Grupos destacam a relação da Marfrig com desmatamento, esquemas de corrupção e violações de direitos indígenas no Brasil.
Mais de 190 ONGs ambientalistas, de direitos humanos e desenvolvimento sustentável se pronunciaram no dia 28 de outubro último pedindo que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) não aprove o projeto de investimento em operações da Marfrig, a segunda maior produtora de carne do mundo.
Em uma carta pública enviada ao quadro de diretores do BID, os grupos se opõem ao empréstimo de 43 milhões de dólares (o equivalente a 237 milhões de reais), que deverá ser usado para levantar um financiamento ainda maior de 157 milhões de dólares (865 milhões de reais). O investimento apoiaria a implementação do “Plano Verde+”, que supostamente ajudaria a Marfrig a produzir carne livre de desmatamento até 2025 na Amazônia e 2030 no Cerrado.
No entanto, as organizações que assinam a carta temem que o investimento do BID poderá abrir brechas, tornando áreas gigantes desses ecossistemas vulneráveis ao desmatamento legal e ilegal nos próximos anos – o que são violações às políticas do banco. Eles também alegam que, além de haver falhas no plano de investimento, com objetivos calculados para um prazo muito longo, a atual incapacidade da Marfrig para cumprir promessas e rastrear sua cadeia de suprimentos dá pouca credibilidade ao projeto.
“A pecuária industrial é uma das principais causas de desmatamento, perda de biodiversidade, poluição da água e do ar, e de emissões de gases de efeito estufa, incluindo o metano, contribuindo muito para as mudanças climáticas. Além disso, a atividade está diretamente relacionada a crueldade animal e a desrespeito de alguns dos mais básicos direitos humanos”, afirma Merel van der Mark, responsável pelas iniciativas com instituições financeiras na Sinergia Animal, organização internacional que trabalha no Brasil para reduzir a produção e consumo de produtos de origem animal, e uma das signatárias da carta. “Estamos pedindo para que os investidores do BID se posicionem a favor do clima, dos direitos indígenas e da Amazônia e não aprovem esse empréstimo para a Marfrig.”
De acordo com o BID, mais de 800 mil quilômetros quadrados da floresta amazônica já
foram desmatados para lavouras e pecuária. A criação de pastos para gado é responsável por 70% do desmatamento em países da América Latina e Caribe. Esse financiamento viria em um contexto de acelerado desmatamento e violações de direitos indígenas com o desmonte da proteção ambiental e social do governo Bolsonaro.
A carta foi enviada para o BID na véspera do segundo encontro do Finance in Common Summit. Neste ano, centenas de bancos públicos de desenvolvimento se reunirão para reforçar os compromissos com a mitigação das mudanças climáticas e os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, “transformando a agricultura e o agronegócio tendo em vista a segurança alimentar, adaptação às mudanças climáticas e preservação da biodiversidade.” Os signatários da carta afirmam que o empréstimo à Marfrig viola o compromisso do BID com os objetivos de desenvolvimento sustentável e acordos internacionais sobre o clima. O BID espera anunciar sua decisão final sobre o projeto em dezembro deste ano.
Em 2020, um relatório divulgado pela Global Witness descobriu que a Marfrig comprou gado de áreas de desmatamento ilegal na Amazônia de forma sistemática. A corporação também foi acusada de corrupção e violações aos direitos humanos.
“Considerando o aumento significativo no desmatamento da Amazônia como consequência da cadeia produtiva da pecuária, é inacreditável que organizações que se dizem sustentáveis continuem a incentivar empresas como a Marfrig”, diz Maureen Santos, coordenadora do grupo consultivo nacional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase). “A oposição de organizações nacionais e internacionais a esse investimento é muito importante para chamar atenção para essa iniciativa, que não passa de greenwashing”, explica, referindo-se à tentativa de algumas organizações de falsamente promover como sustentáveis iniciativas que não o são.
As ONGs estão usando o empréstimo como exemplo para que todos os bancos de desenvolvimento parem de financiar operações de pecuária industrial. “Não é novidade para ninguém a relação intrínseca entre o agronegócio, o desmatamento e a invasão de territórios indígenas”, afirma Daniel Faggiano, diretor executivo do Instituto Maíra, ONG brasileira que trabalha para contribuir na emancipação de povos e comunidades tradicionais por meio do fortalecimento do princípio da autodeterminação. “Superar a crise climática e garantir um desenvolvimento realmente sustentável e justo exigirá que bancos de desenvolvimento, como o BID e o Banco Mundial, mudem a forma e os destinatários de seus investimentos e desconsiderem financiar qualquer iniciativa de pecuária industrial, no Brasil e no mundo”, completa.
A oposição a esse empréstimo é parte de uma iniciativa maior, chamada Divest Factory Farm (em português, Desenvistam da Pecuária Industrial), um trabalho desenvolvido em parceria com comunidades locais afetadas pela atividade e ONGS que buscam redirecionar financiamento público para operações mais éticas. Os membros da campanha incluem: the Bank Information Center, Friends of the Earth U.S., Feedback Global, the Global Forest Coalition, Sinergia Animal, World Animal Protection, Brighter Green e International Accountability Project (Early Warning System).