Carlos Mauri?cio de C. Ferreira
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Mercado Comum Publicação Nacional de Economia, Finanças e Negócios
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As circunstâncias atuais que se impõem sobre o futuro dos segmentos industriais do Brasil incluem dois aspectos fundamentais, enfatizados pelo saudoso economista e historiador Antonio Barros de Castro no seu livro Do Desenvolvimento Renegado ao Desafio Sinocêntrico, que são a China e as questões ecológicas-ambientais. Creio que se possa também destacar as ideias do excepcional professor de Harvard Alexander Gerchenkron, que revela como aspectos particulares de cada país, inclusive a importância das instituições formais e os conceitos compartilhados (shared concepts), em momentos e fases diferentes das suas histórias na busca pela industrialização, foram capazes de moldar seus sucessos e fracassos.

Uma breve exposição dos desafios e perspectivas do processo de industrialização do Brasil dentro dos limites de um artigo, pode ter como referência a história da industrialização dos Estados Unidos, cujos primeiros ensaios haviam iniciado em meados de 1700, mas que nos seus aspectos mais relevantes ocorrem no final do século 19 e início do século 20. Esses ensaios podem ser balizas para algumas considerações sobre a trajetória diferente da industrialização brasileira, bem como de suas perspectivas de longo e médio prazo, enfim, de considerações que possam despertar o interesse sobre o futuro. Um precedente importante no final do século XIX e começo do século XX que vale salientar foi o reconhecimento precoce nos Estados Unidos da importância da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para impulsionar a competitividade industrial. Alfred North Whitehead chamava à atenção em seu artigo Science and the Modern World que a maior invenção naquela época foi a “invenção do método da invenção” (Mowery, David C & Rosenberge Nathan; Trajetórias da Inovação: A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. p.11). Essa fase precoce do início da industrialização foi chamada “Primeira Revolução Industrial “, RI1), que precedeu as demais quatro (RIs). Por essa razão já o processo de industrialização no Brasil foi batizado de “industrialização tardia” ocorrida entre as duas grandes guerras mundiais e consolidada na década de 1950. A dinâmica da industrialização e inovação americana no século XX de fato se concentrou em três conjuntos atividades: motores de combustão interna, química e eletricidade e eletrônica (Mowery, David C & Rosenberge Nathan, op. cit. p.19).

A década de 1980 foi um período de inovações importantes no mundo. No início da década de 90 foi realizado uma ampla avaliação do setor industrial do Brasil pelo Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB), sob a batuta do cientista José Israel Vargas, Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia e Coordenação e Supervisão de João Camilo Penna e Lourival Carmo Mônaco. Entre as mais importantes recomendações estava a necessidade do Indústria Brasileira se empenhar com afinco na sua modernização tecnológica. Alguns programas importantes foram introduzidos como o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), o Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica (PACTI). O ECBI estabelecia como Fatores Determinantes da Competitividade da Indústria três tipos:

Fatores Internos à Empresa: Estratégia e Gestão; Capacitação para Inovação; Capacitação Produtiva e Recursos Humanos;

Fatores Sistêmicos: Macroeconômicos Internacionais Sociais Tecnológicos; Infraestruturais; Fiscais e Financeiros; Políticos Institucionais;

Fatores Estruturais: Mercado; Configuração da Indústria e Concorrência

Em um alentado compêndio de 510 páginas e várias recomendações e iniciativas com ênfase em Setores Difusores do Progresso Técnico, com detalhamento para os onze setores mais importantes da indústria nacional naquela época.

 A década de 1980 foi um período pleno de mudanças nas técnicas de produção, nos transportes e nas comunicações. As mudanças se concentraram nos métodos de gerenciamento e organização do trabalho e na introdução da eletrônica (Castro, Antonio Barros de, p.53 e 54). Além da ECIB outros trabalhos sobre a indústria nacional, acadêmicos e profissionais, foram realizados, com ênfase nas medidas de produtividade do trabalho no Brasil, quase sempre comparadas com as medidas em setores correspondentes nos Estados Unidos. Em alguns casos essas diferenças se mostravam gritantes. Vale chamar à atenção que nos anos anteriores a industrialização no Brasil se caracterizou como uma “industrialização substitutiva de importações” que alguns autores preferem chamar de “State Led”, ou seja, industrialização induzida pelo poder público, quer seja por meio de altas tarifas de importação, quer seja por financiamentos pródigos ou por investimentos diretos governamentais. Não era de se estranhar que a maior abertura da economia e a maior exposição das indústrias a uma situação de competição e indução à inovação tivesse alguma resistência. No Capítulo Política Industrial do livro seminal Economia Industrial: Fundamentos Teóricos e Práticas no Brasil, Capítulo 23, (Ferraz, João Carlos; Mendes de Paula, Germano; Kupfer, David), os autores chamam à atenção que a partir dos anos 80 o liberalismo econômico voltou a tomar força, Nesse contexto, as políticas econômicas nacionais passam a enfatizar a manutenção da estabilidade econômica e na liberalização dos mercados em detrimento de políticas industriais “State Led”, incluindo:

1.Disciplina Fiscal; 2. Priorização dos gastos públicos; 3. Reforma fiscal; 4. Liberalização dos financiamento; 5. Unificação da taxa de câmbio; 6. Liberalização comercial; 7. Abolição de barreiras aos investimentos externos diretos, 8. Privatização; 9. Desregulamentação, 10 Garantia do direito de propriedade.

Esse breve contexto histórico expos recortes da saga da industrialização brasileira. As perspectivas atuais de mais longo prazo do setor industrial em um contexto mais amplo podem revelar tendências orientadoras futuras e possíveis desafios na busca de competitividade sistêmica (de cadeias produtivas), estabilidade, produtividade e eficiência tecnológica. Como referido inicialmente, o emérito historiador Alexandre Gerchenkon demonstra em sua extensa obra a importância de se atentar sobre detalhes que, ao longo do tempo, interferiram profundamente no curso das tendências históricas da industrialização de cada país. Como será comentado adiante a presença da China, cujo PIB atual de US$15,5 trilhões poderá se tornar maior do que o PIB de US$25,6 trilhões dos Estados Unidos na próxima década, bem como se tornar a maior importadora mundial de insumos industriais e produtos do agronegócio terá importantes consequências. Antonio Barros de Castro alerta que a emergência da China e as grandes tendências que ocasiona estão redefinindo forças e fraquezas, vantagens e desvantagens na economia mundial. No caso do Brasil ele considera que tal fato é uma grande oportunidade para uma Política Industrial do Brasil:

“Através dela, o Brasil corrigiria o atraso que o caracteriza face a países como os Estados Unidos, a França ou a Coréia no que se refere a diversos mecanismos de apoio à indústria, como isenção de impostos para investimentos e exportações, apoio à inovação, depreciação acelerada de equipamentos em determinadas condições e extensionismo industrial. Seu objetivo seria o aumento da eficiência e da competitividade”. Também inclui novas oportunidades de emprego e renda.

Um aspecto que chama à atenção para reflexões sobre os desafios da indústria são as projeções que tem sido feitas por instituições de pesquisa dos Estados Unidos, que enfatizam a queda sistemática e progressiva da sua produtividade do trabalho em anos recentes (Gordon Robert J.: Is US Economic Growth Over? Faltering Innovation confronts the six headwings, Center for Economic Police Research, CEPR, September, 2012, 13p.) e que se estende pelos próximos anos. As causas subjacentes alegadas não se apoiam em projeções estatísticas ou econométricas, mas essencialmente no alto custo da educação, na segregação racial e no aumento das desigualdades sociais nesse país. Há algo semelhante no Brasil? É no contexto dessas projeções da produtividade do trabalho que se projeta que, em uma década, o PIB da China deve ultrapassar o PIB dos Estados Unidos. O discurso do Presidente Biden no Senado dos Estados Unidos revela mais do que sua preocupação com os impactos da pandemia e ambientais, mas também com as relativas ineficiências da infraestrutura e dos desafios sociais do país que ameaçam o seu futuro. Enfim, convém atentar para a necessidade de uma Política Industrial para o Brasil que o torne ainda mais preparado para os desafios futuros e que lhe garanta créditos e novas oportunidades de geração de emprego e renda e redução das desigualdades sociais do Brasil.

*Economista. Ex-Presidente da Fundação João Pinheiro

(Os artigos e comentários não representam, necessariamente, a opinião desta publicação; a responsabilidade é do autor da mensagem)

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