Roberto Brant*
Em um tempo em que as religiões tem sido um instrumento na politica para alimentar o odio e separar as pessoas, o Papa Francisco parece um personagem de um outro mundo. Sua coragem de trazer o cristianismo para a vida presente e para os homens reais, ao lado da sua insistência em convocar o que resta de inocência na condição humana, quase me levam a acreditar que ele recebe uma inspiração do sagrado, por mais que a idade tenha me tornado mais cético e mais descrente.
Na semana que passou, falando a jovens de uma fraternidade cristã, ele expressou dois pensamentos que deveriam provocar reflexão não apenas em quem compartilha um sentimento religioso de qualquer natureza, mas em todas as pessoas de boa vontade, nesta quadra de tanto sofrimento e tanta loucura na vida politica de muitas nações. O que se passa no Brasil de hoje, nos Estados Unidos e em tantas outras democracias, com a exaltação dos antagonismos, a volta da violência na politica e a sedução do autoritarismo, aponta para um futuro proximo em que o que ha de melhor na civilização humana pode perfeitamente desaparecer.
A primeira palavra de Francisco é uma senha para um mundo novo, tão diverso daquele que estamos vivendo: “a politica é acima de tudo a arte do encontro”. Encontro significa aceitar os outros e suas diferenças e não levar a luta politica às ultimas consequências. Nas democracias nenhuma vitoria politica é definitiva, nenhum poder é absoluto e a politica não controla a totalidade da vida. Nelas não ha derrota final porque não existe vitoria final. Onde o poder é absoluto e a politica esta presente em tudo não ha sequer lugar para a luta politica. Por isto, onde a luta politica é possivel não podemos permitir que ela propria destrua o ambiente de liberdade e de cooperação, que é o unico em que ela pode existir e que chegou até nos pelo sacrificio e o mérito dos que viveram antes de nos.
Toda sociedade convive com duas forças divergentes: os instintos de competição e de cooperação. A luta pela conquista do poder é natural em todos os grupos humanos, mas so conseguem prosperar aqueles nos quais a politica organiza a competição social de um modo que as forças da cooperação não sejam neutralizadas ou enfraquecidas. Quando a politica deixa de cumprir este papel, a luta pelo poder torna-se um fim em si mesma e os recursos e energias da sociedade deixam de ser aproveitados para o progresso de todos.
Esta é tipicamente a situação em que nos encontramos. Nosso sistema politico tem sido incapaz de criar e prover os canais de dialogo nos quais os diferentes grupos da sociedade possam articular suas visões do mundo e seus interesses legitimos. O resultado é que a luta pelo poder acaba se resumindo numa disputa de personalidades, ao invés de ser uma reflexão sobre os imensos desafios que o pais tem diante de si. Não se pode esquecer que o Brasil é o unico pais do mundo que é rico, enquanto sua população é quase toda pobre, ou muito pobre. E que em 2022 nossa renda por habitante é 8% menor do que era em 2013. Além de pobres não crescemos mais, porque escolhemos a politica como desencontro.
A outra palavra forte de Francisco é que precisamos confrontar nossas ideias com a profundidade da realidade, pois a realidade é mais importante do que as ideias e não podemos fazer politica com ideologia. A experiência da historia ja demonstrou que as ideologias, todas elas, são versões ficticias do mundo real, construidas de proposito para manipular as pessoas, com finalidade politica.
Nosso destino neste momento esta atrelado a visões ideologicas, que deixam de fora da competição politica todos os problemas que precisam ser enfrentados e todas as duras soluções que precisam ser adotadas. O resultado das eleições nestas circunstâncias corre o risco de ser uma mera vitoria de uma irrelevância sobre outra, de uma falsidade sobre outra.
Resta a esperança de que a visão redentora de Papa Francisco, por um milagre, caia sobre nos, pois muito pouco podemos esperar da sabedoria dos homens da terra.
*Advogado, ex-deputado federal e ex-ministro da Previdência