Como ocorreu em fins de 2008, logo depois do estouro da crise do subprime, na esteira da quebra do banco de
investimentos norte-americano, Lehman Brothers, gerou-se recentemente uma discussão sobre os efeitos da crise atual, originada da recusa dos investidores de refinanciar as dívidas de países da Europa, sobre a economia brasileira. Embora ninguém haja afirmado de que se trata de uma marolinha, a maioria dos comentaristas brasileiros sustenta a tese de que o Brasil está convenientemente blindado, de modo que a economia nacional deverá ser pouco afetada pela crise atual. Infelizmente, contudo, os efeitos da crise sobre o país já se fazem sentir de forma expressiva e, apesar de não se tratar de um tsunami, nem por isso os prejuízos deverão ser mínimos, como supõe os otimistas de profissão.
Para começar, saliente-se que, embora já tenha atingido a economia global, causando a queda das bolsas de valores
mundo afora, assim como a redução do crédito e a “fuga para a liquidez”, a crise atual ainda pode atingir dimensões
impensáveis. Isto se deve, em primeiro lugar, às dimensões da dívida pública dos países da União Europeia, que superou € 10 trilhões em outubro, sendo que, segundo dados do Deutsche Bank, as necessidades de refinanciamento da zona do euro totalizarão € 1,7 bilhão em 2012, correspondendo a 17,5% do PIB. Em segundo lugar, às expressivas perdas do sistema financeiro, que, segundo sustentam determinados analistas, chegariam a € 200 bilhões (US$ 264 bilhões) somente para os bancos dos países da Eurozona, caso houvesse uma redução de 25% na dívida dos PIIGS. Se a redução (haircut) for de 50%, as perdas irão para € 400 bilhões, ou 5% do PIB dessas economias. Em terceiro lugar, não somente às dificuldades naturais das lideranças europeias em chegar a um acordo para enfrentar o problema, em razão da Zona do Euro ser uma comunidade de dezessete países soberanos,
mas à predominância da visão ortodoxa, que crê possível restabelecer a capacidade dos países endividados para
honrar seus compromissos financeiros através de um ajuste recessivo. Caso essa visão – que reflete a concepção do
capital financeiro, tornada dominante desde da Era Thatcher- Reagan – continuar a prevalecer, impedindo que o Banco Central Europeu (BCE) lidere o processo de reciclagem da dívida soberana dos PIIGS, dificilmente a economia
globalizada deixará de vivenciar uma ampliação desmedida da crise atual, de conseqüências imprevisíveis.
Como não poderia deixar de ser, uma das dificuldades envolvidas no desenho das políticas de reversão da crise
atual reside no seu diagnóstico. Para o pensamento conservador, na origem da mesma está a irresponsabilidade
dos governos dos chamados PIGS, por incluir Portugal, Itália, Grécia e Espanha (Spain, em inglês), em particular do
grego, que teria abraçado políticas populistas, recusandose a implementar políticas de equilíbrio orçamentário e
redução da dívida durante o período de “vacas gordas” da economia internacional, particularmente entre 2003 e 2007.
No entanto, como esclarece Martin Wolf, editor do Financial Times, “as condições de crédito fácil e de juros baixos na
primeira década produziram bolhas no mercado imobiliário e crescimento explosivo na tomada de empréstimos pelo se setor privado na Irlanda e na Espanha, captação exagerada de empréstimos pelo setor público na Grécia, declínios
na competitividade externa da Grécia, Itália e Espanha, e enormes déficits externos, na Grécia, Portugal e Espanha.
Quando os mercados financeiros entraram em pânico, os devedores sofreram uma ‘parada súbita’, o que causou
crises de liquidez e insolvência em cascata de países e bancos”. Por outro lado, como afirma o professor Belluzzo,
o problema estaria na subavaliação dos riscos durante o período de boom, de modo “tão logo o pânico deflagrado pela quebra do Lehman Brothers cedeu, saíram das sombras os estoques de dívida soberana acumulados na Europa durante o período de subavaliação dos riscos”. Finalmente, não se podem menosprezar os efeitos retardado da própria crise do subprime, que teria desarrumado as finanças públicas dos países europeus e instaurado um quadro de incerteza que necessariamente teria de desaguar em nova e profunda crise financeira.
Mas seja qual for a razão da crise, o fato é que, conforme salientado, seus impactos negativos já se fazem sentir no
Brasil, de forma decisiva. Para começar, a OCDE prevê que a crise europeia poderá “rever dramaticamente” o fluxo de
capital de curto prazo para os emergentes da América Latina e, de fato, já se observou, a partir de setembro, uma forte redução da entrada de capitais externos no Brasil, que, nesse mês, somou menos de US$ 3,1 milhões, contra uma média de US$ 11 bilhões nos oito meses anteriores. Retirando-se os investimentos estrangeiros diretos (IED), que atingiram US$ 6,3 bilhões, os recursos restantes, ou seja, os empréstimos, os financiamentos e a movimentação internacional de capitais brasileiros, totalizaram numa saída de perto de US$ 3,0 bilhões. Mais do que isso, em outubro, enquanto o IED recuava para US$ 5,5 bilhões, os investimentos em ações e títulos de renda fixa foi de apenas US$ 397 milhões, contra US$ 16,7 bilhões no mesmo mês do ano passado. Já a captação de recursos de longo prazo através da emissão de títulos de médio e longo prazos chegou a somente 3% das amortizações, contra 45% em setembro e mais de 100% no início do ano.
considerando-se a desaceleração da economia mundial esperada para o futuro próximo, espera-se que o saldo
comercial caia de US$ 30 bilhões em 2011 ano para US$ 15/20 bilhões em 2012. Isso não significa, no entanto, que
haverá um aumento do déficit em conta corrente, que deve atingir US$ 54 bilhões em 2011, até porque, com a esperada desaceleração da economia brasileira, as importações devem recuar de forma significativa, numa repetição do que ocorreu em 2009.
Aliás, o terceiro e mais dramático resultado da crise internacional sobre a economia brasileira já foi constatado pelo IBGE, que mostrou a forte desaceleração do crescimento econômico no terceiro trimestre de 2011, tendo o PIB a preços de mercado do terceiro trimestre apresentado variação nula (0,0%), levando-se em consideração a série com ajuste sazonal.
No caso da indústria, a queda foi de 0,9% do PIB, sendo de se esperar recuos ainda maior para o quarto trimestre, em razão da redução da produção de automóveis, que, em novembro, caiu 9,1% ante igual período no ano passado, do aumento dos estoques.
O pior é que, se esses números já são preocupantes, a situação deve se deteriorar ainda mais nos meses seguintes,
pois não existe nenhum indício de que a crise internacional da atualidade esteja a ponto de refluir. Há, portanto, de se
esperar algo que, embora possa ser menos dramático do que ocorreu em inícios de 2009, quando o PIB industrial caiu
17% no primeiro trimestre em relação a igual período no ano anterior, mesmo assim o tranco não deixará de ser violento.
Podemos esperar, pois, outro “choque externo” de grandes recessões, a requerer que o governo Dilma radicalize a sua
política anticíclica, que ainda engatinha.
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