É certa a reengenharia da estatal, que já está vendendo ativos de transporte, distribuição e refino
A Petrobras é grande demais para ser privatizada? Talvez sim. A complexidade de vender a maior empresa estatal brasileira para a iniciativa privada não tem paralelo na história contemporânea do capitalismo —pelo menos desde a reunificação das Alemanhas em 1990, quando o lado ocidental criou a Treuhandanstalt, megacorporação oficial cuja missão era privatizar todas as empresas do lado oriental comunista e se dissolver em seguida. Falar em privatizar a Petrobras, porém, já é um grande negócio. Paulo Guedes, ministro da Economia, sabe das duas coisas: da complexidade do desafio e das vantagens de colocar a Petrobras no pano verde.
Como vender, do dia para a noite, uma empresa que monopoliza diversas fases da produção de óleo e gás no País? Como evitar o surgimento de um novo monopolista privado? São apenas duas das grandes dívidas, e as mais tangíveis, que surgem ao se encarar a venda da petrolífera estatal.
#Reformar para privatizar
As condições necessárias para viabilizar a venda da Petrobras, principalmente as políticas, não estão dadas no momento. A estratégia da equipe de Paulo Guedes é, primeiro, reformar o setor no qual a Petrobras opera, encaminhando a futura desestatização. Mexer na estrutura hoje dominada pela estatal do petróleo com vistas à privatização é, em si, uma excelente iniciativa. Ela traz benefícios mesmo que, no final, não seja realizada a privatização, pois o custo de manter a Petrobras sob controle do Estado ficará menor caso a empresa caminhe na direção da venda .
Analistas do mercado financeiro consultados pelo Virtù projetam dois cenários possíveis para a Petrobras. A privatização é o menos provável. Mas dá-se como certa a reengenharia da estatal com o objetivo de torná-la mais enxuta e focada no que faz melhor, a produção em águas profundas e da camada pré-sal. A Petrobras já está vendendo ativos de transporte, distribuição e refino, quebrando as últimas barreiras restantes de um histórico monopólio que, apesar de formalmente derrubado nos anos 1990, persiste até hoje. Há poucos meses, a estatal iniciou o processo de venda de 8 das suas 13 refinarias.
Um acordo recente da Petrobras com o CADE tem facilitado a quebra dos monopólios. Após anos de letargia durante os governos petistas, o órgão de defesa da concorrência decidiu agir, promovendo o aumento de competição em todas as etapas da produção de óleo e gás. A expectativa do governo e do setor privado é de que grande parte do plano esteja concluído na primeira metade do mandato de Jair Bolsonaro. A venda da BR Distribuidora fez parte desse processo. A esperada venda da refinaria de Abreu e Lima é a continuação dele.
#Reformar para privatizarOs preços de mercado estão chegando
A novidade mais relevante do novo setor de óleo e gás são os preços de mercado. Se tudo ocorrer como previsto, a Petrobras será incapaz de intervir no preço dos combustíveis, como vinha ocorrendo.
O monopólio da Petrobras na fase de refino, de que detém 98% da capacidade, permite que o governo, o sócio controlador, interfira no preço da gasolina. O recente histórico de intervenções tornou essa manobra artificial em uma profecia autorrealizável. Isso afastou investidores, obviamente temerosos de se aventurar em um setor em que a empresa dominante pratica preços definidos por critérios políticos.
Quando parte relevante da capacidade de refino estiver sob as leis de mercado, essa barreira de entrada será derrubada. É justamente isso que está em curso agora. Caso a Petrobras venda todas as refinarias que já foram oferecidas ao mercado, a empresa manterá 50% da capacidade produtiva nacional, com a outra metade sob controle privado.
Transformar a Petrobras de monopolista estatal incontrastável em mais uma empresa que concorre no mercado brasileiro de óleo e gás é um passo gigantesco no rumo da normalidade — com enorme benefícios na transparência e na eficiência de todo o setor energético.
#O Novo Mercado de Gás
Sempre que é perguntado sobre como acelerar a retomada da economia no curto prazo, Paulo Guedes fala sobre o novo mercado de gás – ou “choque da energia barata”, como prefere o governo.
Com uma série de medidas que vão na mesma linha das mudanças na área de petróleo, Petrobras e CADE estão quebrando monopólios em todas as etapas de produção. A meta é reduzir o custo do gás em até 50% nos próximos dois anos.
Essa mudança, porém, não será um piquenique. A fase de distribuição do gás natural é dominada por estatais e concessionárias donas de longos contratos. O sucesso do novo mercado de gás vai depender de mudanças em legislações estaduais e no estabelecimento de normas que dêem segurança jurídica para o investimento privado em novos dutos. Já há sinais muito positivos vindos dos Estados que pretendem estar prontos juridicamente para os novos tempos do gás barato.
A Petrobras atualmente é responsável por 77% da produção de gás, concentra 99% da capacidade de processo e controla 100% dos terminais de regaseificação. Transportadores ligadas à estatal já responderam por quase 100% dos carregamentos. A Petrobras tem participação em 20 das 27 companhias distribuidoras locais. Além de monopolizar a oferta, a Petrobras é também uma consumidora voraz como dona de 45% das usinas termelétricas movidas a gás.
O novo mercado de gás já começa a desmontar esse castelo . As principais transportadoras foram vendidas. A TAG, maior delas, foi arrematada por R$ 33,5 bilhões por um grupo franco-belga.
Para analistas ouvidos pelo Virtù, a venda sem resistências corporativas da BR Distribuidora foi sinal de que a opinião pública entende as exigências que surgem com a inserção da economia brasileira nas cadeias mundiais de valor.
A velocidade dos próximos passos para desestatização da Petrobras dependem que esse convencimento prevaleça. Esse é um caminho que precisa ser seguido, pois, como se viu, os benefícios podem ser colhidos em cada etapa e não apenas no destino final.
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