21 DE ABRIL: DIA DA UNIDADE NACIONAL*

Voltados para o protomártir da Independência, para o herói inconfundível da conspiração de Vila Rica, façamos nós todos, neste momento, uma promessa solene: a promessa de lutarmos contra a desagregação, contra o divisionismo, contra a deliquescência, contra a falta de fé que ameaça a alma brasileira. A solução da nossa crise está em avivar na alma do povo o amor e a fé que a Nação exige para realizar a sua grande missão.

“Discurso proferido pelo Governador Juscelino Kubitschek m Ouro Preto-MG, a 21 de abril de 1954, por ocasião das comemorações da Inconfidência Mineira”. 

Estamos reunidos mais uma vez nesta nobre e austera cidade de Ouro Preto para cultuar a memória de Tiradentes, para trazer-lhe a expressão de nosso reconhecimento e também para pedir-lhe as inspirações de que tanto necessitamos tosos nós, nesta hora difícil que a Pátria, de que ele foi um dos fundadores, está atravessando.

Neste ano, a festa de 21 de abril se reveste de significação particular, tendo em vista a presença ilustre do Chefe da Nação Brasileira. Do presidente Getúlio Vargas, não se pode dizer que é um simples hóspede de Ouro Preto, um visitante de passagem. A cidade é bem familiar ao presidente. Aqui esteve ele na sua adolescência; filho do extremo sul do país, onde é tão ardente, militante e exaltado o amor ao Brasil, veio o presidente Getúlio Vargas estudar na antiga Capital da Província de Minas Gerais, capital histórica da Independência e da emancipação da nacionalidade. Revendo estas paisagens, que conspiram para tornar ainda mais densa a atmosfera que envolve este mundo cheio de recordações. V. Excia. o senhor presidente deve sentir-se duplamente emocionado, pois à viva memória de acontecimentos que tiveram significação definitiva para o processo de configuração do Brasil acrescenta-se, no seu espírito, a lembrança do tempo em que, estudante entre muitos estudantes, se preparava naturalmente V. Excia. para o seu grande destino político. 

Saudando o presidente da República do Brasil em nome do povo mineiro e do seu Governo, como hóspede de Vila Rica, faço-o certo de que estou me dirigindo a alguém intimamente ligado à nossa Província por laços profundos, por muitas afinidades de temperamento e de sentimentos. Vindo a Ouro Preto, o eminente Chefe da Nação reafirma o carinho que sempre dedicou ao episódio supremo da história cívica de Minas. A S. Excia. se deve a iniciativa de promover a repatriação das cinzas dos conjurados de Vila Rica, que hoje repousam no Panteão do Museu da Inconfidência, por ele criado. Também, por sua iniciativa, foi Ouro Preto elevada à categoria de Cidade Monumento, homenagem que exprime os sentimentos de ternura e admiração que o Presidente consagra à cidade severa e imponente. Capital de Minas num passado glorioso, depois de ter escutado os hinos que ressoaram entre as montanhas como se fossem o eco do palpitar de milhares de corações inflamados da mesma fé e do mesmo entusiasmo, depois de se ter projetado como sede do movimento mais belo e generoso de toda a nossa História, apresenta-se como um dos monumentos verdadeiramente glorioso do Brasil.

Conta esta solenidade, além da honrosa presença do Chefe da Nação, com a de ilustres ministros, insignes vultos da República e membros do Parlamento e do Judiciário, nobres representantes das Forças Armadas, das classes produtoras e trabalhadoras, dignos artistas e homens de pensamento do País. Aqui estão também ilustres governadores, homens que partilham a imensa responsabilidade e ajudar a conduzir o Brasil, à frente dos Estados que governam.

Mas não só os que materialmente vieram conviver conosco nesta hora de referência e homenagem a Tiradentes estão presentes. Presentes, pelos efeitos de solidariedade, acha-se, de fato, todo o povo brasileiro, presentes os filhos dos recantos mais longínquos do País, todos espiritualmente congregados em torno desta comemoração, que se vai tornando sempre mais significativa e que cresce de sentido e importância com a agravação dos problemas, das angústias e inquietações da Pátria comum.

A oportunidade de se reunirem tantos cidadãos em cujos ombros pesam as responsabilidades de governo, a começar pelo Sr. presidente da República, o fato de estarem voltadas para esta festa as atenções de todo o País oferecem o ensejo de se dedicar o dia de hoje à exaltação da Unidade Nacional. É isso o que desejo propor aos que me ouvem e a todos a quem alcançar a minha palavra, não importa onde quando.

O dia de Tiradentes deve ser o dia da Unidade Nacional. Unidade não só geográfica, não só econômica, mas principalmente unidade oral, unidade de propósitos, unidade na ambição justa, unidade o desejo de conservar e defender a personalidade do Brasil.

Sim, unidade do Brasil, unidade que é o nosso maior patrimônio, a nossa riqueza maior, o nosso bem supremo, unidade que é o nosso próprio destino, o que torna possível sermos uma grande pátria, uma grande comunidade; unidade que nos incumbe defender todos os dias, reconquistar todos os dias, preservar todos os dias e não dormir sobre as conquistas já feitas, sobre o milagre realizado por nossos antepassados; unidade que é a própria marca do Brasil, o que nos torna diferentes neste continente, o que nos permite confiar em que o nosso dia de amanhã será o de um grande e forte País, poderoso e de ânimo pacífico, abrigando um povo mais feliz mais sadio, mais assistido.

Este ambiente ouropretano, saturado de história, inspira a necessidade de palavras sinceras e de um exame de consciência. Aqui nasceu, aqui mesmo nesta cidade, a ideia de nossa independência; aqui se conspirou e houve uma heroica experiência em dias afastados e oprimidos; aqui houve dedicação e sofrimento pelo Brasil recém-nascido. Aqui conheceram amargura, perseguições, castigos, durezas de toda espécie, homens que ansiaram pela autonomia da Pátria Brasileira, que se ofereceram em holocausto a uma ideia de liberdade, homens a quem cabe o título de primeiros brasileiros, historicamente, primeiros brasileiros pelas ideias e sentimentos de plenitude nacional, aqui foi trazida a cabeça de Joaquim José da Silva Xavier, depois de partido em quatro pedaços o seu corpo e espalhados os seus membros, exatamente nos mesmos sítios em que praticou o crime de amor à Pátria. Aqui houve o sonho da nação nítida, vivendo pela sua própria vontade e pelas suas próprias forças, o sonho de alguns homens que souberam captar os anseios da terra, da nação que ainda se formava que mal ia adquirindo a sua consciência.

Esta cidade é, pois, um lugar sagrado, e é preciso que a oportunidade de falar nesta solenidade, que se realiza na mais densa atmosfera de tradição que existe no Brasil, não se dilua em palavras vãs, na repetição de votos que perderam o conteúdo, que não exprimem o que realmente sentimos neste instante do Brasil, em que é preciso manter cada vez mais viva a chama da esperança no coração dos brasileiros.

Necessitamos fazer crepitar, sim, a esperança no coração do Brasil. Seria mentir à sombra aqui presente de Tiradentes; seria faltar ao respeito que seu sacrifício nos merece; seria renegá-lo e esconder a necessidade em que estamos  de uma ação constante em favor da esperança em nossa alma de povo; seria perder esta oportunidade e a emoção propícia ao exame de consciência, que se apossa de nós, na evocação do herói humilde, do homem que foi o exemplo da coragem serena, da abnegação, do sentimento da responsabilidade, da grandeza de alma diante da sorte adversa, do homem modesto que foi até o fim de seu sacrifício, que não teve limites no dom de si mesmo, feito ao ideal da independência de sua Pátria.

Estará contente conosco e com o Brasil de nossos dias o alferes Joaquim José da Silva Xavier, encarnação da Inconfidência Mineira? Estaremos justificando o sacrifício do herói, a sua morte gloriosa e infamante, e todos os perigos e todas as lágrimas derramadas nessa Inconfidência Mineira, eclosão de amor a uma pátria que dealbava apenas?

É certo que o País avançou em muitas direções, que se conservou íntegro, que caminhou muito neste meio século, que cresceu em alguns anos aceleradamente; é certo também que o Brasil cresceu o necessário para termos a efetiva visão de tudo o que deve ser feito, de todo o trabalho que é indispensável seja empreendido a fim de que se consolide a independência do Brasil, independência que teve em Tiradentes o seu fundador e o seu maior herói. 

Numa conjuntura mundial como esta, em que as nações têm de ser disciplinadas e duras para sobreviver, para enfrentar e conter a cobiça externa e a desordem interna, é um dever iniludível não permitirmos que a anemia se instale em setores fundamentais de nossa vida, e que se faça sentir a nossa capacidade de ação em todo o território da Pátria, para que não lhe faltem as bases da sua prosperidade, as fundações e alicerces da sua construção.

Não há como negar que muito já foi feito, mas a verdade é que apenas começamos a nos mover, e mal o Brasil começa a empreender a sua viagem e eis que a alguns atormenta, mais que se tempestade fosse, a calmaria, o desânimo, o torpor, o desengano, tão mais condenáveis quanto nascidos em um povo que não teve verdadeira experiência da amargura, na nação que não atingiu sua plenitude, que não disse definitivamente ao que vinha no concerto universal e não deu o seu recado ao mundo.

Defrontando o mártir como estamos agora, com o pensamento nesse que teve alma heroica e forte, que hoje aqui celebramos, força é confessar que nem todos trabalham para construir o Brasil, fazê-lo erguer-se e caminhar na direção do seu destino. Diante da impaciência, da falta de vontade de viver a jovem aventura de um país em fase criadora, diante da dificuldade de crer, diante da alma necessitada de vontade e de alegria, tornam-se secundários os problemas materiais. É bem certo que a razão das soluções tardonhas, do desequilíbrio, das incertezas e vacilações no plano material, não teve outra origem senão na atonia do espírito, que aqui denunciamos, no cansaço precoce, na exaustão antes da tarefa concluída, diante da terra a lavrar, com as sementes ainda a serem jogadas para o mistério da fecundação. Sentimos antecipadamente o tédio das glebas por onde já a foice dos segadores realizou o seu trabalho fértil.

É esse estado de espírito que provoca, ao mesmo tempo, o desestímulo e o clima do “não – vale – a – pena”, diante de muitos problemas a serem cuidados. É esse estado de espírito, outrossim, a origem de tantos estraçalhamentos, de tantas lutas entre brasileiros. No momento em que tudo nos deveria unir para uma ação fecunda, para a conquista do nosso território, para o desenvolvimento de nossas possibilidades, para esse trabalho comum, indispensável, é que nos perdemos em dissenções, em batalhas de que está ausente outro sentimento senão o espírito de crítica infecunda. Quando deveríamos estar compenetrados de um sentimento de nobre missão, o que se verifica são sinais contraditórios de uma vocação misteriosa para a negação, é um desejo de nos colocarmos sob o signo do negativo. Somos um povo jovem num País que deve suscitar entusiasmo, num País que deve e pode ter um grande destino. Deveríamos, pois, estar conscientes das nossas possibilidades numerosíssimas de agir. Participamos e somos nós, povo brasileiro, alma e substância de uma nação que se inaugura, de uma nação na sua aurora, e sobre nós não deve pesar, com suas asas cansadas, um crepúsculo inexplicável.

Há países que não têm saída nem solução, ou que já se sabe que atingiram o ponto final do seu crescimento ou estão limitados a não ir muito além do que são, com as suas fronteiras à vista. Há países que não poderão jamais passar os limites do cotidiano. O dia de ontem é igual ao de hoje e será semelhante ao dia de amanhã. O ritmo da vida é sempre o mesmo, não se altera não sofre transformações senão as que lhe são impostas de fora. Não há matéria própria para compor e configurar. Não há onde empregar o espírito de criação e aventura.

Compreende-se e admite-se que nesses países se manifeste, por vezes, o tédio, ou que a ambição se contrarie impedida de empreender grandes viagens; que haja amargura ou sentimento de inutilidade. Mas no Brasil, a falta de ambição, a ausência de amor ao trabalho, o sentimento de invalidez de tudo, constituem pecados graves frente à munificência do destino, verdadeira ingratidão a Deus, que nos proporcionou a única felicidade permitida aos povos sobre a Terra; a possibilidade de abrir o seu caminho, de modelar o seu próprio destino.

Diante de nós está o Brasil, e o Brasil é uma incumbência enorme, uma tarefa ilimitada a que se devem dedicar sucessivamente gerações e gerações. Não temos direito ao desespero branco, aos desânimos crepusculares, ou de nos deixarmos vencer pelas tendências negativas; não podemos ser tristes enquanto não tirarmos proveito de nosso patrimônio, da herança que nos legaram os titãs que forjaram a unidade nacional, no meio de asperezas e dificuldades sem conta, assolados pelo desconforto. Não mereceremos o Brasil se não tivermos fé. Não seremos nada sem confiar e esperar.

O verdadeiro problema, o único, o problema de cuja solução tudo o mais decorre, é o da fé. Sem fé de que nos vale esta terra, cujas entranhas guardam tesouros que não nos servem de nada? Sem fé, de que nos vale a potencialidade do Brasil, tão decantada, o que vale esta nação que é quase um continente, com territórios diversificados, uns necessitando dos outros e assim permitindo uma composição de interesses altamente propícia? Sem fé, não faremos nada além do que foi feito. O Brasil que existe é uma obra de fé. Foram homens de fé que tiraram do nada o que somos: o corpo e alma que somos. Foram homens de fé que deram o impulso, o sopro o fiat que transformou uma terra de partes tão diversas, de climas diferentes, de características extremamente variadas, num bloco, numa coisa só, num sentimento tão forte que tem resistido a toda sorte de enfermidades, de ataques, a todas as ciladas da negação deletéria. Vivemos e somos o Brasil graças à fé que nos legaram os nossos fundadores, os nossos pais, os brasileiros que anteciparam o próprio Brasil, que foram patriotas antes mesmo de existir a Pátria na sua plenitude e na sua nitidez.

Povo sem fé é o mesmo que povo desenraizado, flutuante, aciganado, infixo. Graças a Deus, a fé existe, ninguém deve ou pode duvidar. Não permitamos que se amorteça o ânimo de conquista de tudo o que nos resta conquistar sobre nós mesmos, o que é quase ilimitado.

Estamos reverenciando, neste momento, a mais impressionante figura de homem de fé nascido em nossa Pátria. Sua fé não teve meio termo, não conheceu limitações e incertezas. Tiradentes teve fé na Pátria que apenas amanhecia: quando o conduziram ao suplicio, teve confiança em Deus e fé na vida eterna. Não hesitou um só instante em considerar que o seu sacrifício valia a pena, o que constitui o maior ato de fé possível no ser humano. Considerou que o Brasil de amanhã merecia que se lutasse, sofresse e morresse pela sua independência, o que é o mais nobre e alto exemplo de fé.

As pátrias são formadas por seus homens-semente. São essas sementes-homem que fazem florescer e frutificar, que justificam as nações.

Voltados para o protomártir da Independência, para o herói inconfundível da conspiração de Vila Rica, façamos nós todos, neste momento, uma promessa solene: a promessa de lutarmos contra a desagregação, contra o divisionismo, contra a deliquescência, contra a falta de fé que ameaça a alma brasileira. A solução da nossa crise está em avivar na alma do povo o amor e a fé que a Nação exige para realizar a sua grande missão.

*Texto extraído do livro “JK: Doutor em Desenvolvimento – Um Mineiro à Frente de seu Tempo”, de autoria de Carlos Alberto Teixeira de Oliveira e publicado por MercadoComum.

Tráfego orgânico MercadoComum bY SEO MUNIZ 25.6-milhoes
Tráfego orgânico Mercado Comum bY SEO MUNIZ 25.6-milhoes

De acordo com estatísticas do Google Analytics Search a publicação MercadoComum

Rota

Sua localização:

Mercado Comum: Jornal on-line - BH - Cultura - Economia - Política e Variedades

Rua Padre Odorico, 128 – Sobreloja São Pedro
Belo Horizonte, Minas Gerais 30330-040
Brasil
Telefone: (0xx31) 3281-6474
Fax: (0xx31) 3223-1559
Email: revistamc@uol.com.br
URL: https://www.mercadocomum.com/
DomingoAberto 24 horas
SegundaAberto 24 horas
TerçaAberto 24 horas
QuartaAberto 24 horas
QuintaAberto 24 horas Abra agora
SextaAberto 24 horas
SábadoAberto 24 horas
Anúncio