Por: João Camilo Penna (Ex-ministro da Indústria e Comércio)
A saga de sua construção
A Hidrelétrica de São Simão, no rio Paranaíba, é a maior usina da Cemig, com 1.710MW instalados para 72% de fator de capacidade, a de menor custo unitário e de maior rentabilidade da empresa.
No entanto, para implantar essa usina tivemos que vencer grandes desafios que nesse artigo relato, trazendo fragmentos de sua história, decisões e ações correlatas em que estive envolvido na diretoria da Cemig, junto com Licínio Marcelo Seabra e Guy Maria Villela Paschoal, de 1967 a 1975.
Estão na Memória da Cemig documentos sobre São Simão, inclusive mostrando atrasos de decisões urgentes, dificultadas por autoridade federal, e matéria jornalística sobre meu depoimento na Assembleia Legislativa de Minas sobre a concorrência para as obras civis da usina.
Sem dúvida, vivi um drama que, por competência e persistência dos envolvidos na Cemig, e com suporte dos governadores Israel Pinheiro e Rondon Pacheco, acabaria em final feliz.
A concessão
Nos anos 60 do século XX, a Cemig buscava concessões, dadas então sob arbítrio do poder concedente, em disputa com Furnas e com empresas paulistas. No Rio Grande, a Cemig recebera concessões para Jaguara e Volta Grande, que construiu. O então ministro das Minas e Energia, Mauro Thibau, concedeu Maribondo, no rio Grande, a Furnas, para abastecer Rio-São Paulo e São Simão.
Por interpretações maliciosas, a Cemig perderia a concessão apostando na hipótese de a empresa não ter capacidade de captar financiamento para a obra, cujo valor representava o dobro de todos os investimentos até aquela época da Cemig. Entretanto, Mauro Thibau sabia que a Cemig daria conta.
Se, por um lado, seu custo já era alto para os padrões da época, por outro o preço unitário era o mais baixo conhecido. Além disso, São Simão reunia ótimas condições de sítio e posição.
No livro “Minas e os fundamentos do Brasil moderno- UFMG”, de Ângela C. Gomes, escrevi sobre o governador Israel Pinheiro e São Simão: “Aproximava-se, em 1969, o final do governo do Dr. Israel, em cujo mandato foi terminado o estudo de viabilidade de São Simão e o de sua execução. A Cemig vivia tensões na expectativa de construir a usina, grande para seus recursos. Não se sabia quem seria seu presidente no governo Rondon Pacheco. O mercado crescia e havia risco de falta de energia em Minas. 0uvi o Dr. Israel, que disse: “Procure o Rondon, sem inibições. Explique a importância do projeto, sua grandeza, seu baixo custo unitário e seu peso financeiro. Ele decidirá se a Cemig deve tóca-lo”.
Dr. Rondon recebeu-me em casa do Dr. Abílio Machado. Lá fora, zunia uma tempestade. Disse-lhe estar autorizado pelo Dr. Israel para conversar com ele. Após ouvir-me, Dr. Rondon disse: “Em meu governo, Dr. João, plantaremos carvalhos. Vá e façamos São Simão”.
Ao sair, percebi que Rondon Pacheco confirmava-me na presidência da Cemig e entregava-me a responsabilidade de construir São Simão.
No inicio de seu governo, acompanhei o Dr. Rondon em uma viagem a Washington para visitas ao BID, ao Banco Mundial, onde foi recebido por McNamara, seu presidente, o que prenunciava bons ventos para financiamentos daquele banco a Minas Gerais, que vieram em boa quantidade.
Os estudos de engenharia
São Simão, dois quilômetros de belas cachoeiras laterais caindo no rio Paranaíba
O estudo de viabilidade fora preparado para São Simão no plano de aproveitamento otimizado dos rios de Minas, pioneirismo da Cemig, liderado por Francisco Noronha. O estudo específico foi realizado pela Montreal Engineering, escolhida em acordo com a ONU. Esta, por negociações de Maurício Bicalho, então representante brasileiro no FMI, forneceu recursos que cobririam custos dos canadenses, que se instalaram em Belo Horizonte, em um grupo com engenheiros da Cemig, coordenados por Mario Mafra.
Quando a Cemig anunciou que construiria São Simão, os ambientalistas movimentaram-se, seria afogada uma beleza da natureza. A defesa foi que se Minas não a construísse, Furnas ou Cesp a fariam. Os mineiros aceitariam São Simão construída pela Cemig. O canal de São Simão era lindo, mas só turistas ricos o visitavam, e a usina atenderia, já que a Cemig não era para iluminar pobreza, mas para criar riquezas. Quando houvesse fontes de baixo custo, a barragem poderia ser demolida, e o canal, protegido de erosão pelas águas do reservatório, reapareceria em beleza primitiva.
A Cemig, em 1969, contratou a Internacional Engenharia, para o projeto final.
Os financiamentos
Para o financiamento, resistências internas temiam que São Simão monopolizasse os recursos, retardando transmissão e distribuição.
Foi decidido que se construísse a usina com o máximo de empréstimos.
O orçamento de fontes, em moeda da época, após longas negociações com decisivo apoio de Mario Bhering, presidente da Eletrobras, resultou em: Eletrobras. MmCr$1.000.; Bnde-Finame, MmCr$320. Créditos paralelos stand-by externos, MmCr$320; Banco Mundial, MmCr$360. e Cemig, Mm$1.000, total de MmCR$3.000.
Entendimentos promovidos sob a égide de São Simão com Marcos Vianna, presidente do BNDES, e Hélcio Costa Couto, seu diretor, deram origem ao Finame, que iria financiar equipamentos da indústria nacional. Isso levou a que os recursos do Banco Mundial não fossem para equipamentos, que teriam alternativa de créditos paralelos stand-by, e reservado o seu uso para obras civis. Eram difíceis desafios, a concorrência internacional para obras civis, financiadas pelo Banco Mundial (o que receberia resistência das construtoras nacionais), e a volta ao mundo de negociadores da Cemig, com alçada de decisão.
O sucesso da viagem seria facilitado pelo patrocínio do Banco Mundial e o apoio da Eletrobras. Como presidente da Cemig, e com o seu diretor financeiro, Paulo Mafra, e acompanhados pelo Sr. A. Cardoso, da Eletrobras, dando confiabilidade internacional, fomos, em 1971, em 24 dias, em agenda apertada do aeroporto ao hotel, do hotel ao escritório, volta para o hotel, do Brasil ao Japão, à Suécia, Suíça, Alemanha, Inglaterra e França. Negociamos e assinamos contratos com financiadoras de exportações para créditos stand-by para fornecedores.
Concorrência internacional para obras civis
Ao usar recursos do Banco Mundial, as obras civis seriam contratadas após concorrência internacional, asseguradas a igualdade de competição entre construtoras nacionais e estrangeiras.
Após qualificação, foram convidados Cetenco e Rabelo, Camargo Corrêa, Impresit e C.R. Almeida, Mendes Jr., Andrade Gutierrez e Convap, Metropolitana, C. Nielsen e Corsan, Odebrecht e Hotchief.
Os documentos para a concorrência foram enviados em setembro 1972 aos selecionados. Em 15 de janeiro de 1973, a Cemig recebeu cinco propostas e dois protestos contra a concorrência internacional – a Comissão julgadora incluía representantes da Cemig e da International Engenharia. A escolha eliminou três propostas pelo preço, restando a Mendes Jr., a MCr$765.796, e a Impresit-CR Almeida a MCR$754.533, diferença inferior a 2%. Variação cambial logo em seguida aumentou a diferença para 3.4%.
A concorrência internacional havia baixado os preços internos. O Banco Mundial, intransigente no atendimento ao menor preço, seria co-responsável na garantia da Impresit-CR Almeida. Houve encontros em Washington de 26 a 30 de março de 1973, que reuniram os ministros Delfim Neto, do Planejamento, Ernane Galveas, da Fazenda, e A.Kafka, representante do Brasil no FMI, e Robert McNamara, presidente do Banco Mundial, Burke Knapp, vice-presidente executivo geral do Banco, eu e Paulo Mafra. Foi consolidada a vitória da Impresit-CR Almeida. As autoridades brasileiras proveriamos instrumentos necessários ao trabalho de firma estrangeira no país e isenções fiscais para livre e imediata entrada de técnicos e de equipamentos de construção e peças de reserva.
A Mendes Jr. lutou para reverter a decisão, levando a minha convocação na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional. Eu torcera para que eles ganhassem, mas agora do lado do vencedor, a enfrentei com apoio do governador Rondon Pacheco, dos diretores da Cemig, Júlio Soares, João Almeida Paiva, Licínio Seabra e Guy Maria Paschoal, dos deputados, Magalhães Pinto, ex-governador de Minas, e Machado Sobrinho, e, na Assembleia Estadual dos deputados Bonifácio Andrada, Lúcio Souza Cruz e outros.
Quando falei a Magalhães Pinto que os ataques queriam destruir a mim, mas poderiam vir a destruir a Cemig, S. Excia. disse:
“Menino, não fale isso. Se o Sr. for destruído, a Cemig será abalada. E, para sua família, o Sr. é mais importante que a Cemig!
Os jornais deram grandes notícias sobre meu depoimento na Assembleia Estadual em 8 de maio de 1973. O Estado de Minas, no dia 9, deu destaque ao que falei e às agressões recebidas. Esta matéria jornalística, neutra, fala sobre os conflitos, tensões e sofrimentos quando, exausto após nove horas de debates, chegando a choro e lágrimas, eu defendia um contrato da Cemig com quem havia ganhado a concorrência!
A imprensa e os parlamentos “denunciavam” que o contrato com a Impresit era condição para a instalação da Fiat em Betim, o que, segundo intrigantes de plantão, deixavam clara a conexão italiana. Transcrevo do Minas e os fundamentos do Brasil Moderno, pg. 300: “A história ligou outra vez o Dr. Israel a São Simão. O governador Rondon Pacheco havia me confirmado na Presidência da Cemig e dado total apoio a São Simão. A concorrência, falavam os intrigante de plantão, havia sido ganha por um consórcio que teria supostas ligações com a Fiat, em instalação em Betim. A oposição ao Dr. Rondon ameaçou bloquear na Assembleia a assinatura do contrato da Cemig com a Impresit-CR Almeida, alegando vinculação com a instalação da Fiat em Minas.
Estavam em jogo duas realizações maiores do governo Rondon Pacheco, São Simão e a fábrica da Fiat. Procurei o Dr. Israel, agora ex-governador na oposição ao Dr. Rondon. Dr. Israel recebeu-me no dia 2 de julho, cansado da vida, mas alerta e interessado. Expliquei lhe as dificuldades. S.Excia. rápido, telefonou a líderes da oposição e disse: “Não misturem política com os interesses de Minas. Conheço o projeto e as pessoas envolvidas. Ajudem em vez de atrapalhar e informem-me”.
Tiro bem dado! Foi a última vez em que vi o Dr. Israel Pinheiro, que teve enorme influência em minha formação. Israel Pinheiro, compaixão humana, competência e capacidade de ação e amor pelas pessoas, é mais lembrado pelo seu sucesso na construção de Brasília.
O governador Rondon Pacheco e a Cemig não hesitaram e o contrato de construção de São Simão com a Impresit-CR Almeida, foi assinado em 4 de julho de 1973, no Palácio da Liberdade, com presença do ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki, do presidente da Eletrobras, Mario Bhering, e de inúmeros políticos e empresários. Ao terminar a minha fala, eu disse: ”Fiat lux!”, o que alguns acharam de mau gosto.
Dr. Israel telefonou-me aquele dia e disse que não teria vida para ver o final da obra, mas ela seria um sucesso. Para mim e para muitos brasileiros foi uma enorme tristeza a sua morte em 7 de julho seguinte, deixando um notável exemplo de grande homem público. Dias depois, falei sobre o Dr. Israel, como orador em sua homenagem na ACMinas e terminei dizendo: “Dr. Israel, um homem moderno, repousa no regaço do eterno”.
Para os equipamentos, as concorrências foram ganhas por empresas da França para turbinas e da Suíça para geradores e seus complementos, com recursos do Finame para compras internas.
O apoio do governador Rondon Pacheco e o trabalho dos diretores da Cemig que conduziram a obra, Licínio Marcelo Seabra e Guy Maria Villela Paschoal, foram fundamentais. Na execução do contrato foi necessário vencer atrasos de entrada de equipamentos de construção no país, por sabotagem de autoridades federais. Muitos telexes na Memória da Cemig mostram estas dificuldades, pesadas e inexplicáveis, e humilhantes e fortes pedidos do Banco a autoridades brasileiras, exigindo cumprimento de acordos.
Desobedecidos pelas autoridades alfandegárias os compromissos nacionais para liberações de equipamentos de construção foram necessários ofícios do governador Rondon Pacheco e de Mario Bhering, da Eletrobras, e intervenções do ministro Dias Leite, das Minas e Energia, junto ao ministro Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil, a quem se devem ações decisivas. A construção foi iniciada em julho de 1973 (saí da Cemig em março de 75 para a Secretaria da Fazenda), e concluída em maio de 1978, por Francisco Noronha, presidente da Cemig. A inauguração contou com o presidente Ernesto Geisel, o governador Aureliano Chaves, o ministro Dias Leite, o ex-governador Rondon Pacheco, e o povo do Triângulo e de Goiás. Terminada a obra, seus engenheiros e mestres foram disputados por construtoras que preparavam-se para concorrências internacionais.
São Simão: maior fonte de energia e de lucros para a Cemig alimenta lares, fábricas e campo irrigado, ilumina cidades e vidas, cria riquezas.
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