Roberto Brant*
Períodos eleitorais sempre foram aqui e em toda a parte tempos de agitação e de acirramento de ânimos. Passadas as eleições e verificados os resultados, no entanto, a regra geral sempre tem sido a volta à normalidade e às rotinas da vida, mesmo aqui na tumultuada América Latina. Esta regra tem deixado de prevalecer em alguns de nossos vizinhos, numa antecipação do que pode perfeitamente acontecer também conosco. Um dos enigmas da história do nosso continente é a frequência como os ciclos de liberdade e tirania, crescimento e estagnação, harmonia e conflitos, ocorrem ao mesmo tempo em vários de nossos países. Sem percebermos, muitas coisas indicam que compartilhamos um mesmo destino, mesmo a contragosto.
Algumas eleições no continente permanecem inconclusas. É o caso do Peru, onde a antipolítica levou à Presidência um personagem exótico e despreparado, sem planos nem maioria para governar, cujo único projeto no momento é evitar seu impedimento e conservar-se no poder. No Chile um jovem ex-revolucionário de esquerda, com um discurso sensato, prevaleceu sobre a política tradicional. Seu governo, contudo, está pendente da confirmação, por meio de um plebiscito, de uma nova Constituição que, se entrar em vigor, tornará o país ingovernável para sempre, qualquer que seja o Presidente.
Neste momento a Colômbia, o mais estável dos países do continente até agora, viu a população rejeitar os partidos que tradicionalmente a governavam, para levar ao segundo turno um ex-guerrilheiro e um velho empresário, populista de direita, cuja única proposta para o país é drenar o pântano da política. Todos conhecemos o que resulta destas proclamações. Afinal tivemos Jânio Quadros e Fernando Collor. Quando as sociedades se desesperam elas votam apenas com raiva, com o fígado e não com o cérebro, mesmo sabendo que pagarão sozinhas pelos seus erros.
Como em quase todos os nossos vizinhos, as nossas instituições de política democrática há tempos deixaram de funcionar em proveito da maioria da população. Os partidos políticos não representam nada nem ninguém. São agências com interesses predominantemente privados, embora financiadas com abundantes recursos públicos. No Parlamento, as maiorias sem alma e sem ideias vivem da captura do orçamento público e não mantém a mínima conexão com a sociedade, salvo exceções cada vez menores. Neste ambiente a disputa eleitoral vai se resumir a uma competição entre personalidades e o resultado eleitoral não vai trazer normalidade, harmonia ou novos rumos para o país, apenas o congelamento dos conflitos e da intolerância.
As eleições brasileiras se anunciam como as mais conflituosas de toda a nossa vida democrática, servindo não para arbitrar civilizadamente nossas diferenças, mas, ao contrário, para alargar o fosso que tem separado as pessoas na política. Em alguns aspectos estamos retrocedendo aos tempos mais sombrios da nossa história política, quando a própria existência do estado democrático com razão volta a ser posta em dúvida. A mediocridade das lideranças em atividade criou um vácuo na esfera política, onde passaram a se movimentar atores indesejados, como os militares e os juízes, cuja presença aprofunda os conflitos e atrofia ainda mais as instituições da soberania popular, sem nenhum proveito para o país.
Se as pesquisas de opinião estiverem corretas e se o julgamento político dos brasileiros não se modificar, ficará patente que nosso país não apenas está abdicando de um futuro melhor e diferente, como também está se desinteressando de resolver os imensos passivos que vimos acumulando em todos os campos, como a estagnação da economia, o empobrecimento progressivo da população, a ausência do Estado na segurança das pessoas e na proteção do meio ambiente, a degradação da infraestrutura.
A grande ironia é que as atuais mudanças que estão ocorrendo no mundo abrem neste momento uma janela de oportunidades para o Brasil que poderia mudar nosso destino, se ao menos houvesse a esperança de que as eleições dariam ao país um Governo.
*Advogado. Ex-deputado federal e ex-ministro da Previdência