Por: Mauro Santos Ferreira
Economista, ex-Secretário de Planejamento do Governo de Minas Gerais. Vice-Presidente da ASSEMG – Associação dos Economistas de Minas Gerais
“Graças à sua vigorosa defesa do governo democrático, dos direitos humanos e à sua criatividade intelectual, o Presidente Juscelino Kubitschek se tornou um dos maiores estadistas do hemisfério”. – Senador Edward Kennedy (USA), agosto/1976
A partir dos anos 1940, as discussões relacionadas com o desenvolvimento econômico se intensificaram no Brasil, reproduzindo aqui o que vinha acontecendo nos países centrais desde o início do século XX. Nesses países, no entanto, a preocupação maior estava centrada na necessidade da adoção de medidas anticíclicas, que pudessem neutralizar ou minimizar os efeitos perversos das crises econômicas, que periodicamente os afetava.
Naquela década foram criados o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional – FMI e, também, a Organização das Nações Unidas – ONU. Em 1948, na estrutura da ONU foi constituída a Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL, que nos vinte anos seguintes viria a exercer grande influência na implementação de políticas econômicas no Brasil. Em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-BNDE, no bojo do denominado processo de substituição de importações, tema central do pensamento “cepalino”.
Em Minas Gerais, ficava evidente para as suas lideranças políticas e empresariais que os benefícios do crescimento da economia nacional, por mais dinâmico fosse esse processo, não se distribuíam de forma espontânea e automática pelos estados e regiões do país. Aos governos estaduais caberia, portanto, o papel de formular e executar políticas de estímulo ao desenvolvimento econômico em seus territórios. Em Minas iniciativas relevantes foram concretizadas com esse foco.
Em 1950 foram eleitos Getúlio Vargas (Presidente da República) e Juscelino Kubitschek (Governador de Minas). No exercício de seus mandatos os dois demonstraram de forma insofismável o seu convencimento de que ao estado competia o papel central na condução do processo de desenvolvimento do país.
Em Minas, Juscelino atuou obstinadamente para concretizar o que prometera em sua campanha, e que compunha o programa de seu governo: desenvolvimento sustentado no “Binômio: Energia e Transporte”, cujo objetivo maior era o de promover a industrialização do estado. A ampliação e modernização da malha rodoviária e a criação da CEMIG (1952), com a consequente expansão da oferta de energia, foram fundamentais para que isso acontecesse.
No Brasil dos anos cinquenta o ambiente era de clara contradição entre o otimismo proveniente dos avanços da economia e a turbulência política, que culminou com o suicídio do Presidente Vargas (Agosto/1954) e que, posteriormente, produziu duas tentativas de golpe de estado contra o Presidente JK: Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959).
Eleito Presidente, Juscelino Kubitschek assumiu o cargo em 31 de janeiro de 1956 com a promessa de fazer o Brasil crescer cinquenta anos em cinco. O seu programa de governo foi elaborado com base em análises e propostas elaboradas por profissionais do BNDE e da CEPAL, que proporcionaram a definição de trinta e um objetivos: o Plano de Metas. O PIB no período JK (1956/1960) cresceu, em média, acima de 8% ao ano.
Em 1960 a população brasileira era da ordem de setenta milhões de habitantes e a população urbana representava 45% desse total. A taxa de crescimento demográfico era de 3% ao ano. O modelo de crescimento, voltado prioritariamente para o setor industrial, contribuiu para acelerar o processo de urbanização nas regiões em que esse setor se expandia com maior intensidade, provocando grandes fluxos migratórios entre regiões (ex.: Nordeste para o Sudeste) e do setor rural para o urbano.
Da segunda metade do século para cá o Brasil foi submetido a um acelerado processo de transformações de caráter político, social e econômico. A sua população quadruplicou e se urbanizou. As metrópoles, além de sede de governos estaduais, passaram a concentrar as atividades econômicas e, por isso, a atrair grandes contingentes populacionais. A ausência de políticas eficazes que pudessem ordenar esse processo resultou no caos urbano que as impacta nos dias atuais.
Em seu livro “O Mito do Desenvolvimento Econômico” (1974), o economista Celso Furtado salientava que “a economia brasileira constitui exemplo interessante de quanto um país pode avançar no processo de industrialização sem abandonar suas principais características de subdesenvolvimento”. Em 1957, o sociólogo francês Jacques Lambert já havia publicado “Os Dois Brasis”, no qual retratava a dicotomia da convivência da pobreza extrema e da marginalidade social em confronto com os avanços econômicos. Mais tarde o economista Edmar Bacha alcunhou essa realidade brasileira de “belíndia”: grande parte “Índia” com um pouco de “Bélgica”.
Os indicadores sociais registram que o Brasil chegou ao final do século XX ostentando um dos piores quadros de desigualdade na distribuição de renda do mundo. Estudo recente sobre a “Evolução dos Indicadores Sociais Baseados em Renda”, coordenado pelo economista Marcelo Cortes Néri (Escola de Pós-Graduação em Economia, FGV), destaca que o “espetacular aumento da desigualdade entre 1960 e 1970 foi seguido de uma longa monotonia estatística. Alguns chegaram a comparar a dinâmica dessas séries a do eletrocardiograma de um morto”.
“Acompanhar a desigualdade brasileira até 2001 era um tanto monótono, era como se fosse uma constante da natureza”. Visto o desenvolvimento como um processo em que a população adquire ao longo do tempo ganhos de qualidade de vida, em que parcelas cada vez maiores das camadas mais pobres ascendem a patamares superiores das classes de renda e passam a usufruir dos bens e serviços fundamentais à melhoria do seu bem-estar e autoestima, é fundamental que se privilegiem em qualquer avaliação dos avanços obtidos pelo Brasil, ao longo de sua história, os seus indicadores sociais.
As taxas médias anuais aproximadas de crescimento do PIB nas últimas seis décadas (até 2010) foram: 7,2% nos anos 50; 6,2% nos 60; 8,8% nos 70; 3,0% nos 80; 1,7% nos 90; e 3,3% na primeira década do século XXI. O ano de 1980 é visto como um marco final de um longo ciclo de crescimento econômico acelerado. Naquele ano a economia cresceu 9,2% e no seguinte (1981) despencou em menos 4,3%.
Num ranking de 2013 que classifica 194 países pelo tamanho do seu PIB o Brasil vem se mantendo, com pequenas oscilações, em 7º lugar. Contudo, visto sob o prisma do PIB per capita, ocupa o 64º posto. Neste ranking (PIB per capita) nenhuma grande economia ocupa um dos dez primeiros lugares. O primeiro é Liechtenstein, o segundo Mônaco e o terceiro Luxemburgo. Entre os BRICS a Rússia ocupa o 53º lugar, o Brasil o 64º, a China o 92º e a Índia o 148º.
Agora, depois de um curto período (2003-2011) de resultados bastante satisfatórios – aspectos sociais e econômicos –, o Brasil vivencia mais um período de crise, cujos efeitos se evidenciaram e se agravaram a partir de 2012. A grande crise mundial que se inicia em 2007 afetou indistintamente a economia da maioria dos países. No entanto, a intensidade e a duração em que isso vem acontecendo não são as mesmas. No caso brasileiro fica claro que a gravidade desse fenômeno é decorrente da inconsequente subestimação pelo Governo Federal dos previsíveis impactos da crise mundial em nossa economia e da sua indisposição para adotar oportunamente medidas corretas e eficazes que pudessem amenizar os seus efeitos. Pior, adotou algumas políticas que provocaram danos às contas públicas e o quadro geral se agravou com as repercussões econômicas e políticas da operação lava-jato. Por seu turno, o êxito das indispensáveis medidas de ajuste fiscal propostas pelo Governo depende, em grande parte, do apoio do Congresso, que, até agora, vem demonstrando resistência para aprovar a adoção das medidas de austeridade que lhe são submetidas.
A história do Brasil republicano é marcada por inúmeras crises e turbulências políticas e econômicas. Em janeiro de 1990 o então Senador Fernando Henrique Cardoso dizia em um pronunciamento “A década começa envolta em névoa espessa de dúvidas e dificuldades. Mas o voo do país não será necessariamente cego. Entre o populismo autoritário, o conformismo conservador, o adesismo fisiológico, o oposicionismo desestabilizador – quem não se lembra da UDN negando sempre legitimidade a Vargas, a Juscelino e a todos que deles ganharam –, é na busca do consenso (do pacto social) que se situa a verdadeira política democrática: o reconhecimento das diferenças e a negociação dos conflitos”.
Em direção contrária, questionado em recente entrevista (Valor Econômico, 22.5.2015) sobre a atuação da bancada do seu Partido, o PSDB, que votou a favor do projeto que desmonta o “fator previdenciário” – aprovado pelo Governo FHC -, o economista Edmar Bacha justificou esse posicionamento e acrescentou “que o Partido tem que ambicionar chegar ao poder” e que “é pedir demais para uma oposição que se comporte tecnicamente de forma tão coerente.”
As discussões e análises relacionadas com o processo de desenvolvimento do país devem ser conduzidas no sentido da identificação das causas das suas frequentes desacelerações, interrupções e retrocessos, e da formulação de propostas que as eliminem. É indispensável incluir nesse debate representantes da classe política, pois grande parte das propostas para eliminação dos gargalos que inibem nosso crescimento, será submetido, avaliado e decidido por ela. De pronto é fundamental que se generalize a convicção de que, mesmo quando se fala de economia, o setor mais estratégico e, portanto, prioritário como foco das políticas públicas, capaz de assegurar o desenvolvimento com sustentabilidade do país, é a educação.
Inspirar em JK e caminhar com ele é participar da interminável construção do real desenvolvimento do Brasil, cada vez mais rico e menos desigual, sem nunca mais deixar que nos usurpem o bem maior: a democracia.
“Não duvidamos, mesmo nas horas mais difíceis, que o nosso País estivesse amadurecido suficientemente para que as regras e fundamentos da moral e do direito resistissem a toda sorte de desregramentos da paixão. O ato de hoje, neste Tribunal, fortalece o princípio de que não vinga mais entre nós o arbítrio e de que a lei é forte. Só se podem incluir, aliás, no número de países civilizados aqueles em que as regras do jogo político são invioláveis, depois de aceitas. Só se podem considerar de fato constituídos em nação os povos para os quais a lei é objeto de acatamento, de limitação de sentimentos bruscos de desgoverno”
Juscelino Kubitschek de Oliveira,
diplomação no Tribunal Superior Eleitoral, 2701.1956
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