Roberto Brant*
Circula no meio dos economistas e da turma do mercado financeiro um rico conselho, conhecido como o axioma de Brainard: quando você não sabe bem o que está fazendo, faça devagar, por favor. Este artigo de sabedoria, que devia fazer parte do senso comum, é muitas vezes ignorado por governantes e legisladores. Há um outro dito que vai além: se você não tem certeza das consequências do que vai fazer, não faça. Tudo isto me vem à mente neste momento quando o Parlamento se mostra disposto a votar apressadamente uma ampla reforma tributária.
Esta reforma vai mudar completamente uma série de tributos sobre o consumo e seus efeitos se estenderão a todas as atividades produtivas, afetando a vida de toda a população. Uma mudança tão profunda exige uma emenda à Constituição. O texto das Constituições, aqui e em qualquer lugar do mundo, é feito para durar no tempo e não para ser alterado diante de qualquer circunstância ou conveniência. Ultimamente esta regra de ouro não tem valido para nós.
Em 2022 o Congresso brasileiro resolveu revogar na prática os ritos que devem ser observados nas reformas da Constituição. Foram suprimidas instâncias e abreviados os prazos para em questão de dias mudar artigos constitucionais, primeiro para servir às urgências eleitorais do então Presidente Bolsonaro e, no final do ano, para servir à conveniência do novo Governo Lula. Na prática não temos mais uma Constituição, no sentido clássico, pois seus artigos podem ser mudados em questão de dias, ao sabor de maiorias efêmeras ou constituídas ad hoc.
Neste momento estamos diante da possibilidade concreta de uma mudança tectônica no funcionamento da economia, na forma de um projeto de Emenda Constitucional que será levado à votação diretamente no Plenário da Câmara dos Deputados, sem passar pelas Comissões, etapa que antecede qualquer mudança constitucional. Ao contrário das mudanças de 2022 que, embora desastrosas, tinham efeitos temporários, esta reforma terá efeitos permanentes e profundos, cujas consequências são um desafio para a nossa imaginação.
Por tudo que já sabemos, a reforma vai retirar de Estados e Municípios a autonomia para cobrar e fiscalizar os impostos que lhe correspondem na Constituição de 1988 e na nossa longa tradição constitucional. Na prática não seremos mais uma Federação, mas um Estado Unitário, rompendo uma história que vem desde o nascimento da República. Sem esquecer que ninguém pode assegurar que a nova repartição fiscal não produzirá distorções e assimetrias importantes.
Quanto aos setores da economia, o novo sistema vai reduzir a carga tributária que incide atualmente sobre a indústria e sobre o setor financeiro, mas, para compensar, vai aumentar muito os impostos sobre a agropecuária, a saúde, a educação, o comércio, a construção civil, o transporte de carga e de passageiros, entre outros. Em resumo, esta reforma vai diminuir um pouco os impostos para setores que representam 20% do PIB e aumentar muito os impostos para os setores que representam 80% do PIB. A lógica indica que o efeito da reforma, ao contrário do que vivem dizendo seus patronos, só poderá ser menos, e não mais, crescimento econômico.
Para a população em geral haverá aumento generalizado de preços, pois a alíquota padrão do novo imposto será fixada entre 25 e 30% e vai incidir sobre todos os bens e serviços da economia, a grande maioria dos quais é tributada hoje abaixo de 10%. A conclusão lógica é que haverá aumento da inflação e redução do poder de compra de quase todos os brasileiros.
Tudo isto deveria ser suficiente para convencer aqueles que tem o poder de decisão, para que tenham prudência e moderação antes de imporem ao país um experimento que vai desorganizar o funcionamento de toda a economia.
Muito da insegurança jurídica em que vivemos provém do fato de que o Judiciário até hoje ainda está interpretando os velhos impostos. O que será de nós agora com um imposto totalmente novo? Vamos caminhar para o desconhecido.
Mais devagar, por favor.
*Advogado, ex-deputado federal, ex-ministro da Previdência Social
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