Paulo Queiroga
No mapa da Itália, que corresponde a uma bota de cano longo, a Sicília seria a bola que a bota estaria chutando. Todo mundo queria aquele pedaço de terra. Ela foi ocupada por gregos, romanos, árabes, normandos, franceses, espanhóis e italianos, sem citar todos. A ilha, que separa o Mar Mediterrâneo do Mar Jônico é uma espécie de elo entre a antiguidade greco-romana e a florescência do continente europeu.
Um desses centros efervescentes da Sicília é Catânia, cidade de mil anos, localizada aos pés do Monte Etna e Patrimônio Mundial pela UNESCO.
Os monumentos nas ruas e praças carregam uma camada escurecida de lava de vulcão, que registra sua rica e dramática história. A cidade foi destruída por vulcão e terremoto e reconstruída várias vezes, daí os vários estilos de construção.
Deixar-se perder pelo centro histórico é uma encantadora experiência cênica, gastronômica, de arte e cultura.
O roteiro de melhor aproveitamento é a partir da Piazza del Duomo, onde tem a maior concentração do estilo barroco na cidade. Os edifícios majestosos da Prefeitura e o Palácio Chierici rodeiam o famoso obelisco do Elefante.
Belíssima atração é a Fontana dell Amenano, em mármore, jorrando água do rio subterrâneo, por meio dos 36 canais de irrigação da cidade.
A lenda registra que um elefante teria afastado do território todos os animais nocivos, daí ter virado símbolo da cidade. Interessante é que há um fundo de verdade nesta lenda. De fato, foram encontrados restos de elefantes-anões nas cinzas do vulcão Etna, espécies bem menores em relação aos elefantes que conhecemos hoje, que viviam nesta parte do Mediterrâneo na pré-história. A imagem na praça é imponente. A fonte enorme, um elefante ao alto e um obelisco de pedra acima das costas do animal. Uma ostensiva demonstração de soberania dos trappeto, como são chamados os nativos da Catânia.
Como não podia ser diferente, a presença da Igreja deixa também a marca de seu poder. Catânia abriga o segundo maior mosteiro beneditino da Europa. (O maior está em Mafra, Portugal). Construção monumental do século 16, pátio interno com uma fonte ao centro, abriga, hoje o Departamento de Ciências Humanas da Universidade de Catânia, a mais antiga da Sicília, fundada em 1434, na época em que a Sicília era dominada pelo rei espanhol Afonso V, de Aragão.
As festas religiosas são espetáculos à parte e retratam, ao mesmo tempo, fé e crueldade humana a caminharem juntas. As chamadas santas sicilianas, entre elas, Santa Ágatha e Santa Luzia merecem a fé e os festejos deste povo mágico.
A história de Santa Ágatha é triste e comovente. Por volta do ano 235, d C, a bela jovem, Ágatha foi pedida em casamento pelo Consul romano Quinciliano. Tendo recusado, pois tinha prometido sua virgindade a Cristo, aquilo que era amor se transforma em vingança e ódio. Quinciliano mandou prendê-la e a torturou, arrancou seus seios, e, por fim, a mandou para a fogueira em brasas ardentes. Ágatha morreu flagelada na prisão em 5 de fevereiro de 1250. Santa Ágatha, padroeira de Catânia e de San Marino é representada segurando uma bandeja com dois seios.
Da mesma forma é a triste trajetória de Santa Luzia, hoje padroeira de Palermo e Siracusa, duas outras cidades da Sicília, que trataremos em breve. Por não renegar a fé cristã frente aos deuses romanos, Luzia teve seus olhos furados, foi queimada, se salvou, em seguida, decapitada em 13 de dezembro de 314, data em que os católicos celebram a fé à santa mártir. Seu emblema com os olhos na bandeja significa Lux, a Luz da fé que não se apaga.
Luz, fé, poder, sofrimentos e superações são os componentes deste caldo cultural na, hoje, dinâmica e alegre cidade de Catânia. Arriverderci !!!
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