revista científica La Recherche (La Recherche: enquête sur la Science em Chine. nº 557, de março de 2020, p. 24-67) publica uma enquete especial sobre a Ciência na China.

  1. Dos artigos, reporto-me a dois, dentro do que, na revista, é catalogado como “A Crônica Ética”.

3.1. O primeiro, com rigorosa técnica, foi redigido por Jean-Gabriel Ganascia, professor de informática da Universidade Sorbonne II, onde preside o Comitê de Ética do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas, pondo-nos em K.O.: “Espionar a virtude com reconhecimento facial” (p. 51).

3.1.1. E Ganascia partindo de uma obra publicada em 1823, por Emmanuel de Las Cases, intitulado O Memorial de Santa Helena, se reporta ao projeto de Napoleão de espionagem da virtude! Exilado, Napoleão planeja, sonhando com uma época de paz, em juntar um punhado de filantropos de sua confiança para percorrerem o país, em segredo, escolhendo homens que praticassem boas ações e, com seus exemplos, melhorar as condições da sociedade. Daí, em lugar de aplicar o que hoje é corrente à “Justiça Punitiva” (sempre aplicada em reprimir o mal), instalar-se-ia a “Justiça retributiva” (gratificar os que se destacaram pelo valor de suas ações).

Frente ao fato que implantar esse novo sistema de premiar os bons exigiria espiões, eventualmente o plano fracassou, porque seria muito difícil, quase impossível, referenciar o que seria um mau elemento sem a devida sensibilidade moral, sem sensibilidade espiritual, que apontasse a pessoa investigada: perversão ou mediocridade. E até mais: alardeasse a qualquer espião, numa concreta abulia moral recíproca, sobretudo se houvesse recompensa: delação premiada in the air…

3.1.2. Diante do fato como a China decidiu instaurar a apodada justiça distributiva? E o fez, sinistramente sem desejo de agradar, pois utilizam “experiências pilotas”, experimentais, na capital da província de Zhejiang – Hangzhou, nos seus oito milhões e setecentos mil habitantes. E, com agravo do Partido, entre este ano e o próximo, será implementado o método em Pequim.

3.1.2.1. Por motivos éticos, de probidade, por respeito aos leitores, afianço, com Ganascia, que esse método já existe na França, por médicos para acompanhar seus pacientes a seguirem as prescrições: motivo econômicos para simplificar o tratamento e evitar que os pacientes utilizem a rede pública, além de registrarem os seus comportamentos na persecução de suas prescrições!

E, como escreve Ganascia, “pois esses processos não dependem mais do arbítrio de um só, pois são sistemáticas, transparentes e objetivas, concluir-se-ão que são justas” (p. 51).

Nada mais do que está ocorrendo no Brasil, quando enfrentar a COVID-19: ufa!

3.1.2.2. E a utopia da justiça virtuosa de Napoleão, aparentemente, segundo Marx e Engels (A Santa Família ou a Crítica da Crítica, em 1845), não se opunha, pelo menos na aparência, à justiça criminal, remontando à prática jesuíta da espionagem ou controle de acompanhamento panóptico (ou seja, em vernáculo, ótica ou visão geral). Imaginada pelo filósofo Jeremias Bentham (1748-1832), pensador que foi, com muita precisão, ensinado nas aulas de Filosofia do Direito pelo inolvidável professor Miguel Reale, na minha turma de 1956 (USP).

Concluiu o artigo Ganascia, “Marx tinha razão em desconfiar da distinção entre uma justiça punitiva e uma justiça retributiva”, porque os processos e procedimentos das duas levariam ao mesmo destino.

Acrescento que o artigo do professor Jean-Gabriel Ganascia foi o único a ter, ao final, em nota de rodapé, o significativo comentário: “os pontos de vista expressos nesta crônica somente são de responsabilidade do autor”.

E, sem exagerar, comparo que, no artigo Inteligência artificial: ambição de se tornar o primeiro no mundo (p. 52-3), no que tange reconhecimento vocal e facial, drones, carros autônomos, robótica, objetos que funcionam conectados, realidade amplificada, aprendizagem aprofundada, “a inteligência artificial é um setor chave para o regime, embasado em uma estratégia industrial global”, com a finalidade de ser o país com 22 bilhões de dólares em lucro, e, mesmo, “porque de ciência” em Pequim, vai alugar 400 empresas especializadas em inteligência artificial: isto dito e publicado por Pierre Tiessen, sem retoques.

Ademais, em 2019, o Estado chinês advertia, na publicação do site Inteligência Online, que iria utilizar as start-ups, criadas em 2014, para fornecer, realço, “soluções às agências governamentais e empresas estatais no domínio da segurança pública, das finanças, da fiscalização e da indústria”. Está evidente que serão investimentos úteis ao exército e às forças de segurança nacional, donde, enquanto ferramenta de alta relevância, será utilizada para recrutar cientistas chineses (ou mesmo descendentes), mesmo da Diáspora (ex.: Hong Kong) para, depois de povoarem os laboratórios americanos e até israelenses, retornarem ao Continente (incluindo os especialistas do campo nuclear e seus tecnólogos, como anotou, em um box (p. 60-1), o conselheiro nuclear francês agregado na embaixada na China, Christophe Poinssot).

  1. Com o título A ética acerta a Grande Muralha (p. 66-7), a cientista australiana, Wendy Rogers (Pesquisadora da Universidade de Macquarie, na Autrália), enfrenta este tema sem receio.

Não lhe faltam conhecimentos científicos, para ser uma verdadeira militante, no campo médico, dos princípios maiores da vida humana.

4.1. Princípio com o problema de transplantes não autorizados. No contexto, afirmou: “concernente aos trabalhos científicos sobre transplantes, a China acabou por reconhecer que certos órgãos foram extraídos à força de detentos, mas assegurou ter colocado um fim à esta prática em 2015. A análise das publicações chineses sobre a matéria vai de encontro com esta afirmação e interroga sobre os dilemas éticos nos país”. Tanto é certo que 99% da publicações por ela estudadas com seus colegas não indicam que “os doadores” tiveram consentido livremente com os transplantes (Diz ela: “a retirada de órgão dos detentos viola os códigos de ética internacionais, que estipulam que, como é impossível garantir o consentimento livre e esclarecido, seus órgãos jamais devem ser retirados para transplante”. E, com seus colegas, oferecem denúncia de que 445 artigos publicados em revistas científicas chinesas, em 2019, tiveram publicidade, mas, após o Retraction Watch, apenas 27 foram retirados das revistas!). Então a China é um mau exemplo, sobretudo, porque os tribunais locais se curvam às determinações do Partido, mesmo após instalado um tribunal independente em Londres, o Tribunal da China, que concluiu que a indústria de transplantes não consentidos representam crime contra a humanidade, além de ter potencial genocida: “prisioneiros de opinião” são tratados com penas de morte e os órgãos transplantados (as vítimas são, principalmente, os adeptos da prática espiritual Falun Gong, como um povo que vive nos confins do país (ouïghours), de maioria muçulmana, sofrem o mesmo processo persecutório).

4.1.2. Da centenária Universidade Católica de Leuven, Bélgica, partiu do biólogo Yves Moureau, “que exprimiu suas preocupações concernentes, desta vez, dos trabalhos dos pesquisadores chineses em genética médico-legal, como publicou na revista Nature (Y. Moreau, Nature, 576, 36, 2019).

Qual a natureza desta pesquisa?

Continuados testes sobre a genética médico-legal em minorias excluídas, como, além dos ouïghours também os tibetanos são frequentemente examinados, muito mais (30 ou 40 vezes) do que as comunidades chinesas de Huan. Com o DNA, exposto, fonte de pesquisa forçada, as minorias passam a ser perseguidas, com exclusões de membros, prisões, mortes, afastamento do convívio social e outros tantos suplícios. E, contundente, a professora Rogers atenta que “há violações nos direitos humanos e violações éticas da pesquisa. Nem todas as fraudes científicas implicam em graves violações dos direitos humanos. Mas, onde há tais violações, há fortes razões para se crer que as práticas de pesquisa contrárias à ética se tornam norma (= padrão). A comunidade científica internacional deve, então, estar vigilante para refutar a publicação de pesquisas conduzidas em tais circunstâncias” (p. 67).

IV – CONCLUSÃO

Onde catalogar os cientistas que fazem pesquisas que violam os Direitos Humanos?

Como observá-los frente aos ditames do governo e do Partido?

  1. Sabido é, reconhecido é, constatado é, que a tentação do exercício bem remunerado, a ascensão social, a cultura da aparência, podem confrontar os cientistas com o sucesso e mobilidade social: preferem atentar à dignidade do homem como hábito e, para tanto, foram educadas como se nada disso importasse. Nossa época mostra-se tão distinta e tão próxima de épocas passadas: por um lado, caracterizada por seus distintos ambientes culturais, mas, por outro, “forma semelhança no contexto do fenômeno globalizante e desumanizante: a perda dos sentimentos” (CENCINI, A. Abbiamo perso i sensi? Alla ricerca dela sensibilità credente. Milão: Edizioni San Paolo, 2012, p. 9). Segue Amoedo Cencini, dizendo que isso “significa, mais precisamente e dramaticamente que arriscamos de nos tornar insensíveis, de apagar uma outra dimensão o componente típico que faz de nós humanos: a sensibilidade. Quase passando de homo sapiens à homo insensatus, literalmente” sem sentimentos.

Então, lamentando pelos chineses, como pelos outros cientistas, que, por intenções materiais, criam armas nucleares, híbridas, micróbios disseminados, e tantos artefatos que incitam à violência, só resta a esperança, poiada na fé de que o homem tem DNA divino e tenta evitar, quanto pode, a repetição de dilúvios, pestes, genocídios… mas até quando?

Vemos, ou provaremos, após a COVID-19, for escondido para debaixo do tapete.

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