Quando aconteceram fatos e nos cabe examinar o motivo, a causa e a razão

Jayme Vita Roso*

Vivemos o ano de 2024, que vai célere como uma corrida equídea dos bons tempos do Jockey Club. Volto a 1924, Arthur Bernardes estava no poder e, com seu caráter taciturno, colocava vários Estados em ressalva.

E, sobre São Paulo, eu me curvo, porque, no bairro do Camboriú, onde vim à luz, passaram-se eventos motivados por forças militares na Mooca (que era, e ainda é dividida pelo rio Tamanduateí por duas partes distantes apenas por alguns metros).

E a configuração das duas partes, a subida da rua dos Alpes e a descida da rua Barão de Jaguara, faz-nos imaginar uma ferradura.

Arthur Bernardes assumiu o poder sob a égide da República em 1922, inaugurada pelo Decreto nº 510 de 22/06/1890, a fim de acelerar a organização definitiva da República. Mineiro enérgico, de origem modesta, partiu do governo de seu Estado a gênese de seu intento vigoroso de política.

A campanha foi tumultuada, com falsificação de cartas e sua divulgação (que estourou o famoso escândalo das “cartas falsas”), da eleição ao reconhecimento de sua vitória, tivera ferrenha oposição de políticos gaúchos. Para isso, com a centelha de sua ambição iluminando seus atos, teve um ciclo revolucionário (a ideia de que, para muitos militares, desde 15 de novembro de 1889, a República foi algo somente deles, causou a Bernardes e à 1ª República problema: esta última foi sacudida por quatro explosões profundamente danosas ao seu empenho de transformar o país). Primeiro, foi o levante da Escola Militar da Praia Vermelha, em 1904; a segunda, a composição político-militar organizada por Pinheiro Machado, em 1909; mais tarde, com o forte jogo verbal de Ruy Barbosa, o afastamento de sua candidatura, em 1919, e, por derradeiro, o levante militar de 1922 (esta visava a definição de Epitácio Pessoa e impedir a posse de Arthur Bernardes).

Bernardes nunca transigiu e, graças a esse espírito, conseguiu chegar até o fim do mandato, como conseguiu também que as sedições não resultassem em ausência de alimentos e medicamentos. Minha mãe e meu tio eram farmacêuticos e, para constatar esse fato, sempre cultivaram a memória dessa mácula na história da pátria.

Apoiado por todos os governadores e congressistas, obstinado, Bernardes foi implacável, até a vitória final, quando, escapando, vários militares do exército conseguiram organizar resistência, capitaneada por Luiz Carlos Prestes. Assim, subiram o bairro da Mooca as “tropas legalistas”, com o intuito de assumir posição estratégica importante para o Largo do Cambuci, uma vez que dali se invadiria o centro e o caminho de Santos, que dispensa comentar como valiosa para qualquer intento de alcançar o poder.

No longo caminho, os “legalistas” aparelharam um pequeno canhão para atingir a Igreja Nossa Senhora da Glória no alto do elevado caminho situado.

Sem êxito, pressionados, foram sendo encurralados pela rua Barão de Jaguara, onde existia uma prisão, cuja tortura era seu fim. E estava situada ao lado da casa de meus parentes, que tinham emigrado do Sul da Itália, no início do século XX, e lá construíram sua residência. Essa sua casa sempre foi habitada, naquela época, por famílias italianas, porque se moviam nos trabalhos para o centro e para a Mooca dali mesmo com facilidades (não esquecer que o transporte era todo de muares).

Morreram muitos soldados e muitos resistentes ao movimento rebelde no pequeno trecho descrito, cuidando dos feridos. E desde aí foi instalado o Hospital Cruz Azul nas imediações, hoje administrado pela Polícia Militar.

Passados alguns anos de seu governo, Arthur Bernardes Filho, nas solenidades do nascimento de seu pai, pronunciou um discurso que assim se encerrou, partindo do Ministro Abgar Renault: “Bernardes, você está seguro porque tem a maioria das Forças Armadas?”, lembro-me da resposta: “Sim. Tenho, mas o que me sustenta é minha honradez e a minha austeridade” (Jornal Minas Gerais, em 07/08/1975, p. 5).

*Advogado, escritor e ambientalista

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