Candidatos presidenciais precisam aprender e indicar como enfrentariam a péssima situação da economia.
Roberto Macedo*
O termo sofrência ganhou projeção como modalidade de música sertaneja, fama esta que cresceu muito com o recente falecimento da famosa cantora Marília Mendonça, líder dessa modalidade. Meu dicionário (Houaiss) não contém esse termo, mas Roberto Teixeira da Costa, economista voltado para o mercado de capitais e relações internacionais, escreveu neste espaço, em 25 de novembro passado, o artigo Saindo da sofrência em busca da crescência, e esclareceu que no dicionário que consultou “a palavra é definida como substantivo feminino, condição de pessoa que sofre, que não consegue se livrar de uma situação de tristeza e de sofrimento”.
Usou o termo para se referir à situação atual do Brasil, afirmando que em “(…) mais de 60 anos de vida profissional (…)” não se recordava de ter “vivido um período de tamanha descrença no País e no seu futuro”. Também tenho o mesmo período de vida profissional e o mesmo sentimento. Teixeira da Costa aplicou o termo ao Brasil, e seu texto inspirou-me a usar sofrência para a situação que há muito tempo, desde os anos 1980, marca o Produto Interno Produto (PIB), indicador econômico das agruras por que passa o País.
Começando pelos dados mais recentes, no dia 2 deste mês o IBGE publicou o resultado do PIB no terceiro trimestre deste ano, mostrando queda de 0,1% relativamente ao trimestre anterior. A imprensa destacou esse resultado, mas a notícia mais importante do relatório do IBGE sobre o assunto foi que a taxa do segundo trimestre foi revisada de -0,1% para -0,4%, uma queda bem maior. A taxa do primeiro trimestre também foi revisada, e para cima, de 1,2% para 1,3%, mas essa alteração ficou longe de compensar essas duas quedas nos trimestres seguintes.
Com esses números, dentro de 2021 o PIB cresceu apenas 0,8%, relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa muito ruim. E o quarto trimestre de 2021 já começou mal, com o mês de outubro indicando quedas setoriais na indústria, no comércio e nos serviços. E o índice do Banco Central que prevê o crescimento do PIB mostrou queda de 0,4% no mesmo mês.
Mas a sofrência não fica por aí, pois, como venho apontando em vários artigos neste espaço, desde 2015 a economia se encontra numa depressão, e ainda não retomou o PIB que tinha em 2014! Supondo que o PIB não cresça nada no último trimestre deste ano, ele precisaria subir 2,3% em 2022 para voltar ao PIB de 2014. As previsões para 2022 estão longe dessa taxa, e, assim, isso não deve acontecer.
Passando ao PIB per capita, ele leva em conta o crescimento da população, atualmente perto de 0,7% ao ano. Quanto maior for essa taxa, menor o crescimento do PIB per capita. Estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, citado por este jornal no dia 13 deste mês, estimou que o PIB precisaria crescer 2,1% ao ano para retomar, só em 2028 (!), o valor que apresentava em 2013(!).
E há a sofrência ainda mais antiga. O PIB brasileiro mostrou tendência persistente de crescimento a partir de 1900 até a década de 1970, quando alcançou a taxa média anual de 8,8% (!), trazendo o País para o grupo de países de renda média. A partir daí, e até a década de 2010, esse crescimento caiu para taxa média anual próxima de apenas 2,5%, levando o Brasil à chamada armadilha da renda média.
E permanecemos dentro dela. A sofrência vem provocando um aumento recorde do número de brasileiros que vivem no exterior em busca de melhores oportunidades profissionais e condições de vida que as disponíveis no Brasil. O site do Deutsche Welle (DW), uma grande empresa alemã de comunicações que publica matérias em português, noticiou recentemente que dados do nosso Ministério das Relações Exteriores mostram que o número de brasileiros fora do País passou de 1,9 milhão, em 2012, para 4,2 milhões (!), em 2020. Ou seja, mais que dobrou. E esta semana veio a notícia de que o El País, prestigioso jornal espanhol, encerrou a edição brasileira, que contava com o apoio local de 17 jornalistas, após oito anos no País sem resultados que assegurassem a sustentabilidade econômica dessa edição.
E quem é responsável por toda esta sofrência? A resposta daria uma grande história, pois estamos falando de quatro décadas. Olhando mais o momento recente, a classe política brasileira, salvo raríssimas exceções, não demonstra o menor interesse pela economia que tão mal conduz. Não vejo nem o presidente nem o Congresso atuando como socorristas da sofrência. Seu interesse dominante é o de renovar mandatos nas eleições de 2022, custe isso o que custar, inclusive com ações fiscais que também contribuem para prejudicar a economia.
Como não se pode perder a esperança, ela seria estimulada se os candidatos à Presidência apresentassem suas propostas sobre o que fazer na economia. O eleito irá herdá-la nesta péssima situação, e é preciso aprender e indicar como enfrentá-la, pois não haverá saída se ele não tiver essa disposição. (Fonte: O Estado de S.Paulo – 16 de dezembro de 2021)
*Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, é consultor econômico e de ensino superior.
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