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De cidades e de Monstros

É comum às cidades possuírem e manterem determinados sítios ou edificações que envergonham seus moradores

Há muito tempo, ou – para melhor compreensão – há várias administrações municipais passadas, os belorizontinos mais
sensíveis tem sugerido e, por último, rogado aos nossos alcaides que destruam aquela nefanda construção levantada
entre os edifícios Sulacap e Sulamérica, na nossa ainda glamurosa Avenida Afonso Pena.

Aquele monstrengo, que já serviu a várias ocupações privadas, teve sua construção autorizada para atender a
interesses também puramente privados. Não teve também, o prefeito da época, a mínima sensibilidade para evitar a
edificação, que prestou-se tão-somente a obstaculizar a vista panorâmica e nostálgica do viaduto da Floresta, tão cantado em prosa e verso pelo imortal Fernando Sabino, e do bairro do mesmo nome, que inicia seu perímetro pela frondosa Avenida Assis Chateaubriand. Outro parceiro daquela preciosa vista era o amado e festejado boêmio Rômulo Paes, para quem descer Bahia e subir Floresta foi sua grande inspiração.

Aquela vista, se recuperada, iria revelar a velha paisagem totalmente redecorada, agora enobrecida e revigorada pelas
novas cores do progresso ali introduzidas em mais de trinta anos.

Hoje, o povo de Belo Horizonte, acrescido das qualidades preservacionistas como vetor indispensável da memória
histórica e paisagística, volta ao tema, com uma suposta vantagem também de saber assentado à importante cadeira
de administrador de nossa bela cidade um homem que já mostrou apego aos valores arquitetônicos e urbanísticos
de nossa capital quando mandou retirar propagandas que ofuscavam as fachadas o os contornos originais de nossas
construções, conformando o que se chama em nosso jargão de poluição visual. Constituiu este gesto uma prova de fina sensibilidade e de inescondível amor à cidade.

Dir-se-á que a despesa com a desapropriação é vultosa, que existem prioridades administrativas a serem atendidas.
É verdade, porém, há que se excluir do valor indenizatório o próprio terreno, que foi usurpado não do patrimônio
municipal, mas do patrimônio do povo, que nunca admitiu aquela afronta à vista encantadora e absolutamente irretirável que aquele espaço proporcionava aos transeuntes e a nossos visitantes, que desfrutavam daquela mirada com o espírito em festa pela revelação mágica de tempos idos. Quantos mineiros não percorriam aquelas calçadas só para obter um “instantâneo” com os fotógrafos que se postavam nas vizinhanças, colhendo “chapas” de transeuntes tranqüilos ou até mais apressados, que caminhavam a passos largos para o seu próximo destino. Uma fotografia na Afonso Pena, nas calçadas de pedra portuguesa, era passaporte para a elegância. As casas de mais tradição em Belo Horizonte ostentam, em seus salões, retratos sem retoques ali obtidos, que fixaram para seus residentes aquele momento de descontração e de saudade.

O ato autorizador daquela edificação foi inteiramente hostil à história da cidade e à vontade do nosso povo, não lastreado, portanto, do indispensável interesse público, exigível para legitimá-lo. A desapropriação daquela monstruosidade, que nada de arquitetura ou de beleza incorporou ao local é um resgate, este sim, de nossa história urbana, capaz de apaziguar nossa revolta.

Há que se acreditar na convicção dos eventuais administradores das cidades, que sobrevivem a princípios sobre os quais não se toleram transigências. Quando Napoleão III reurbanizou Paris, sob os rigores e os cuidados de Haussman, a Avenida da Ópera foi projetada sem o plantio de árvores, para que estas não empanassem a vista
esplêndida do Palácio da Ópera, salão mais representativo do espírito francês, preciosidade arquitetônica onde mora o coração da honra artística da França.

A monstruosidade de que ora se cuida, concretizou-se na contra mão de toda elaboração urbanística, e, infelizmente,
ainda contribui para tachar nossa cidade de província, pois o ato de autorização para sua construção foi um momento de incontestável obscurantismo do administrador.

De par a esta medida, que urge a satisfazer e alegrar a geração que encontrou e elegeu aquele local para suas exibições vespertinas, deve a municipalidade imprimir ações que visem a revitalizar todo o quarteirão, que se encontra degradado com lojas malcuidadas, envelhecidas, de péssimo aspecto, que favorecem a permanência de desocupados e moradores de rua com práticas desrespeitosas.

Prefeito Márcio Lacerda, atenda a este apelo da cidade que o escolheu para seu guardião !

Ou que a Câmara aprove, autorizando ato expropriatório. A cidade é um espaço territorial que deve primar em integrar
a urbanização e as atividades essenciais nos limites da estética, conjugando beleza, serventia e funcionalidade sem
que quaisquer edificações confrontem com os princípios que as regem, isto é, a cidade é mais que uma aglomeração, é a nossa casa.
Urge que Belo Horizonte recobre sua feição original, outrora vista e cantada em prosa e verso.

 

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