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O paladar não tem asas

Um tema que não vinha me agradando muito nos últimos anos é essa coisa de ficar classificando os melhores e piores da gastronomia – por dever de ofício, como jurado, sou obrigado a fazer essa avaliação. Não que eu tenha alguma dificuldade para distinguir o bom do ruim. O fundamental é não cometer injustiça. Mesmo que na minha cabeça eu tenha sido justo, para alguém eu fui injusto.

Pouco ligo pro beicinho dos outros. Entretanto, o processo de escolha dos melhores e piores é um caminho muito mais complexo do que se imagina. Para se escolher o melhor restaurante russo é preciso conhecer TODOS os restaurantes russos do lugar, certo?

Errado – para a maioria das pessoas. O meu princípio é este: procuro conhecer todos, pois sou curioso, saio praticamente todos os dias da semana – menos sábado e domingo quando vou pra minha cozinha campestre. Entretanto é evidente o fato de que muita gente que dá palpite não vai a todos os lugares – por mera pieguice.
Tenho de admitir que, para o público, é interessante saber como são classificadas as estrelas da gastronomia – comida, bares, restaurantes, profissionais, fornecedores, etc. Uma especificação que funciona como um guia, desde que seja honesto e isento.

Faço, praticamente todo dia, indicações de restaurantes, botecos ou fornecedores a pessoas que me pedem sugestões. Jamais mandei alguém a algum lugar com segundas intenções – porque não gosto do dono ou porque gosto do dono. Já rodei muito para não saber o que presta e não presta.

Sem insinuar que tenho paladar melhor que qualquer pessoa, eu tenho certa facilidade para identificar sabores e classificar o gosto da comida, se é bom ou ruim. Até pela aparência é possível saber antes se a comida é boa ou não. Alias, o que vem antes da comida é fundamental para fazer uma classificação.

Com isto, sei até dizer quando determinada comida vai agradar a esse ou aquele tipo de comensal. Cada pessoa tem a sua preferência naturalmente: para quem não gosta de peixe não adianta inventar uma bela receita com bochecha de tamboril. Quem gosta de carne estorricada jamais comerá um rosbife. Isto se chama paladar – bom ou ruim, é paladar. E merece respeito.

Os guias – tipo 4Rodas, Michellin – se destacam por indicar lugares de acordo com os seus misteriosos critérios de avaliação. É um (1) profissional, nem sempre o mais competente, avaliando um lugar, da porta de entrada ao pratinho com a conta. Isto é, se as instalações são boas, os empregados são eficientes, se o material é do bom, a qualidade dos ingredientes, e se a comida é bem feita e saborosa. Tudo avaliado por uma única pessoa.

Na Europa, acostumou-se considerar o Guia Michellin como a palavra única e final sobre os restaurantes. Se é bom, três estrelas pra ele. Se é ruim, nada. E é levado tão a sério que provocou ao suicídio, há 4 ou 5 anos, um dos chefs estrelados do Guia, o frances Bernard Loiseau, levado a profunda depressão depois que perdeu uma das suas três estrelas – imediatamente apos ter colocado no mercado as ações de suas empresas ligadas à gastronomia.

Daí a responsabilidade que vem junto com o ato de avaliar um lugar.

Apesar disso, é muito comum acontecerem discrepâncias nas eleições de melhores restaurantes, bares e outros lugares da cidade. Não é raro ouvir um dono de um restaurante dizer que tal jurado jamais entrou em sua casa. Como ele pode definir seu voto com isenção?
Pode parecer uma tarefa simples, mas não é.
Não deveria, mas vou arriscar a dar um exemplo. Pizza: qual a melhor pizza de BH?
Acho pizza a salvação do mundo. Primeiro porque em qualquer biboca do planeta tem uma pizzaria pra quebrar o seu galho. (Em 1980, estava morto de fome, junto com o medico Ronaldo Nazaré, quando fomos salvos por uma pizza no interior da Nigéria.)

Conclui-se que fazer pizza é fácil. Errado. Não é bem assim. Fazer uma boa pizza é pra poucos. O que muito se ouve por aí é que temos grandes pizzarias em BH. Nem tantas.
Temos lugares muito badalados, muito bem frequentados, servindo pizza. Já experimentei de todas. E vários sabores – dentro do que eu considero um padrão de sanidade – afinal, pizza de feijão tropeiro é ignorância total.
O que acontece com nossas pizzarias é que cada dia a pizza vem de um jeito. Hoje crua, amanhã queimada, depois com pouca cobertura (já li e ouvi coleguinhas aí chamando “cobertura” de “recheio”… Recheio só se for calzone).

Com isto, é possível dizer que a pizza margherita da Olegário é boa; a de aliche da Antoine é a melhor; a napolitana da Marilia não é ruim; e a calabresa… aquela do Memmo Pasta e Pizza eleita a melhor pela revista Gula até hoje não encontrou substituta. As outras são aquilo: hoje boa, amanhã ruim.
As massas nem sempre são assadas com padrão de qualidade. A mussarela parece que é escolhida pelo preço do produtor. Os cogumelos raramente são frescos – quase sempre de vidro. E os tipos de pizza é que chamam a atenção. Cada uma mais esquisita que a outra. É bom nem falar. Tudo para agradar aos mais esdrúxulos gostos do público.

Considero o negócio de pizzaria em BH dividido em duas partes: antes e depois do Pizzaiolo. Antes de o Paulo Antônio Paulino abrir sua primeira casa na Rua Rio Negro, na Barroca, pizzaria era lugar de comer pizza. Giovani, Julio, Cantina do Angelo, Makao e Guarujá viviam cheias. As pessoas comiam e iam embora. Depois virou febre.
E as pizzas do Paulo Antônio eram ótimas. Foi a primeira pizza com biscoito da cidade – a borda gorda, crocante, deliciosa. E o padrão de qualidade não caía. Paulo aprendeu a fazer pizza, estilo de Nápoles, nos EUA com italianos. Sua grande jogada foi a coreografia: ele jogava o disco de massa para o alto, girando, e a pegava quase no chão pronta para receber a cobertura.

As coisas tem de mudar. Crescem e mudam. Paladar não é como a imaginação. Não tem asas para voar.

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