Como parte do objetivo de difundir a cultura cervejeira, finalizamos a série soÂbre ingredientes, publicada nas colunas das duas edições anteriores (Lúpulo e Grãos), abordando agora as Ãguas e as Leveduras, elementos menos famoÂsos mas fundamentais no processo de produção da cerveja.
Ãguas
Mesmo quem não é profundo conhecedor sabe da histórica fama de cidades brasileiras como Ribeirão Preto, Pirapora e Petrópolis como fornecedoras de água de qualidade para produção de cerveja. Em outras partes do mundo, são também conhecidas por isso cidades como Pilsen (República Tcheca), Munique (Alemanha), Dublin (Irlanda) e Burton upon Trent (Inglaterra).
Nas cervejarias, a água é usada no processo de produção do mosto, solubiÂlizando o malte moÃdo. Com isso, proporciona condições ideais para a transÂformação do amido contido nos grãos de malte em açúcares, que irão ser fermentados na sequência do processo. A água é o principal ingrediente da cerveja, representando de 90 a 95% do seu volume final. Uma cervejaria conÂsome entre cinco e 10 litros desse lÃquido para fabricar um litro do produto.
Uma água com caracterÃsticas inadequadas pode comprometer seriamente o aroma e paladar de uma cerveja, descaracterizar o estilo da bebida que se quer fabricar e reduzir o tempo da sua vida útil. Sabendo disso, os bons cervejeiros chegam ao ponto de ser mais exigentes que a própria legislação sanitária com relação à água que utilizam. Ela deve ser bem filtrada para retirar impurezas, não ter sabor e cheiro, estar livre de cloro e outras substâncias utilizadas como desinfetantes.
Antes do desenvolvimento das modernas técÂnicas de bioquÃmica, que permitem alterar as propriedades da água e adequá-la à receita a ser produzida, até há pouco tempo a proÂximidade de uma fonte de qualidade era fator determinante para a instalação das fábricas. Isto fez com que, até hoje, algumas regiões sejam consideradas tradicionais na produção de determinados tipos de cerveja, umas mais encorpadas, outras amargas ou mais leves.
Originado na cidade de mesmo nome, localiÂzada na Bavária, República Tcheca, o estilo PilÂsen, por exemplo, requer o uso de água com pouca mineralização e baixa alcalinidade. Já as Stouts, caracterÃsticas de DuÂblin, Irlanda, exigem água com elevada alcalinidade e teor de bicarbonatos, enquanto que as Pale Ale inglesas, cujos exemplares mais conhecidos vêm da região de Burton upon Trent, além do lúpulo, devem seu caráter amargo também ao alto teor de sulfato presente na água dessa área.
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Outra cidade famosa por suas Lager claras é Dortmund, Alemanha. Sua Dortmund Export é menos lupulada que uma Pilsen, com aromas de malte mais ressaltados, para o que contribuem os minerais presentes na água tÃpica da região. Em Viena, é água é similar à de Dortmund, embora com nÃveis menores de cálcio, sódio e cloretos, o que dá mais corpo à cerveja local. Maltes mais escuros são adicionados, resultando nas famosas Lager avermelhadas. Já em Munique, a água tem pouco teor mineral, embora a alcalinidade seja elevada, fazendo com que as Dunkel, Oktoberfest e mesmo as Bock sejam suaves, apesar da cor mais forte vinda do uso de maltes escuros.
Leveduras
As leveduras, micro-organismos unicelulares microscópicos, são elementos fundamentais no processo cervejeiro mas pouco conhecidos pela maioria das pessoas. Durante o processo de fermentação, atuam sobre os açúcares preÂsentes no malte, produzindo álcool, gás carbônico e uma grande quantidade de compostos intermediários fundamentais para o sabor e aroma da cerveja.
O nome desse fungo é Saccharomyces, sendo mais usadas pelos produtores as espécies S. cerevisae, S. carlsbergensis ou S.uvarum. No caso das cervejas tipo Lambic a fermentação é feita espontaneamente por leveduras selvagens trazidas pelo ar e que fermentam o mosto cervejeiro.
São dois os tipos de leveduras utilizados na produção de cerveja: as tipo Ale ou de alta fermentação (cuja temperatura ótima de fermentação está entre 15 e 25 graus centÃgrados) e as leveduras Lager, ou de baixa fermentação (entre 9 e 15 graus). As primeiras fermentam num perÃodo entre 4 a 8 dias, produzindo aromas frutados e condimentados, tÃpicos das cervejas Ale (Pale Ales, Porters, Stouts), com teor alcoólico variando de 3 a 5,5% e de 6 a 10% nas cervejas belgas de abadia. Já as segundas, que precisam de 5 a 14 dias para a fermenÂtação, dão origem a aromas mais neutros e leves como as do grupo Lager, onde se sobressai o estilo Pilsen, com teor alcoólico entre 4 e 5%. Estilos como Bock e Doppelbock podem alcançar até 10%.
Algumas cervejas, como as wits belgas e as britânicas refermentadas na garÂrafa, são envasadas sem filtragem ou com adição de leveduras extras. Nesse caso, a fermentação final será no próprio vasilhame e o lÃquido pode ficar turvo. Outros métodos, como o champenoise, também fazem refermentação na garÂrafa.
Por serem fundamentais na formação do aroma das cervejas, o meio de culÂtura de um determinado tipo de levedura deve ser a mais puro possÃvel, isento de outros tipos de leveduras, bactérias e leveduras selvagens. Além de serem elementos chave na fabricação da cerveja, as leveduras são importantes fontes de vitamina B e de proteÃnas, com a grande vantagem de não possuir gordura ou colesterol.
O Brasil ainda é totalmente dependente de leveduras importadas, o que deixa a sua indústria cervejeira numa posição delicada. Muitos especialistas têm se dedicado ao assunto, entre elas a bióloga Gabriela Montandon, da Cervejaria Inconfidentes, de Belo Horizonte, que desenvolve uma linha de pesquisa cujo principal objetivo é diminuir os custos dessa matéria-prima, valorizando a geÂnuinidade das linhagens de leveduras brasileiras para produzir cervejas com aspectos sensoriais diversificados.
Ela vem se dedicando ao assunto desde 2012 e, atualmente, divide o seu douÂtorado entre o Departamento de MicroÂbiologia do ICB/UFMG e o Laboratory of Enzyme, Fermentation and Brewing TecÂnhnology, KU Leuven – Campus Gent KaHo Sint Lieven na Bélgica, onde estuÂda linhagens de leveduras originárias da coleção do Laboratório de Taxonomia, Biodiversidade e Biotecnologia de FunÂgos da UFMG, pesquisando a viabilidaÂde do seu uso na indústria cervejeira.
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