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Olavo Romano | [email protected]

Todo ano, em novembro, eu começo a percorrer feiras, sacolões e supermercados atrás de manga ubá, delícia que marca o meu Natal – mais do que as nozes, castanhas e avelãs, neve de isopor, o velho de barba branca fazendo rou-rou-rou enquanto tira foto com crianças ao som de estridentes gingolbéis. Às primeiras, colhidas antes da hora e ainda sem viço, faltam o perfume, o sabor e a textura que mais adiante alcançarão. Mas já prenunciam incomparável prazer e preciosas evocações.

 De Ubá, onde estudou odontologia na década de 1930, meu pai levou caroços que frutificaram como raridades em fazendas dominadas pelas sapatinho, espada, rosa, coração de boi e outras menos conhecidas, todas disputadas por meninos e passarinhos. A sapatinho, que a gente chamava de comum, brilhava, madurinha, lá nas grimpas, fora do alcance de compridas varas de bambu, dos meninos espertos que subissem no pé ou tentassem acertá-la com pedradas. Só a poder de bodoque, acertando “na bamba” o cabinho da fruta, bonita como o peito do sabiá laranjeira.

Os bons modos aconselhavam uso de faca e corte em talhadas. Criança escalpelava a fruta, depois de massageá-la bem e chupar o caldinho por um buraco na casca aberto com pequena mordida, antes de meter o queixo no caroço e acabar de cara lambuzada, dente cheio de fiapo. Tempo de manga era uma alegria sem conta.

Dia desses, na feira que frequento há mais de vinte anos, eu escolhia, com sentimento de gratidão e despedida, as melhores mangas ubá ainda disponíveis. Na verdade, a última chance foi uma semana depois, graças ao Dênis, que fez uma cata na fazenda da avó em Belo Vale, acompanhada de rara penca de banana marmelo.

Então, chegaram Sílvia e Rodrigo, um casal jovem, bonito e vibrante, ela, também, doida com manga ubá e, portanto, competidora naquele animado garim po. Enquanto esperava o fim da minha seleção, os dois foram contando episódios da relação dela com as mangas. Especialmente, a ubá.

Do lote vizinho, na Floresta, chove manga no terreno do prédio onde moram. Sílvia recolhe bacias cheias e depois se esbalda com a saborosa colheita, mesmo enfrentando a concorrência da faxineira, ardorosa participante da confraria.

Quando vai chegando o fim do ano, Sílvia sai pelas ruas do bairro perguntando se já tem manga. Em Venda Nova, onde ainda existe muita casa com quintal, pessoas ficam junto ao passeio, baldes cheios tentando a freguesia.

Recentemente, de férias numa praia do Nordeste, desobedeceu o guia e embarafustou pelo manguezal atrás de mangas impossíveis. De volta ao hotel, Rodrigo surpreendeu-a arrumando as malas.

-Aconteceu alguma coisa? A gente ainda tem quase uma semana.

– É tempo de manga ubá, não fico aqui nem mais um dia –  garantiu ela, decidida.

No táxi, contou sua fissura, a volta antecipada das férias. O motorista respondeu: “Pois a senhora deu sorte: uma passageira que levei hoje a Confins esqueceu no carro uma caixa de manga ubá. Está aí no porta malas. Se quiser, pode ficar com ela.”

Se meu Natal por pouco não alcançou a enchente das goiabas, as águas de março de Jobim, em São Gonçalo do Rio das Pedras, um presépio foi muito além do Dia de Reis. Era julho e insistiram para eu visitar o presépio de Dona Helena. “O costume é desmontar depois da folia”, explicou ela. “Mas uma freira daqui que mora em São Paulo queria muito que o sobrinho dela visse. E ele só podia vir agora. Então, perguntou se eu podia esperar”.

E continua:

– Comecei com uma caixa de sapato. Só a man-jedoura, um carneiro, uma vaquinha, José, Maria, o Menino Jesus e o anjo com a faixa do Glória lá no alto. Aí o povo foi trazendo suas oferendas: um ovo de nhambu, uma barba de pau, um gafanhoto gigante, um ninho de beija-flor, aquela delicadeza. E o presépio foi crescen-do, crescendo, chegou nesse ponto que o senhor tá vendo: a metade do quarto”.

– Daqui a pouco ocupa o quarto inteiro. – É.

–  E pro próximo ano, o que a senhora está pensando?

– Ah, queria colocar lâmpada no teto, deixar tudo brilhando, estrelado.

– Então a senhora vai trazer o céu aqui pro quarto. Fazendo o sinal da cruz, exclamou:
– O céu, não, moço. É só o firmamento.

 

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