Economia doméstica não está livre de surpresas nos curto e médio prazos

O Banco Central está de olho em 2020. Com a inflação de 2019 sob controle e proximidade do final do ano calendário, a autoridade monetária pouco tem a fazer para mudar a conjuntura macroeconômica neste ano.

Na última reunião do Copom, a taxa básica de juros foi cortada em 0,5 p.p. O Comitê cita três acontecimentos para justificar sua decisão: 1) as medidas de inflação subjacente – que captam a tendência dos preços – estão em níveis confortáveis; 2) a política monetária expansionista das principais economias permite ao Brasil fazer o mesmo movimento; 3) as reformas econômicas em curso contribuem para a queda da taxa de juros estrutural.

A medida de política monetária leva de seis a nove meses para ter impacto na inflação. Isso significa que seus efeitos de movimentos correntes do Banco Central serão sentidos apenas na inflação de 2020. O corte na taxa Selic foi apropriado para o momento, mas o ambiente econômico não está livre de surpresas nos curto e médio prazos que demandem atuação mais incisiva do Banco Central. Estas surpresas podem exigir da política monetária atuação em ambas as direções.

Os riscos para um revés incluem a obstrução das reformas macroeconômicas domésticas em andamento e não finalizadas, além da possível reviravolta na política monetária dos países centrais. O discurso de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, após o corte da taxa de juros nos Estados Unidos, foi carregado de mensagens dúbias e mexeu com o mercado, que esperava uma sinalização indicativa da continuidade do afrouxamento monetário. Além disto, houve dissenso entre os membros do Fed, fato pouco usual na história da instituição.

Os eventos que justificam a continuidade da sequência de cortes da taxa de juros no Brasil estão relacionados à atividade doméstica e à inflação nos países centrais. A economia brasileira anda lateralmente, sem sinais de reversão, situação que demanda uma política “estimulativa” por parte do Banco Central. A inflação está controlada, e os choques de oferta e demanda, que deslocaram os preços para cima momentaneamente, não foram capazes de mudar a tendência da evolução dos preços domésticos. A desaceleração inflacionária também ocorre nos países centrais. Os índices de preços ao produtor demostram este movimento característico de momentos de desaquecimento econômico, conforme figura abaixo.

Por ora, o movimento baixista é preponderante, mas há sinais no sentido oposto que podem ganhar força rapidamente e desencadear a mudança abrupta da política monetária. A MAPFRE Investimentos está atenta a estes movimentos.

Carta do Gestor: Flexibilização monetária com recrudescimento da guerra comercial acendem sinal de alerta

Como mencionado anteriormente, o Federal Reserve deu início a um novo ciclo de flexibilização monetária. Diferentemente do Banco Central europeu, que se absteve de cortar a taxa básica de juros e se limitou a frisar que a mesma “deve permanecer até o segundo semestre de 2020 estável ou menor”, a instituição norte-americana confirmou as expectativas majoritárias do mercado e cortou a Fed Funds Rate em 0,25%. Embora bem recebido inicialmente, o corte se deu em circunstâncias bastante diversas das ocasiões anteriores, com a volatilidade dos mercados acentuada ainda por confusão e dúvidas geradas pelo comunicado.

Os dois membros do Fed (de um total de dez) discordaram quanto à adequação do corte, pois ainda é saudável nível de atividade da economia dos Estados Unidos, sobretudo seu mercado imobiliário e de trabalho. Além disso, o chairman do Fed minimizou o alcance do movimento à expressão “ajuste de meio de ciclo”. Feito este “seguro” contra a desaceleração econômica, Powell acrescentou em sua fala que a diminuição do balanço do Fed e o término do quantitative easing (programa de compra de títulos destinado ao fomento da liquidez) seriam antecipados em, pelo menos, dois meses. Dado o tom hawkish do comunicado, o dólar respondeu com forte alta frente aos principais pares internacionais.

O dia seguinte, contudo, seria ainda mais conturbado com o anúncio, pelo presidente norte-americano Donald Trump, da imposição de nova sobretaxa de 10% sobre importações chinesas no montante de US$ 300 bilhões. O anúncio foi imediatamente seguido de réplica, com o gigante asiático suspendendo temporariamente as importações de produtos agrícolas americanos e atuando, por meio do Banco do Povo da China (equivalente do Banco Central) para permitir uma leve desvalorização do yuan, que superou após muitos anos a paridade de 7 yuans por dólar. Trump classificou a China como um manipulador cambial.

O recrudescimento da guerra comercial entre EUA e China aumentou sensivelmente a aversão a risco nos mercados e impulsionou ativos considerados portos seguros, levantando um grande sinal de alerta na medida em que maiores restrições ao comércio global, acompanhadas pelo risco de desvalorizações cambiais competitivas, diminui o potencial de crescimento da economia mundial e aumenta o risco de recessão nas economias centrais.

Já no Brasil, os indicadores de atividade econômica, a exemplo dos números de criação de postos de trabalho, seguiram apresentando ligeira melhora. O Banco Central também se antecipou à aprovação da reforma da Previdência em segundo turno na Câmara e surpreendeu o mercado cortando a taxa básica de juros em 0,5%, em um ciclo que, espera-se, encerre com a taxa Selic em 5% a.a., seu mínimo histórico.

Em resumo, vemos hoje um significativo contraste entre os cenários doméstico, com avanço das reformas estruturantes e um início de ciclo econômico, e o cenário externo, com aumento dos riscos percebidos, embora nem todos estejam precificados, ainda.

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