O olhar de um americano sobre o empreendedorismo no Brasil
O olhar de um americano sobre o empreendedorismo no Brasil
O olhar de um americano sobre o empreendedorismo no Brasil

Christopher Spikes

“O Brasil não é para principiantes”, diz uma maxima atribuida ao grande compositor brasileiro Tom Jobim que se comprova repetidamente ao longo dos anos.

A terra tropical é fértil, mas fez gigantes do porte de Nike, Adidas e Under Armour, cujo sucesso global não pode ser plenamente replicado no Pais, recuarem e reduzirem seus investimentos no Pais. As marcas chegaram a fechar lojas, escritorios e despedir varios colaboradores. O mercado brasileiro ja afastou também players como TGI Friday’s – que precisou se recobrar durante um periodo de 7 anos antes de voltar para o Brasil apos uma experiência frustrada de expansão regional em um pais vasto e diverso, que a marca ainda não conhecia profundamente. TomTom e Lime engrossam as fileiras de marcas estrangeiras bem-sucedidas em outras regiões que não conseguiram conquistar o mercado brasileiro.

Aqui, até mesmo Henry Ford beijou a lona. O lendario empreendedor americano teve um prejuizo de 200 milhões de dolares com a Fordlândia, cidade criada para tornar a Ford independente do latex do Sudeste Asiatico, que, à época, se encontrava colonizado pela Grã-Bretanha. O fracasso da empreitada foi largamente motivado pelo fato de que a iniciativa não foi pensada para se adaptar à realidade da região. Os problemas englobavam desde o desconhecimento da flora nativa até a implementação uma cultura de trabalho que não condizia com os costumes locais.

Os desafios continuam grandes e, além da vastidão territorial e da diversidade das populações brasileiras, incluem obstaculos como a burocracia, lacunas na educação e violência. No 124º pais do mundo (de um total de 190) no ranking que mede a facilidade de se fazer negocios, o processo de abrir uma empresa pode tomar até 5 meses ou mais, dependendo das licenças necessarias. A isso se soma um cenario em que cidadãos formados em escolas de elite pontuam menos do que alunos de baixa renda de diversos paises, o que não favorece a formação abundante de profissionais qualificados.

Para completar o quadro, a violência no Brasil é mais severa do que em paises em estado de guerra decretada, como a Siria. Isso significa que qualquer empresa que aqui se instala deve saber se adaptar a uma realidade em que as ruas não são tranquilas. Medidas de segurança como a atenção a horarios de funcionamento em certos locais, entre outros pontos, são vitais para a continuidade do negocio e podem ser facilmente esquecidas por empreendedores vindos de paises onde esse problema não existe.

Nada disso deve ser novidade para quem ja conhece o Pais, porém, quando eu cheguei aqui, precisei aprender cada uma dessas lições do zero – minha sorte foi contar com uma parceira nativa que me ajuda a navegar essas aguas incertas e prosperar em um mercado que é tão promissor quanto desafiador.

É desse panorama complexo que também puderam nascer correntes e tendências culturais intensas, como foi o movimento antropofagico eternizado por figuras como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Anita Malfatti, entre tantos outros. Foi pensando nesse legado que descobri o caminho para criar uma marca verdadeiramente brasileira que digerisse aprendizados e elementos do que ja foi produzido em outros paises e incorporasse aquilo que so se encontra por aqui de forma a constituir algo inteiramente novo e autêntico – um processo que tudo tem a ver com o espirito do Brasil.

Agora, reuno algumas dicas para quem deseja empreender neste pais imenso e labirintico na esperança de que surjam cada vez mais iniciativas antropofagicas para que o mercado brasileiro siga se desenvolvendo e abrindo suas portas. Confira abaixo:

Foque nos fundamentos: É muito importante se concentrar em fazer o basico bem feito antes de inovar. Um serviço de atendimento que se comunique com o cliente com empatia e seja capacitado para tomar decisões, por exemplo, ja pode se tornar um grande diferencial. No Brasil, é muito comum que o serviço deixe a desejar. Os consumidores ja esperam que um produto atrase e sofrem para devolver um produto. Os brasileiros devem contar com orgãos como ANAC, PROCON e ANATEL simplesmente para receber uma devolução – uma realidade um tanto distinta da vivida nos Estados Unidos, por exemplo. Um simples gesto amistoso por parte de uma marca que pratica a politica de “ame ou devolva”, por exemplo como é feito na Authen, pode conquistar o cliente e elevar a barra do mercado. Nossas clientes podem inclusive retirar a etiqueta, correr com o item, suar e devolver o produto molhado.

Ofereça autonomia real: O mercado brasileiro é muito hierarquizado. As decisões vêm de cima para baixo e desafiar a autoridade de um chefe pode ser muito mal visto. Ao chegar aqui, entrevistei dezenas de pessoas buscando sair de seus trabalhos porque o lider delas era autoritario e deixava pouco espaço para desenvolvimento pessoal das pessoas. Cheguei a ouvir que chefes disseram coisas do tipo: “não pago você para pensar”. Sério? Autonomia não é direito, e sim responsabilidade. O ideal é oferecer um treinamento rigoroso para desenvolver a melhor versão dos colaboradores dentro e fora do trabalho passando por topicos como autenticidade, ego e locus de controle. Sem autonomia a equipe não consegue crescer, não se desenvolve. Investir em seus funcionarios, pedir e dar feedback são ações que parecem basicas, mas podem atrair os melhores talentos em um cenario onde isso não é praticado com frequência.

Decisões locais: Se todas suas decisões estratégicas e taticas residem fora do Pais, você não vai dar certo aqui. Cada pais tem suas peculiaridades, porém, pelas suas dimensões e diversidade populacional, é preciso ter tomadores de decisões locais de alto escalão cuidando de temas como produto, pagamentos, canais, promoção etc. Não é so traduzir campanhas para o português: se seu mix de marketing é centralizado fora do Brasil, você vai cair.

Multiplicador Brasil: A cultura no Brasil é bem positiva e as pessoas preferem evitar conflitos. “Sim” significa “talvez”, “talvez” significa “não” e “não” é um tapa na cara. As notas de net promoter scores (NPS) no Brasil são muito altas. Isso não acontece porque o serviço é bom, mas porque os clientes não costumam dar notas ruins. Se você não entender isso e conseguir ler as entrelinhas, você não vai saber o que de fato esta acontecendo com seus clientes, produto ou time. Eles não vão chamar atenção para as maiores ameaças ou oportunidades- é você que tem que interpretar isso.

Podem parecer dicas meio obvias, principalmente se você for brasileiro, mas algumas das grandes marcas globais que tropeçaram no Brasil poderiam ter se beneficiado delas.

*Fundador e CEO americano da Authen, Christopher Spikes tem paixão de longa data pelo esporte – e pelo Brasil. Desde que fundou a marca, em 2015, conquistou rapidamente os corações (e armarios!) de corredoras e atletas brasileiras de alta performance. Operador experiente de estratégia e varejo, Spikes ja ocupou posições de liderança nas areas estratégicas da Bain & Company, bem como no Groupon Brasil, apoiado pela Rocket Internet, onde conseguiu transformar uma de suas unidades com desempenho inferior.

Christopher foi reconhecido por varias publicações – incluindo Forbes, Vogue e Women’s Health – como inovador em moda e tecnologia aplicada. Iniciou sua carreira na Siemens como engenheiro focado no setor de logistica e distribuição e possui um MBA da Booth School of Business da Universidade de Chicago.