Crescimento econômico e mortes de desespero
Crescimento econômico e mortes de desespero
Crescimento econômico e mortes de desespero

Paulo R. Haddad*

Os problemas socioeconômicos e socioambientais do Brasil são relativamente mais fáceis de serem resolvidos quando o País está crescendo de forma mais acelerada e sustentada. Nesse contexto, forma-se um excedente econômico que permite gerar mais renda e emprego de qualidade, financiar as políticas públicas de desenvolvimento sustentável e, principalmente, melhorar a distribuição de renda e da riqueza nacional.

Nos últimos mandatos presidenciais, a política econômica tem tido como objetivo dominante o equilíbrio macroeconômico através do ajuste nas contas públicas com reformas político-institucionais visando a atingir a meta de inflação. Um objetivo absolutamente indispensável, uma vez que o imposto inflacionário atinge principalmente os grupos de baixa renda corroendo o seu poder de compra.

A expectativa é a de que com o fim do ciclo do ajuste macroeconômico, o crescimento econômico virá por acréscimo! Entretanto, de ajuste em ajuste vai se adiando a retomada do crescimento econômico e os problemas socioambientais vão se agravando desordenadamente. É preciso que se formule e se implemente um novo ciclo de expansão da economia brasileira para crescer como no Plano de Metas de JK nos anos 1950 ou no “Milagre Econômico” dos anos 1970. De outra forma, estaremos imersos num jogo destrutivo de soma zero.  

Um jogo de soma zero se refere a jogos em que o ganho de um jogador representa necessariamente a perda para o outro jogador. Uma ilustração: em 1908, Vilfredo Pareto afirmou que, quando uma economia está estagnada ou em recessão, um grupo social não pode enriquecer sem que outro empobreça. Uma das características das crises econômicas é que, nas suas entranhas, tende a ocorrer, quase sempre, um tenso processo de concentração de renda e de riqueza e o aumento das desigualdades sociais, um verdadeiro jogo de soma zero no conflito distributivo. 

Desde 2014, o crescimento do PIB per capita do Brasil tem apresentado valores inexpressivos. As políticas econômicas passaram a se configurar como uma difícil arte de não crescer em um país que tem uma longa história de crescimento e grandes potencialidades para arquitetar novos ciclos de expansão. 

Entretanto, no jogo atual em que a economia está recessiva, mais de 20 milhões de brasileiros desempregados, subempregados e desalentados, e elevada concentração de renda e de riqueza, o que está acontecendo com os economicamente marginalizados e os socialmente excluídos? Diversas pesquisas realizadas recentemente têm demonstrado que as suas perdas e danos não se limitam à dimensão econômica de sua sobrevivência. 

Em livro publicado no início de 2020, Anne Case e Angus Deaton, Prêmio Nobel de Economia de 2015, investigaram a expansão vertiginosa das diferentes causas de mortes, as quais denominam “mortes de desespero”: suicídios, overdoses e alcoolismo. Analisaram, principalmente, o grupo de renda média na faixa etária de 45 a 54 anos da população branca dos EE.UU., dividindo-o por nível de educação. O subgrupo com menor nível de educação perdeu, entre 1979 e 2017, 13 por cento de seu poder de compra, sendo que os salários dos trabalhadores norte-americanos ficaram estagnados durante meio século. Empregos não são apenas a fonte de renda e de projetos profissionais, mas a base de rituais, costumes, rotinas e hábitos de consumo da vida dos trabalhadores, os valores culturais que contribuem para o seu equilíbrio emocional e um dos componentes fundamentais para garantir a estruturação das famílias. 

No livro, os autores consideram que os EE.UU. estão experimentando uma verdadeira catástrofe através das mortes de desespero entre aqueles que não têm curso superior ou nível de especialização apropriada para os processos e as tecnologias das novas revoluções industriais. Os seus empregos foram substituídos pelas importações de outros países (principalmente da China) ou pela automação robótica nas fábricas. Com a saúde abalada, esse grupo social se encontra diante do pior sistema de saúde pública entre todos os países mais ricos do Mundo, ao qual podemos contrapor o nosso SUS que tem demonstrado, apesar de inúmeras dificuldades financeiras e organizacionais, excelente desempenho institucional como ocorreu durante o ciclo da pandemia do coronavírus. 

No caso brasileiro, os fatores que têm determinado o desemprego, o desalento e o empobrecimento de milhões de trabalhadores formais e informais são diferenciados, mas o seu nível de estresse emocional e psíquico é igualmente dramático. Assim, é muito importante estar atento às reações psicológicas desses trabalhadores e ao seu eventual desespero e, ao mesmo tempo, promover o fortalecimento da atuação de psicólogos e psicanalistas na Atenção Básica do SUS. Como dizia John Steinbeck: “Uma alma triste pode te matar mais rapidamente do que um germe”. 

*Mestre em Economia, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento

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