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Jantar a 1.600 euros

Por: Sérgio Augusto Carvalho
sergioamc@uol.com.br 

Você, pobre mortal, teria coragem de ir a um restaurante e pagar dois mil dólares por um menu degustação, com bebida paga à parte? Não vou fazer esta pergunta para qualquer dos listados na Forbes, mesmo porque a maioria deles nem sabe no que estão gastando quando vão a um restaurante. Certamente, eles pagariam qualquer preço sem olhar. Pois esse é o ponto a que estamos chegando na gastronomia mundial.

Os antes restaurantes chiques da moda, com toalhas de linho, talheres de prata, taças de cristal, atendentes de smoking e outros quetais, estão com seus dias contados. Surge no mundo um novo conceito em restaurante. Nada de conforto, aconchego e comida que você pode até fazer em casa. Agora é a vez da tecnologia e do luxo sazonal, descartável. E não é tecnologia simplesmente instrumental – forno, fogão. É a nova engenharia gastronômica que vai desde o piso do restaurante, passa pela mesa, pelo que está em cima dela, e vai até o teto, que ninguém vê – ou vê, aquilo que o chef quer que você veja!

E a cozinha? Que cozinha! Não existe mais cozinha. Agora é “laboratório”! Assim é o restaurante “UltraViolet”, em Shangai, na China. Comida transformista, molecular, produzida a partir de toda uma “liberdade do chef para expressar sua cozinha de vanguarda pessoal”.

Aberto em 2012 pelo chef espanhol Paul Pairet, depois de um ano inteiro de preparação, a montagem do restaurante passou dos cinco milhões de dólares. A culinária molecular de Pairet tem característica inovadora. As espumas agora estão evoluídas. As carnes, você nem sabe se é carne mesmo – desse tamaninho e toda laqueada. Os pequenos legumes, em miniatura, parecem joias. Um prato atrás do outro, com fumaças, líquidos coloridos e uma inconfundível coreografia para apresentar um produto “multisensorial com tecnologia de ponta”.

O ambiente do pequeno salão é indescritível. Existe uma longa mesa com 10 lugares, apenas, que é a frequência do restaurante para uma noite inteira. O cenário muda de acordo com a comida ou os comensais. As paredes são como telas de computador, que exibem ilustrações fantásticas. Nenhuma decoração, nada de pinturas, esculturas ou artefatos. A natureza, luzes, perfumes e sons formam uma “atmosfera sob medida”.

O cardápio é único. São 20 iguarias (em pratos, tigelas, potes, vidros, espetos, cumbucas etc.) que saem da cabeça do criativo Pairet com o frescor que o empreendimento exige e vai ao mesmo tempo para todos os dez exclusivos clientes. Quase todos os itens do menu são preparados à vista dos comensais. Um mise-en-scène espetacular.

E se a moda pega? Já pegou! Para variar, envolvendo mais espanhóis. Em junho será inaugurado em Ibiza, uma das ilhas baleares da Espanha, o similar europeu do “Ultraviolet”. É o “Sublimotion”, de Paco Roncero, outro espanhol que entra para a lista de chefs que criaram a “avant-garde” da gastronomia mundial.

Pagar 1.600 euros para degustar os pratos de Roncero será uma aventura talvez mais emocionante que a de saborear as loucuras “made in China” de Paul Pairet. Só desembolsar essa quantia já dá arrepios. E olha que a bebida não está incluída. Com o uísque e/ou o vinho, facilmente passa dos 2.200 euros. Se for um vinho “daqueles”, sai de baixo!

O “Sublimotion” fica no hotel do Hard Rock Café da ilha mais badalada do Mediterrâneo. Ibiza recebe permanentemente milionários de todos os lugares – com certeza loucos para gastar bagatelas como esta. E o restaurante é uma loucura. Se a tecnologia do primo chinês é aquilo tudo, no “Sublimotion” passa dos limites. À medida que os pratos vão sendo servidos, a mesa imensa vai mudando de cor e de imagens. O laboratório fica por trás de uma das paredes todas revestidas de chips e eletrodos, e o “fogão” de acabamento está numa das cabeceiras da mesa.

Roncero já trabalha no local há alguns meses construindo tudo que será servido a partir de junho. Sua equipe foi formada nos moldes de “El Buli”, de Ferran Adriá. São químicos, pesquisadores, físicos, engenheiros e tem até cozinheiro. Com toda essa tecnologia, nem precisava de comida. Mas tem também. Frutos do mar, verduras, legumes, algas, cereais, frutas e tantas outras coisas, que são cientificamente esculpidas, cozidas, incineradas, condensadas e transformadas em pratos que, talvez, valham os 1.600 euros.

Jamais saberei!

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