Um dos principais fatores de valorização de uma moradia, loja ou sala é a vaga de garagem. Logo, é de extrema importância que, ao comprar um imóvel, seja analisada a documentação e conferida sua localização e dimensões na planta, na convenção e na matrícula da unidade condominial, pois vários são os litígios que envolvem discussões sobre garagem nos edifícios. A insegurança jurídica sobre seu direito de uso tem motivado centenas de processos judiciais que acarretam desgastes e a desvalorização do bem, sendo que grande parte destes poderiam ser evitados se o comprador ou o condomínio agisse com maior cautela.
Até o início dos anos 2000, a maioria dos Municípios não possuía lei regulamentando o tamanho mínimo que a vaga para cada unidade deveria possuir, seja autônoma, ou seja atrelada à fração ideal do apartamento ou loja localizada num condomínio. Essa ausência de norma possibilitou que milhares de edifícios fossem construídos com o espaço destinado a garagem sem a devida divisão das vagas, o que fazia com que fosse uma prática rotineira das construtoras vender, por exemplo, 20 apartamentos constando na convenção que cada um teria direito a uma vaga, no entanto, o espaço do piso de garagem comportava apenas 18 vagas.
Nesse caso, caberia aos dois proprietários prejudicados acionarem judicialmente a construtora para indenizar a falta de vagas, pois pagaram pelo que não lhes foi entregue. Entretanto, caso não fosse possível identificar qual apartamento foi prejudicado, caberia então o condomínio entrar com o processo com o objetivo de resolver o problema, por existir na prática 0,9 da vaga por apartamento. Nesse caso, caberia a coletividade se unir e exigir uma solução para a ausência destas duas vagas, pois tal falha atinge os 20 condôminos.
Inúmeros condomínios foram relapsos, pois preferiram economizar com a não contratação de um advogado e, com o passar de dez anos, ocorreu a prescrição. Em razão disso, perderam o direito de exigir a devida indenização do construtor que lucrou com a venda de vagas que não existem.
Antigamente, era comum muitas pessoas não terem automóvel, o que resultaria no prédio dado como exemplo não ocupar nem as 18 vagas disponíveis, fato esse que estimou a inércia. Entretanto, este cenário não reflete mais a realidade atual, já que hoje as famílias costumam possuir dois ou mais carros, necessitando de uma quantidade ainda maior de vagas.
Dessa maneira, com a enorme facilidade para a aquisição de automóveis, o que se constata são conflitos duradouros, que às vezes resultam em agressões físicas e na mudança dos moradores que desejam sossego e se deparam com a ausência de espaço nas garagens ou discussões sobre o local da vaga.
Definições legais do tamanho das vagas só após 1996
Com o Estatuto das Cidades, lei federal nº 10.257/2001, foi determinado que os municípios criassem os Planos Diretores que regulariam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo. Belo Horizonte foi pioneira ao implantar em 1996 seu Plano Diretor (Lei 7.165/96), bem como as Normas e Condições para Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo Urbano (Lei 7.166/96), sendo que esta última definiu no artigo 225, como área mínima de 2,30 m x 4,50 por vaga na garagem dos edifícios.
Essa regra está atualmente expressa nos Anexos III e VI, da Lei nº 9.725 de 2009, também de Belo Horizonte, sendo que cabe a cada município, a definição de suas regras. Após 1996, centenas de municípios seguiram o seu exemplo, sendo que alguns, como São Paulo, estipularam que os prédios poderiam projetar três tipos de vagas para automóvel pequeno, médio e grande.
Sabotagem e manipulação durante o sorteio das vagas
Há relatos de que na primeira assembleia, os condôminos presentes eram agraciados com as melhores vagas e os ausentes ficavam com as piores ou até sem vaga de garagem. Nessas reuniões, aqueles que estavam presentes e que receberam vagas ruins no sorteio, argumentaram com os demais para substituir a vaga recebida por outra melhor, que foi destinada a quem sequer estava na reunião. Por não ter ninguém para defender o interesse de quem não compareceu, as pedras do sorteio eram trocadas!
Há também aquele que, ao se ver com uma vaga menos favorecida, simplesmente passa a ocupar outra vaga que melhor lhe atende, contando com o desinteresse do condômino ausente em exigir seu direito, o qual acaba tendo seu apartamento desvalorizado. Isso acontece especialmente com os apartamentos de prédios novos, que demoram ser vendidos e, quando o novo proprietário aparece para tomar posse, é induzido a ocupar uma vaga pior do que a que teria direito, conforme consta na convenção e no registro do seu apartamento.
A esperteza de se trocar as vagas entre as locações
Podemos citar ainda casos onde o condômino insatisfeito com o local de sua vaga, fica atento à rotatividade dos apartamentos vizinhos, os quais possuem uma vaga melhor. Assim que ficam desocupados, antes de um novo morador se mudar para o apartamento, este condômino malicioso troca as placas de identificação das vagas e passa a estacionar seu veículo na vaga do outro apartamento, como se tivesse negociado a mudança com o proprietário. E, ainda, diante do fato de o apartamento ser um investimento do proprietário para fins de locação, dificilmente este saberá que houve a mudança, pois quando um corretor levar o pretendente à locação ao local, apresentará a vaga com o número do apartamento, como se fosse a disponível.
O inquilino raramente reclamará da troca, pois sequer imagina que poderia ter uma vaga em melhor localização para estacionar o seu veículo. A troca somente será descoberta se o corretor já tiver alugado o mesmo imóvel anteriormente e perceber que houve a mudança, a ponto de informar o proprietário do imóvel sobre o caso. Do contrário, com o passar do tempo, o direito do novo ocupante da vaga se consolidará, tornando imutável o cenário durante a locação, bem como no caso de uma nova compra e venda da unidade.
Empréstimos de vaga de garagem
Não são raros os casos em que há troca de vaga de garagem ou em que o condômino que não possui veículo, ao ver o vizinho sem espaço suficiente para estacionar os seus carros, empresta sua vaga de boa-fé para ajudá-lo, ocasião em que acaba perdendo-a para o ocupante mal-intencionado.
Pior ainda quando é o inquilino quem decide por emprestar a vaga, sendo que o proprietário/locador do imóvel não tem conhecimento de tal atitude. Com isso, ao encerrar o contrato de aluguel, o proprietário retoma a posse direta do apartamento e encontra a sua vaga sendo ocupada por outro condômino.
A depender do tempo do uso da vaga de garagem pelo condômino que foi beneficiado pelo empréstimo sem a necessária formalização por meio de contrato de comodato, pode ocorrer pedido de usucapião, acarretando em gastos expressivos de honorários advocatícios. O resultado, por ser bondoso e descuidado, pode ser a perda da vaga para quem foi beneficiado, acarretando assim na desvalorização do apartamento, pois sem vaga ou com um conflito sobre a localização da garagem, a maioria dos pretendentes à compra ou locação evitam assumir tal problema.
Como evitar prejuízo em relação a vaga de garagem
Ao comprar um imóvel, é necessário analisar todos os documentos, como: planta do imóvel, ata de assembleia, convenção e matrícula, a fim de tomar ciência da área demarcada como correspondente à vaga do apartamento pretendido.
Ao síndico, é recomendado que demarque de forma clara na garagem, por meio de pintura, o espaço de cada vaga, a qual deve conter a numeração de cada apartamento, conforme a planta, impedindo que um morador de má índole cause danos a outro condômino.
Ao proprietário que deseja emprestar a sua vaga desocupada e ajudar um vizinho, é importante que formalize um contrato juridicamente adequado para tal, evitando prejuízos ao seu patrimônio ou até mesmo a perda de seu direito de utilizar aquele espaço.
Kênio de Souza Pereira – Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário -ABAMI – Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG – Diretor da Caixa Imobiliário Netimóveis
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