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A Vale virou a Geni

A Vale tem 77 anos de vida, nasceu em Itabira – MG e tornou-se uma das maiores empresas mineradoras do mundo. Até sexta feira dia 25 de janeiro de 2018, às 13h era uma companhia respeitada, reconhecida e exemplo de boas práticas. Quem nunca sonhou em trabalhar na Vale? Ser funcionário da empresa é motivo de orgulho para 85 mil colaboradores. Pertencer a este grupo é sonho de milhões de brasileiros. Mas de repente tudo mudou, e a Vale virou a “Geni” que está sendo apedrejada. Do céu ao inferno em minutos com um rastro de destruição jamais visto na história recente do Brasil. Mas a Vale não pode morrer…

As pedradas são arremessadas de várias direções como se a empresa fosse a única culpada pela tragédia do Córrego do Feijão, que foi extirpado do mapa pela lama que levou junto a paz da pacata Brumadinho, e de centenas de vidas inocentes, expondo Minas e o Brasil a mais uma catástrofe de dimensão internacional. A primeira vista a opinião pública tem razão, a empresa é culpada pela barragem que cedeu, mas não pode ser a única a se responsabilizar peça tragédia. Tem muita gente condenando a Vale antecipadamente deixando de fazer o mea-culpa. 

Vamos falar dos papeis constitucionais, começando pelo Ministério Público, (federal e estadual) que tem poderes para fiscalizar, cobrar e exigir que a lei fosse cumprida. Se houve cobrança e ela não teve o efeito desejado, falhou a justiça. Os políticos eu vou pular, pois o marco regulatório da mineração é uma piada, foi aprovado de acordo com interesses pouco republicanos para atender as mineradoras, lembrando que a Vale é a maior, mas não é a única. 

O poder executivo, nos âmbitos federal, estadual e municipal, falhou ao não fiscalizar a barragem que rompeu. Todos eles apresentam a mesma desculpa, a de que falta contingente humano. Falta na fiscalização de barragens e sobra em repartições públicas que abrigam funcionários fantasmas. A título de exemplo, só na Cemig, filiados ao partido do ex-governador tinham mais de 200 “companheiros” ganhando salários de R$30 mil. Não é por falta de recursos humanos, portanto que a fiscalização não é feita, mas por mau uso da máquina pública para atender a interesses partidários, isso é fato. 

Infelizmente todas as vezes que o Brasil se vê diante de uma catástrofe, age como um adolescente passional: primeiro vem à comoção, seguida da mobilização e da solidariedade, para em seguida terminar na acomodação. Não se tira proveito das experiências negativas, elas não servem de aprendizado. A prova disso foi à tragédia de Mariana há três anos e outras seis barragens que romperam em Minas Gerais nos últimos nove anos.

A ausência do poder público na prevenção é um mal crônico e recorrente. Medidas preventivas chegam sempre tarde e acabam caindo na vala comum do esquecimento e da ineficiência estatal. Até que outra tragédia aconteça, para reiniciar o círculo vicioso da impunidade e do jeitinho brasileiro. Lembro-me que durante a catástrofe de Mariana o Senador Renan Calheiros ocupou a tribuna do Senado e aos gritos, indignado, como ele sempre faz, proclamou que tomaria providências para que tragédias como aquela nunca mais voltassem a ocorrer… 

Cadê o Senador? De certo está cuidando das alianças para a sua reeleição, e nisso ele é mestre. É a tradução do oportunismo viciado, pernicioso que prejudica a imagem e a credibilidade do legislativo e da política nacional. Gleise Hoffman, deputada federal e presidente do PT – Partido dos Trabalhadores, pousou em Brumadinho escoltadas por companheiros da bancada mineira na segunda feira 29 de janeiro, como vestal, acusando gregos e troianos, e dizendo que a culpa é da privatização da Vale ocorrida do governo FHC. 

Esqueceu-se da amizade de Roger Agnelli – falecido presidente da então Cia Vale do Rio Doce – com o ex-presidente Lula. Esqueceu-se também da gestão do seu companheiro Fernando Pimentel à frente do governo de Minas e que esteve no poder por 16 anos.  

Registra-se com a mesma tristeza a atuação de procuradores que acusaram, apareceram nos momentos de comoção como vestais da justiça e em seguida deixaram o assunto à sorte da burocracia e da memória curta do povo. Com efeito, a Vale é sim culpada, precisa receber punição exemplar, mas não é a única que falhou para permitir mais um mar de lama no solo mineiro. 

Uma atividade como a da mineração não existe sem o envolvimento de dezenas de autoridades, em todos os níveis. Falhou quem acusa, falhou quem deveria agir antes e não o fez. Jogar pedra na “Geni”, "chutar cachorro morto" virou coisa corriqueira para representantes inflados nos três níveis da administração pública, especialmente os que se dizem guardiões da constituição e das leis, eles são os primeiros a jogar pedra e falar o que o povo gosta de ouvir. 

O Brasil precisa sair da adolescência, aprender com os erros, tirar lições e dar exemplos de maturidade. Não adianta punir culpados se os erros continuam ocorrendo. Brasileiro tem o péssimo hábito de condenar antecipadamente, criticar e não apresentar soluções. De repente aparecem os especialistas de plantão, ocupam a mídia aproveitam-se dos holofotes e os erros continuam do mesmo jeito. No caso de barragens ficou comprovado que o modelo de “alteamento a montante” não atende requisitos de segurança, lembrando que a legislação até aqui permitia. Mas não se livra deste fardo com varas de condão, leva tempo e gasta-se bilhões.

Portanto é urgente a remoção das pessoas que vivem ou podem vir a ser afetadas no caso de rompimento de barragens. A Vale tem planos e tecnologia para isso, não aplicou a tempo de salvar vidas em Brumadinho e Mariana. Só em Minas são mais de 450 barragens no sistema de “alteamento a montante”. Tirar as populações das áreas que podem ser afetadas em um eventual rompimento é prioridade zero para a empresa e para o governo. Em seguida as autoridades precisam ter controle sobre o que está acontecendo nas barragens identificadas como de risco, independente de planos ou de autorizações. 

O Ministério Público que apresenta se como guardião das leis, tem instrumentos e autoridade para pedir a interdição de barragens. Cabe à justiça agir com celeridade priorizando a segurança de inocentes, a proteção ao meio ambiente e a economia de cidades que dependem da mineração. Já está comprovado que as barragens não avisam quando irão romper. A Secretaria de Meio Ambiente, e todas as agencias federias reguladoras envolvidas com o tema, incluindo governos municipais podem somar esforços no controle de riscos em tempo real. Porém, não adianta fiscalizar hoje e voltar daqui a dois anos depois que as tragédias acontecem. 

Não se deve esquecer que a Vale emprega 85 mil trabalhadores diretos, e se multiplicados por quatro, incluindo os prestadores de serviços, a empresa tem interferência na vida econômica e na sobrevivência de mais de um milhão de pessoas. Todo esse contingente de trabalhadores passa por treinamento, são submetidos a código de ética e compliances rígidos. A empresa emprega, recolhe tributos, mantém suas obrigações e contribui para que centenas de cidades sobrevivam da atividade mineraria. Minas Gerais depende desta atividade há 77 anos. Isso tudo não é possível sem leis e regras claras, portanto houve negligencia do poder público. 

É preciso encontrar maneiras de não interromper a atividade economia diminuindo os riscos decorrentes dela. Nada justifica a dor que milhares de pessoas estão sofrendo com tantas perdas humanas e materiais, em especial os parentes de vítimas, mas a culpa não pode ser atribuída só a Vale. Ouvi procurador de justiça dando entrevista no dia da tragédia na pista de cooper, sem ao menos saber o que havia acontecido. Destilar ódio contra a empresa parece o caminho encontrado para quem não fez o dever de casa. Acusar é fácil, assumir compromisso e agir com diligência é dever de servidores públicos concursados e bem remunerados. Fácil também é trocar a razão em momentos de comoção, por reações passionais, pouco produtivas que revelam imaturidade e egocentrismo. 

Assisti a imprensa pressionar o presidente da Vale mesmo depois de ele admitir, com humildade, que não sabia o que estava acontecendo e que estava focado no resgate das vitimas, assumindo publicamente as responsabilidades e lembrando que mais de 400 funcionários da empresa estavam entre as vítimas. Naquela hora consegui me colocar na pele dele e desejei que ele tivesse força para responder a imprensa sem perder a serenidade. Precisou da ajuda de assessores e não está fugindo às responsabilidade civis que o cargo exige. 

Lembro que o presidente da Vale tinha acabado de chegar de uma viagem internacional, e ainda estava sob o efeito do fuso horário.  Não houve qualquer piedade. A intenção aqui não é defender a Vale e tampouco acusar a imprensa, mas faltou e continua faltando inteligência emocional na condução do assunto, em especial se considerarmos o momento delicado que passa o estado de Minas Gerais e sua história com a empresa que está do epicentro da tragédia.

Por fim a Vale é uma empresa certificada por auditorias respeitadas internacionais, possui um quadro qualificado, comprometido e que até aqui se comportou com ética. A Companhia, não agiu de má fé, tinha laudos técnicos que atestava não haver riscos de rompimento. O acidente que alguns insistem em dizer que é um assassinato culposo, precisa sair do campo das especulações e da emoção para o da razão, da engenharia, evitando assim a crucificação de pessoas e da empresa apenas para apaziguar ânimos exaltados da opinião publica. 

A Geni não deve ser apedrejada passionalmente, até por que, quem não tem pecados ainda que indiretamente nesta tragédia são as vítimas e seus familiares. A Vale e todos os responsáveis, incluindo as autoridades judiciárias, legislativas e executivas, precisam pagar por omissão, negligencia, desídia e comportamento fora da lei. Mas não será com o aniquilamento da Companhia que os recursos para reparação de danos serão garantidos. A Vale não precisa ser nocauteada, ao contrário precisa ser preservada para cumprir suas obrigações com quem foi afetado por este triste acontecimento.

*Jornalista 

 

 

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José Aparecido Ribeiro

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