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Sob a fúria, o ciclo económico

Enquanto o primeiro trimestre de 2018 chega ao fim, muitos investidores ainda parecem se questionar sobre esta nova era de instabilidade
do mercado. Inquietar-se com a iminente guerra comercial entre os EUA e a China ou inflamar a revolta contra as companhias de alta tecnologia parece ser uma ótima forma de irritar-se contra uma conveniente série de bodes expiatórios. Mas os principais problemas residem em outro lugar. O período de instabilidade no qual acabamos de entrar é de natureza completamente diferente de tudo que já vimos no passado. Não é mais possível atribui-lo à ameaça de deflação nem a uma recessão econômica. Reflete antes uma grande
confusão sobre qual será o impacto definitivo da nova combinação de políticas monetárias mais severas com políticas fiscais mais lenientes sobre as economias e os ativos financeiros, cuja energia e dinâmica vinham sendo mantidas pela ação “heroica” dos bancos centrais nos últimos anos.
Achamos que são necessárias algumas palavras sobre como o atrito comercial de fato afeta o crescimento econômico e o que a questão da privacidade efetivamente significa para os agregadores de dados como as gigantes da tecnologia do mundo de hoje. Resumiremos,
portanto, o que consideramos um cenário crível e plausível para o que ocorrerá quando este período de instabilidade for superado.
“A verdadeira questão econômica que opõe a China aos Estados Unidos é a supremacia tecnológica a longo prazo”
A SUPOSTA GUERRA COMERCIAL
Donald Trump nunca ocultou a sua intenção, nem como candidato nem como presidente, de promover uma política comercial neomercantilista. Ele apenas a colocou na geladeira em 2017. Além disso, a ideia de explorar o que é considerada uma posição forte para procurar termos mais favoráveis para os seus parceiros comerciais desfruta de um apoio razoavelmente amplo na opinião pública dos EUA.
E com eleições de meio de mandato previstas para 2018, esse propósito esteve prestes a retomar o seu destaque na pauta política. Não é grande novidade que o estilo preferido de “negociar” de Trump consiste em apontar uma arma para a cabeça dos seus oponentes.
Tampouco é novidade que, nesse aspecto, a China possui uma grande variedade de meios potentes de retaliação. Portanto estamos entrando em uma fase de bravatas, ameaças e contra-ameaças que provavelmente minarão a confiança dos investidores ou, ainda, levantarão dúvidas sobre o futuro do livre comércio nos moldes orquestrados pela Organização Mundial do Comércio. Poderemos até mesmo ver algumas concessões da China e provavelmente da União Europeia também. Afinal, a UE aplica impostos de 10% sobre os veículos americanos importados, enquanto os carros europeus são exportados para os EUA com um imposto de apenas 2,5%. Mas a alegação de que o déficit comercial dos EUA diante da China pode ser reduzido em 100 bilhões de dólares neste ano não é apenas infundada, mas também um disparate, visto que as cadeias globais de abastecimento tornam esta uma questão extraordinariamente complexa.
Além disso, é bom levar em consideração que, na abordagem política do presidente dos EUA, o tom ameaçador é basicamente um item para consumo interno. Não ter compreendido este ponto foi certamente o motivo pelo qual muitos dos especialistas em política externa tiveram que sair do entorno da Casa Branca de Trump, eliminando, assim, o que tinha se tornado um nível insustentável de dissonância cognitiva. O principal risco a curto prazo é que os gastos dos consumidores e as exportações dos EUA estejam entre as principais vítimas da ofensiva protecionista atual. Mas de qualquer maneira, o verdadeiro ponto que opõe os EUA à China reside em outro aspecto, a questão de quem terá a supremacia tecnológica a longo prazo. A administração Trump faria bem em mostrar maior interesse pelo nível
orçamentário inadequado destinado a pesquisas e desenvolvimento tanto do setor público como privado nos EUA e nas sequelas duradouras de impor novas barreiras a cientistas e outros profissionais especializados que desejam entrar no país.
“Não deveríamos nos surpreender ao ver momentos de Ocupação do Vale do Silício”
FACEBOOK, AMAZON, GOOGLE E O RESTANTE DA TURMA
Como deixa claro a sua recente rajada no Twitter contra a Amazon, Donald Trump está se beneficiando com a mais recente onda de indignação, uma onda intensificada pelo problema recorrente da proteção dos dados pessoais e, especialmente, o mais recente escândalo do Facebook. O peso pesado das mídias sociais certamente está menos preocupado com batalhas legais, visto que se encontra amplamente protegido por termos de serviço vinculativos aceitos pela maioria dos usuários, que com os possíveis impactos sobre a sua
imagem: Suponhamos que o recente fiasco espante os usuários corporativos e particulares em massa. Mas isso parece muito pouco provável. Pesquisas de opinião mostram claramente que os usuários de redes sociais têm pouquíssimas ilusões em relação ao grau
de privacidade que os sistemas utilizados oferecem. Sabem que os serviços oferecidos pelas redes sociais são “gratuitos” somente na medida em que pagam por ele ao fornecer dados pessoais aos proprietários dessas redes – também de forma gratuita.
Nesta área, parece que estamos nos encaminhando inevitavelmente para uma regulamentação mais rigorosa, alinhada às Normas de Proteção de Dados Gerais da UE (GDPR), que entrarão em vigor a partir de maio de 2018. As companhias deverão estabelecer sistemas indubitavelmente mais robustos para administrar o uso de dados, a transparência e os controles. Portanto, não deveríamos nos surpreender ao ver momentos de Ocupação do Vale do Silício como este. As empresas GAFAM (Google, Amazon, Facebook, etc.) e similares possuem inúmeras mídias rivais tradicionais, incluindo as de outros países, que perderam um volume altíssimo de negócios para elas e que podem tirar proveito de qualquer faísca para inflamar esta onda de indignação. Esses concorrentes não duvidarão em propagar
argumentos éticos que, talvez com razão, conduzam a mudanças regulatórias. Mas não nos enganemos. Qualquer que seja o ajuste que possa ser necessário, será pouco provável que ele diminua o valor da tecnologia de redes, tanto do ponto de vista dos usuários como dos anunciantes. As informações qualificadas que estas obtêm com as plataformas digitais oferecem um retorno sobre o investimento que a mídia convencional simplesmente é incapaz de igualar.
Além disso, todo o setor de tecnologia está sendo associado a nomes como Facebook e Amazon, embora muitas das companhias menores tenham na verdade modelos de negócio muito diferentes. Isto quer dizer que cada correção do preço das ações do setor de tecnologia provavelmente oferecerá oportunidades de compra de longo prazo para os investidores que realizarem análises detalhadas dos sólidos e diversificados modelos de negócio dessas empresas.
ENQUANTO ISSO, O CICLO DE NEGÓCIOS CONTINUA AVANÇANDO
Nenhum dos indicadores econômicos divulgados recentemente, quer sejam os índices dos gerentes de compra (PMI*, sigla em inglês)
na Europa ou nos Estados Unidos ou indicadores que monitoram o sentimento e as despesas dos consumidores, contradisse a nossa previsão de que os investidores podem ser surpreendidos por uma mudança no ritmo do crescimento econômico em breve. Em resposta aos cortes tributários da administração Trump, as empresas dos EUA estão intensificando a recompra de ações, que, ao que parece, aumentarão de 450 bilhões de dólares em 2017 para 600 bilhões de dólares neste ano, distribuindo dividendos substanciais, com um índice de distribuição de 40 % dos lucros líquidos, um nível que não era alcançado desde o final da década de 1990. O mercado de ações dos EUA pode, portanto, ansiar por mais apoio.
Mas a economia como um todo está começando a perder o ímpeto e a tensão com a China pode intensificar ainda mais essa tendência. De fato, não seria surpreendente se os EUA terminassem o ano com um crescimento do PIB ao redor de meros 2%, um número bem inferior ao consenso das previsões (2,8 %). A perspectiva desanimadora, juntamente com condições financeiras gerais mais difíceis, uma
guinada negativa no mercado de crédito e políticas monetárias mais rigorosas, já começaram a surtir efeitos nos mercados de ações e interromper a curva de rendimentos. Um dólar persistentemente fraco vem ajudando os mercados de ações e títulos das já saudáveis economias emergentes, mas oferece aos mercados europeus pouco espaço para progresso.
Da mesma maneira, mantemos o nosso parecer de que a instabilidade atual do mercado reflete um período de transição entre dois paradigmas de mercado radicalmente opostos. Tal período de aumento da fragilidade requer uma gestão de riscos ativa e uma política de exploração dos surtos de reações exageradas dos investidores para comprar – por preços atrativos – as ações das companhias mais propensas a triunfar no novo paradigma de mercado prestes a emergir nos próximos meses.
Fonte: Bloomberg, Carmignac, 30/03/2018 *PMI (Purchasing Managers Indexes – Índices dos Gerentes de Compras) são os indicadores obtidos de pesquisas no setor industrial. *Diretor Executivo e Membro do Comitê de Investimento
SOBRE A CARMIGNAC
Fundada em 1989 por Edouard Carmignac e Eric Helderlé, a Carmignac é uma das principais gestoras de ativos da Europa. O capital da empresa é integralmente detido pelos seus gestores e funcionários. Esta estrutura acionária estável assegura a viabilidade da empresa a longo prazo e reflete o seu espírito de independência. Este valor fundamental garante a liberdade necessária para uma gestão bem sucedida a longo prazo. Com mais de € 60 bilhões* de ativos sob gestão, a Carmignac desenvolveu uma gama de 17 fundos de investimento que cobrem todas as classes de ativos – ações, títulos e diversificados – de forma a poder responder às expectativas dos investidores. Os fundos são comercializados ativamente em 11 países europeus: França, Luxemburgo, Suíça, Bélgica, Itália, Alemanha,
Espanha, Holanda, Áustria, Suécia e Reino Unido. Como parte do seu desenvolvimento internacional, a Carmignac possui filiais em Luxemburgo e Frankfurt, escritórios em Madrid, Milão e Londres. Os seus fundos estão igualmente registrados em Singapura e Taiwan e destinam-se aos investidores profissionais.

 

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