Destaques da Edição

Vivendo na época da injustiça estrutural

Vivendo na época da injustiça estrutural

Jayme Vita Roso*

“Escrever não significa transformar a verdade em palavras, mas as palavras em verdade” – (Augusto Roa Bastos – 1917-2005, Paraguai).

Suponho, neste caótico mundo contemporâneo, que esta reflexão do grande pensador paraguaio, inserida no romance Eu, o maior, ou a biografia fictícia de um político de seu país, que o governou, mas ele consegue fazer uma aglutinação incrivelmente densa de fragmentos múltiplos, uma certa amálgama barroca de citações ou alusões, neste hemisfério, dar um nível elevado de visibilidade à uma época onde tudo o que escrevem era pertinente a ela.

Será que alguém, sem interesse material, sem hipocrisia conseguiria radiografar como caricatura, no Brasil de hoje, como foram o Asno de Ouro de Apuleio; A Peste de Camus; a Tenda dos Milagres de Jorge Amado (que escreveu sem esses atuais rancores e abusos: “os brancos e os negros contribuem a nascer e se misturar e fazer bebês”). Ou alguém se deteve, sem abdicar do que amealhou ilicitamente ou sob o pálio de uma lei bastarda, a imaginar que precisaríamos de Primo Levi (sim, “É isto um homem?”) porque uns enquadram em um campo, onde há um Ele, o que é chamado “Organizator”, “Kombinator”, “Procurement”, já que não existe outra alternativa, no ponderar de Vicky Lebeau, professor em Sussex, nesta pátria amada. Ou pior, se é que se pode apontar “O Pavilhão dos Cancerosos” de Alexandre Soljenítsin. No “Primeiro Círculo” se estampa a censura e o “modus persecutorius” da liberdade de expressão. Enfrentar a ditadura de toga é pior do que inventar “gadgets” para a polícia instruída e domesticada perseguir? Não se questione, muito menos se põs em dúvida ou se “pode perguntar”. Logo, passemos um pouca nesta tela o que Hannah Arendt escreveu e viveu e sustentou ao longo da sua prolífica vida. e quem sabe interpretar os dias correntes.

Hannah Arendt e seu pensador Paolo Flores D’Arcais

1- Quando Paolo publicou o título Hannah Arendt: Existencia y libertad (no original: Hannah Arendt. Esistenza e libertà. Roma: Donzelli Editore, 1995), com seu caráter reservado de friulano, não tinha em mente que, em 1996, em espanhol, que levado ao ambiente cultural do refinado pensamento das universidades ibéricas (Madri: Editorial Tecnos S. A., 1996).

2- De Hannah, de pronto, sustenta Paolo, através de Agapito Maestre, no prólogo, “o triunfo da revolução evanescente” (p. 9), do que extraio: “Unicamente, insisto uma compreensão comunicativa do poder como a iniciada de modo exemplar por Hannah Arendt em uma época pode assumir esses processos de democracia de ‘base’ direta ou horizontal que, dito seja de passagem, sempre ocorreram ao longo da história”.

Como muito bem sabia Faulkner, não há nada para restaurar porque, seguramente, nunca existiu (democracia): o “passado não está nunca superado, não é nem sequer passado”.

3- E sejamos abertos e nunca hipócritas, para acolher o que Hannah encarou como ser e política (ARENDT, H. Que coisa é a política. Milão: Comunità, 1995) que Paolo assim resume, abertamente, ser a política hoje a desconfiança dela; a liberdade só existe quando se exclua o conformismo, “o indivíduo, isolado, nunca é livre; só pode ser se pisa o terreno da pólis e atua; o poder e a violência se excluem e a liberdade é uma responsabilidade para o indivíduo. Eu, debruçado sobre o que ela cogitou, com “cinismo de quem viveu muito e compreendeu pouco” (p. 9). Também, como ela se antecipou não se adequar com o próprio tempo, aliás contra ele, “andar, subtraindo-se às sirenes das ideologias e as metafísicas; pode pensar sua própria época, iluminando antinomias e descumprimentos e, portanto, indicou as responsabilidades que se derivam das possibilidades desvanecidas (PAOLO, op. cit., p. 20).

4- Coragem não faltou a Paolo desnudar Hannah Arendt, relembrando “Contra Marx”, “Dois conceitos de alienação”, “Pensar a revolução húngara”, “A política como profissão”, “Liberdade e Verdade” e “Hipocrisia e Democracia”, como faróis a guiar as experiências sociais hodiernas.

*Advogado, ambientalista e escritor – (vitaroso@vitaroso.com.br)

(Os artigos e comentários não representam, necessariamente, a opinião desta publicação; a responsabilidade é do autor do texto)

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