Questionando o Código de Boas Práticas Científicas da FAPESP

Em memória de Miguel Lucas Peña, OSA
Jayme Vita Roso

A versão do Código de Boas Práticas Científicas (CBPC) da Federação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), datada de 16/9/2011, com pretensão de alcançar todo o país, como acontece com regularidade, não repercutiu na imprensa e, isso ocorrendo, passou a ser desconhecido mesmo no ambiente próprio. Como esse corpo legal tem espaço amplo de excepcional importância para a sociedade, lanço-me, sem travas, como auditor jurídico, a interrogar os fundamentos basilares em que ele tem assento e em que pretende atuar, como os procedimentos investigativos funcionam, alegações de más condutas, bem assim como declará-las. Em suma, apontar as más condutas científicas, para, constatadas e documentadas, declarar a responsabilidade das instituições científicas, para serem perseguidos.

Observo que a ética é una. Não se flexibiliza. Não tergiversa.
Não se amolda ao fato, como o liquido ao objeto que o contém. Não transige com a má conduta. O mundo científico
contemporâneo, em vários quadrantes dos meios universitários, não tem escapado às práticas malfazejas de plágio, aliás, a mais comum em trabalhos científicos, teses, relatórios e comunicações congressuais.

O criticado Papa Bento XVI, por formadores de opinião despidos de probidade intelectual, no primeiro ano do seu pontificado, compareceu a dois importantes eventos: na Pontifícia Academia de Ciência de Roma (6/1/2006) e na Pontifícia Universidade Gregoriana (3/11/2006). E, neles, abordou temas que, a ver do escriba, tem vínculos diretos com o tema deste escrito. As ideias que Bento XVI alinhou nessas oportunidades, alguns debates, em voga, pondo em questão as ideias recebidas na ciência e acolhidas pela tecnologia e tantos outros escritores mais em pseudo livros científicos sobre a evolução e a atualidade de Darwin, o salientado e renovado tema (a propósito, Les Dossiers de La Recherche, nº 44, agosto de 2011, pág 16/58).

Exemplifico Bento XVI, na Pontifícia Universidade Gregoriana.
Com maestria, focou o homem na sua integridade, dizendo “o homem, na sua interioridade e na sua exterioridade não pode ser completamente entendido, a não ser que reconheça que está aberto à transcendência”. E, “pour cause”, a virtude da esperança propicia a certeza ao homem “a não retirar-se si mesmo, numa paralisia e num estéril niilismo, mas, abrindo-se a si mesmo, assumir um generoso compromisso com a sociedade de modo a melhorá-la”. Aprofundando, na Pontifícia Academia de Ciências, ao enfrentar o espinhoso tema “Ciência e Revelação”, doutrinou que “a ciência não substitui a filosofia e a revelação, dando resposta exaustiva às mais radicais questões que o homem enfrenta; sobre o viver e o morrer, como últimos valores bem como observar a
própria natureza do progresso” (tecnológico). Essa atitude é presente, “porque somente a humanidade, no sentido extricto, tem uma história, a história da sua liberdade”. O homem não se reduz a um oco e frágil determinismo, já que, com sua transcendência, conhecida e respeitada, trata-se do sinal de nossa dignidade humana. Ao ser humano, a dignidade própria é a sua identidade marcada.

Seriam necessários espaços jornalísticos desproporcionais para a exegese do CBPC, por isso, constatada a impossibilidade, damos relevo apenas:
“O CBPC estabelece diretrizes éticas para as atividades científicas dos pesquisadores beneficiários de auxílios e bolsas da FAPESP”, como às instituições e as organizações de qualquer natureza, públicas ou privadas, como instituições de pesquisa e com periódicos científicos que apoia.

Define atividade científica como “toda atividade que vise diretamente a concepção e realização de pesquisas científicas, à comunicação de seus resultados, a interação científica entre pesquisadores e à orientação ou supervisão de processos de formação de pesquisadores”.

Entende como “pesquisa científica toda investigação original que visa a contribuir para a constituição de mera ciência”, portanto, sendo ciência “todo corpo racionalmente sistematizado e justificado de conhecimentos, obtido por meio do emprego metódico de observação, experimentação e raciocínio”(aqui se alinham as ciências exatas, naturais humanas e humanidades).

As diretrizes da CBPC são restritas apenas à esfera da ética profissional do cientista, abarcando apenas a integridade ética da pesquisa científica enquanto tal, ligada à sua profissão, nada além, com o fim dele participa e da “construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo”. E, por força disso, essas questões de integridade ética, necessariamente, devem ser objeto de auto-regulamentação e autocontrole por parte da própria comunidade
científica.

Não abrange inúmeros outros aspectos eticamente importantes das atividades científicas, “concernentes a valores
éticos nas universais que estritamente científicos e, por isso, reguladas por instrumentos legais específicos, cuja
eficácia cumpre às instituições de pesquisa assegurar” e, também, “não trata de questões relativas à honestidade
na gestão de recursos financeiros nem daqueles que constituem a esfera de aplicação da Bioética”. Restringindo, ainda mais, o que é deplorável, após a constatação acima, deixou de formular standards jurídicos, com a escusa, alguns deles, pois “pode requerer interpretação, à luz das circunstâncias particulares em que as pesquisas se realizem e também a consideração conjunta de valores mais específicos, derivados da singularidade dos diferentes campos e modalidade da pesquisa científica”. É o CBPC minimalista por natureza, pela sua concepção, restrito a “um conjunto mínimo de preceitos gerais, a serem especificados e complementados pelas diferentes pessoas e instituições envolvidas com a pesquisa, segundo suas condições e necessidades próprias”. Vivendo em outro planeta, os redatores do CBPC, quase que deliram ao afirmar que “a aplicação deste código pressupõe que pesquisadores e instituições se mantenham em estado de atenção às questões de integridade ética da pesquisa”.

Os redatores do CBPC dizem que se valeram de experiências, no gênero, americanas, inglesas e australianas, para
completar seu trabalho e aprová-lo. Embora o assunto mereça ampla discussão, para revisar grandes equívocos redacionais, conceituais, filosóficos, administrativos e técnicos, a ousadia tem o mérito da sociedade, dos políticos, do ministério público e dos Tribunais de Conta, sem demora, debruçaram-se sobre o texto integral, na busca de seu aperfeiçoamento que é necessário quão urgente, porque estamos tratando de recursos públicos que necessitam controle na sua aplicação, com eficácia e com presteza. A experiência com autonomia na aplicação de recursos não tem sido feliz, quando não houver controle.

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