José Maria Couto Moreira
Procurador do Estado
Violência na América
A expansão do fenômeno da violência na América do Norte
tem intrigado e assustado a opinião pública mundial. Constantes
fatos de violência brutal tem ocupado as manchetes
do mundo civilizado. Mais recentemente, delinquentes americanos,
moços, têm consternado a todos no noticiário ao
agirem como livre atiradores, lançando projéteis assassinos
a esmo contra inocentes, sempre por razões triviais, ou mesmo
incompreendidas, no mais das vezes suicidando-se após
atos tresloucados.
O registro da violência na América, democrática e rígida na
apreciação judicial de condutas infracionais, preocupa os
americanos e sociólogos, na medida em que a prevenção e
a repressão institucionais não tem obtido resultado.
O enunciado de Stokely Carmichael, um imigrante de Trinidad
residente nos EUA, ativista da paz, já antecipava a crise
de violência naquele país ao dizer nos anos 50 (hoje um refrão),
que “Na América, à. violência é tão americana quanto
a torta de maçãs.”
Parece estar aí a razão, ela é antiga, está enraizada e introduziu-
se na cultura americana como algo inadmissível mas
integrante da natureza dos homens. Seu marco histórico
pode fixar-se na Guerra da Independência, um longo conflito
que se arrastou de 1775 a 1783, mais tarde repetido com as
mesmas partes (USA e Inglaterra), cujo final consolidou a independência
norteamericana. Sem mencionar os antecedentes
de frequentes hostilidades entre colonos e colonizadores,
nestes embates sanguinários (e heroicos), a alma americana
abriu em si feridas incicatrizáveis.
A escalada da violência reacendeu seu furor com a Guerra
da Secessão, que perdurou de 1861 a 1865, causando um
milhão de mortes, cujo pavio, de origem ética, era a manutenção
da escravidão que ao Sul muito interessava em vista
de sua economia, com base diversa da do Norte. Este teatro
das hostilidades mostrava combatentes precários, com recursos
bélicos escassos, mal alimentados, vestuário pobre,
equipados com armamentos impotentes, homens descalços,
sujeitos às doenças sem assistência, e, presos os nortistas
afro-descendentes, frequentemente eram torturados ou fuzilados.
A par destes enfrentamentos, surgiram sociedades
secretas de cidadãos brancos insatisfeitos com a presença
do negro em postos do governo, como a dos Cavaleiros da
Camélia Branca e a Ku Klux Klan, que ceifaram milhares de
vidas pelo ódio à etnia e, ainda, contendem pela supremacia
do branco.
A par destas lutas, pontificava Lincoln na presidência dos Estados
Unidos, visando a consistência da União e a concorrente
abolição da escravatura. Apesar de uma administração
resoluta dos mais altos propósitos civis, o presidente foi assassinado
por um rebelde confederado, inconformado com a
tendência de se permitir o sufrágio ao negro.
Igual destino trágico tiveram os presidentes James Garfield,
seis anos após, William McKinley, em 1900, e John Kennedy
em 1963. A sina dos Kennedy se cumpriu ainda uma vez,
quanto o irmão Robert, certamente futuro presidente, cinco
anos depois, em campanha, foi fatalmente alvejado por um
delinquente de rua.
Em 1968, outro covarde atentado feriu de morte o ativista
político, de prestígio nos Estado Unidos, o pastor Martin Luther
King, praticado por um opositor pelos direitos dos trabalhadores.
Ronald Reagan, o quadragésimo presidente americano, sem
motivo determinado, em 1981 foi também vítima de sério
atentado, segundo o noticiário policial, por um desequilibrado.
Em todo o planeta, dir-se-á que focos de violência se instalam
e trazem prejuízos às sociedades locais. Sim, mas estas
insurreições ou rebeldias ou mesmo a ação de núcleos
terroristas assumem suas posições ideológicas, e possuem
bases sociais, econômicas e políticas, a propósito de reivindicações,
por vezes inaceitáveis. Na América, porém, os
atentados contra a vida irrompem sem justificativas que pudessem
aproximar-se, sequer, de uma iniciativa razoável ou
consentânea à natureza do animal que pensa, esse bicho
homem. Ela está ínsita no inconsciente, de sorte que é eventualmente
eruptiva e pode desencadear uma ação sempre
destruidora, a qualquer momento. É verdade, outrossim, que
autoridades (ou os legisladores) franqueiam ocorrências até
de carnificina porque ainda não impediram os cidadãos de
armarem-se, tal a concepção democrática americana. Mas,
se não estiverem esses autores armados, cometeriam seus
desatinos por outros meios. O grau de violência de que é portador
o americano (psicopata) torna-o infenso à pena de morte,
castigo hoje banalizado (até nos estados que a adotam).
As estatísticas, amontoando mortes, destruição e tortura de
toda ordem, são frequentes, por todo o país. Temos assistido
a assassinatos em massa em atividades colegiais ou em
corporações, sem que para eles se apresentasse uma razão
próxima de algo razoável, senão a simples e caprichosa
vontade inconsciente. Três presidentes americanos não preferiram
meios conciliatórios ou persuasivos para evitarem a
matança de milhões de americanos e milhões de orientais:
Trumann despejou a terrível bomba A sobre Hiroshima, numa
calma manhã de agosto, reduzindo a cidade a pó e dizimando
os 140.000 habitantes, entre crianças, idosos, mulheres,
todos civis (embora a rendição estivesse sendo finalizada), e,
numa segunda e absolutamente desnecessária e criminosa
empreitada, repetiu o bombardeio em Nagazaki, eliminando
80.000 pessoas, também civis; Lindon Johnson reacendeu
a participação americana na guerra do Vietnam, quando a
Nação perdeu centenas de milhares de seus filhos. Quanto
a Bush, muito ironizado pelo povo, fez estrugir uma guerra
despropositada no Iraque, absolutamente dispensável, paga
com a morte de milhares de jovens americanos como de
inocentes locais, pois, se o desejo do presidente era matar
Saddam, havia outras formas, menos cruentas e mais econômicas
de o fazer, aliás, como conseguiu seu sucessor, o
paciente Barack Obama, ainda carregando as dores do mundo
pelo atentado brutal contra o World Trade Center.
Esses episódios repercutiram dolorosamente por todos os
povos da terra, e o resgate destas feridas e destas dores
desafia a compreensão humana. Saibam os Estados Unidos
que estas tragédias nos chocaram a todos e pelos inocentes
sacrificados, juntamos nossas amarguras e nosso respeito.
O mundo faz votos de renascimento na América de um homem
como Lincoln, aquele gigante na responsabilidade de
dirigir a Nação e seu povo.
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