O ciclo de inovação e o capitalismo natual

Paulo R. Haddad*

“A melhor forma de prever o futuro é criá-lo.”

Qual o cenário mais provável para a evolução da economia brasileira no próximo triênio? Cenário é um mapa de possibilidades procurando entender o que poderá ocorrer se forem mantidas as restrições e condicionalidades que se impõem ao desenvolvimento sustentável do País, assim como se forem mantidas as tendências das decisões político-institucionais prevalecentes na atualidade.

Ocorre que a Economia não é uma ciência física com narrativas determinísticas, mas uma ciência construída pela ação dos homens e das mulheres no exercício de suas liberdades individuais e coletivas, em um contexto de instituições estruturadas pelas gerações passadas. Assim, cenários não são projeções, mas mapas de possibilidades e opções, particularmente úteis para contextos de rápidas mudanças. 

Quando se observam as experiências de superação de crises econômicas na América Latina, há uma tendência para que governos orientados por programas de gestão primariamente ideológicos elaborem um modelo de política econômica descompassado do contexto histórico em que se situam. Normalmente, os seus programas apresentam uma sobrecarga de fundamentalismos ideológicos, aos quais se apegam em uma rígida trajetória linear de gestão, indiferentes aos problemas e às potencialidades das novas realidades do cotidiano assim como às condicionalidades impostas pelo passado. 

Diferentes contextos históricos requerem diferentes modelos de política econômica. A Economia dispõe de uma multiplicidade de modelos sob medida para uma variedade de contextos históricos, um verdadeiro mosaico de modelos alternativos. A política econômica tem de ser contexto-específica e apresentar intensa docilidade às novas realidades de uma economia com renovação de ideias e de modelos. Daí Peter Drucker afirmar que a melhor forma de prever o futuro é criá-lo.

Nos últimos anos, a economia brasileira cresceu lentamente, impulsionada pela demanda das famílias que se endividaram profundamente ao longo dos últimos anos.A proporção das famílias endividadas tem ficado em torno de 75%, ainda com elevado nível de inadimplência, sendo que as últimas medidas tomadas pelo Banco Central impactam, principalmente, o perfil da dívida no tempo, não tanto a renda disponível ou discricionária para as famílias expandirem as despesas de consumo de bens duráveis e não duráveis. Há, pois, uma certa exaustão de que se denomina debt-led growth (crescimento impulsionado pelo endividamento), que se manifesta pelo elevado índice de insegurança ou de fragilidade financeira das famílias brasileiras.

Da mesma forma, a economia brasileira cresceu a partir da abertura dos anos 1990, quando o processo de globalização impôs que as empresas se atualizassem em termos de novos processos produtivos, de novas técnicas de organização, de novos mercados, de novas estratégias empresariais de baixo custo, de diferenciação dos produtos ou de diversificação das atividades. Como resultado, houve ganhos de produtividade e de competitividade que alavancaram algum crescimento na economia.

Mas, não podemos apostar em um processo de retomada do crescimento na expectativa de dinamização do export-led growth (crescimento impulsionado pelas exportações), pois a economia mundial passa por um longo processo de lento ou quase-recessivo crescimento e, simultaneamente, de ampliação do neoprotecionismo nas economias desenvolvidas.

Mesmo nesse contexto de exaustão das duas principais fontes de crescimento no período recente, há uma tendência autorreguladora do organismo econômico que permite manter, pelo menos, o estado de equilíbrio interno de seus principais grupos de interesses. O equilíbrio interno ocorre ou porque os detentores de capital financeiro estão usufruindo de parcelas crescentes da renda nacional ainda que semiestagnada, ou porque os grupos sociais de baixa renda estão conformados com as generosas benesses distributivas das políticas sociais compensatórias.

No curto prazo, não há no horizonte um contexto de rupturas sociais ou de veias abertas no sistema. Basta lembrar que as taxas de juros têm permanecido entre as maiores do Mundo e que as políticas sociais têm ampliado o número de beneficiários à medida que avançam as condições de pobreza e de miséria entre os brasileiros. Neste caso, destaca-se que: no mês de agosto deste ano, já eram 21 milhões e 140 mil famílias beneficiárias do Bolsa Família, mais de 4 milhões de brasileiros recebendo o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e mais 8 milhões e 400 mil de beneficiários da Previdência nas áreas rurais. Configura-se deum lado, uma sociedade conformista e complacente com as desigualdades sociais (que poderíamos chamar lamentavelmente de uma sociedade neomalthusiana) e, do outro lado, uma sociedade sofrida e imersa nas entranhas da pobreza e da miséria (que poderíamos chamar lamentavelmente de uma sociedade 0800).

Esse estágio de letargia social de “uma economia em banho-maria” pode se prolongar ao longo do tempo por alguns mandatos presidenciais coeteris paribus (se não houver uma grande transformação socioeconômica e socioambiental). Por isto, necessitamos urgentemente de estruturar e implementar um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, com estabilidade monetária. Mas, de onde virá o crescimento econômico para gerar o excedente econômico que irá viabilizar esse ciclo?

Os limites da macroeconomia de curto prazo: o PIB potencial

Quais são os limites e as possibilidades para a formação de um novo ciclo de expansão da economia brasileira? No curto prazo, esses limites são definidos pelo PIB potencial.

O PIB mede o total de bens e serviços finais produzidos dentro de determinada área geográfica por residentes e não residentes, durante um certo período. E o PIB potencial é definido como o nível máximo do produto que pode ser alcançado pela economia, sem gerar pressões inflacionárias – o que equivale ao nível máximo do PIB possível.

O Banco Central utiliza o conceito de PIB potencial para monitorar o processo inflacionário. Preocupa particularmente ao Banco Central, para a gestão da política monetária, o cálculo do hiato do produto que mede a diferença entre o produto efetivo e o produto potencial. Uma tendência ao fechamento do hiato do produto pode significar que o elevado nível de utilização da capacidade produtiva e o baixo nível da taxa de desemprego da mão de obra podem induzir uma aceleração da taxa de inflação. Quanto mais próximo o nível de produção de um país for do limite de sua potencialidade produtiva, maior a probabilidade que a inflação acelere.

Uma visão contemporânea do PIB potencial procura incorporar a dimensão ambiental neste conceito. A escala da economia tem um limite máximo definido também pela capacidade regenerativa ou pela capacidade assimilativa dos ecossistemas, aquela que for menor. 

Há duas formas de introduzir os ecossistemas no conceito de PIB potencial ecológico. Na primeira, todas as espécies não humanas e seus habitats são avaliados apenas instrumentalmente, de acordo com sua capacidade de satisfazer os desejos humanos; seu valor intrínseco é considerado nulo. Na segunda, outras espécies e seus habitats são preservados além do ponto necessário para evitar o colapso ecológico ou a decadência cumulativa, e além do ponto de conveniência instrumental máxima (a natureza tem o seu próprio valor independente da experiência humana).

O setor produtivo pode continuar expandindo o PIB real efetivo para além do PIB potencial ecológico, através do uso não sustentável do capital natural, o que não tem sido captado pelas contas nacionais (mais grãos e mais carnes com desmatamento das florestas tropicais, por exemplo). Neste caso, o consumo predatório do capital natural é contabilizado como crescimento do PIB real, mas a perda econômica com o desmatamento (banco genético, biomassa, fertilidade do solo etc.) passa a ser captada apenas pelo PIB potencial ecológico.

Em anos recentes, os primeiros sinais da aceleração inflacionária, quando se inicia algum ciclo de expansão da economia global, têm sido dados pela elevação dos preços relativos dos produtos intensivos direta e indiretamente de recursos naturais, antes mesmo de se aproximar da taxa natural de desemprego em muitos países.

Essa aceleração inflacionária dependerá, pois, da intensidade de recursos e funções ambientais incorporada no PIB e na sua utilização, assim como da própria composição de bens e serviços do PIB (pegadas ecológicas, agricultura de baixo carbono, resíduos sólidos etc.). Dada a atual voracidade de demanda de recursos naturais pelos países asiáticos, é possível, pois, deslocar o seu impacto inflacionário em escala global por meio da expansão da fronteira do PIB potencial ecológico através de inovações tecnológicas e mudanças estruturais.

Essa concepção de PIB potencial é extremamente relevante do ponto de vista da organização do sistema econômico e da resiliência política da democracia brasileira. Basta lembrar que, na atual conjuntura econômica, a aceleração do processo inflacionário pode ter um efeito perverso e recorrente sobre a distribuição de renda, sendo mais destrutivo sobre as condições de vida dos mais pobres do que os benefícios de algumas políticas sociais compensatórias.

Felizmente, o Banco Central tem realizado um trabalho eficiente e eficaz de guardião da estabilidade monetária e evitado que a economia entre num processo de desorganização estrutural, como tem ocorrido na Argentina com o avanço das taxas de inflação.

Neste sentido, destacam-se as palavras de Lênin sobre a importância do valor da moeda. Segundo Keynes, Lênin disse que: “A melhor forma de destruir o sistema capitalista seria corromper o dinheiro. Em um processo contínuo de inflação, governos podem confiscar, sem serem observados, uma parte importante da riqueza de seus cidadãos”.

Não podemos pensar em um novo ciclo de expansão considerando apenas o conceito de PIB potencial construído no escopo dos limites macroeconômicos de curto prazo. É preciso pensar a aceleração do crescimento da economia brasileira na perspectiva de uma nova revolução industrial que sirva de fundamento para um processo de desenvolvimento sustentável do Brasil.

A nova revolução industrial

As revoluções industriais, que vêm ocorrendo na história mundial desde o século 18, resultaram em aumentos significativos na produtividade da mão de obra. As ondas de inovação, que vão desde a energia a vapor às redes digitais, trouxeram grande prosperidade para muitas nações, multiplicando o rendimento do trabalho por algumas centenas de vezes em relação aos valores que prevaleciam em 1785. Na verdade, de acordo com Schumpeter, o capitalismo evolui segundo as ondas de inovação científica e tecnológica.

Ao longo das quatro últimas décadas, há, em escala mundial, uma crescente inquietação quanto à capacidade de suporte da base de recursos naturais do Planeta para acomodar a intensificação dos níveis de acumulação, de produção e de consumo de milhões e milhões de habitantes, que vêm sendo incorporados aos diversos mercados de bens e serviços. Somam-se a isto, os impactos destrutivos que as mudanças climáticas têm provocado sobre os ecossistemas mundiais. No caso brasileiro, a inquietação da opinião pública se estende desde o desmatamento das florestas tropicais até a degradação ambiental das principais bacias hidrográficas do País, passando pela intensa poluição do ar nas grandes metrópoles. Destaca-se a demanda de alimentos que tem crescido em escala mundial em função da melhoria do padrão de vida dos países menos desenvolvidos ou em função também de programas compensatórios de combate à fome.

Devido a essas inquietações tem surgido um grande número de propostas para se construir uma nova ordem econômica internacional, baseada em uma concepção abrangente e ampliada de desenvolvimento sustentável. Entre essas propostas destaca-se a que afirma estarmos caminhando para uma nova revolução industrial, na qual se processam mudanças radicais na produtividade dos recursos materiais e de energia, e na qual a emergência de um capitalismo natural se torna inevitável.

Um elemento central do capitalismo natural é a ideia de que a economia moderna já está passando de uma ênfase na produtividade humana para um aumento radical na produtividade dos recursos naturais (reciclagem de resíduos, usos múltiplos da água, melhorias nos coeficientes técnicos de produção, agricultura de precisão etc.). Já há estudos mostrando ser possível quadruplicar a produtividade dos recursos na medida em que se compreenda melhor o extraordinário desperdício de materiais e de energia no atual sistema industrial. 

Como as ondas de inovação são fundamentais para a prosperidade econômica, a expansão da produtividade dos recursos naturais se baseia nas inovações da ecologia industrial, da biomimética, do sistema de design integrado, da nanotecnologia, da química verde etc., ou seja, inovações intensivas de ciência e tecnologia. No Brasil, está em andamento o projeto do Terceiro Salto das Inovações Científicas e Tecnológicas da Agropecuária Brasileira, o qual, entre outros projetos da Nova Revolução Industrial, visa a inovar na produção de alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas.

A doutrina do capitalismo natural propõe que haja reinvestimentos na sustentação, na restauração e na expansão dos estoques de capital natural, a fim de que a biosfera possa produzir serviços de ecossistemas e recursos naturais mais abundantes.

O capitalismo natural propõe, também, um novo modelo industrial, no qual nem todos os produtos sejam apenas manufaturados e vendidos, mas que surja uma economia de serviços em que os consumidores adquirem serviços de bens duráveis por meio de aluguel e arrendamento, de tal forma que a indústria se responsabiliza pelo ciclo completo de materiais. A indústria deve lidar com os resíduos e os problemas resultantes de danos ambientais, e deve recuperar os produtos e tratá-los como ativos, o que termina por aumentar a produtividade dos materiais e da energia.

A construção de um ciclo de desenvolvimento sustentável deve, pois, se basear em inovações científicas e tecnológicas baseada num tripé de três ideias-força: transformação, endogenia e participação. Deve-se evitar, ao mesmo tempo, o Princípio de Pollyanna entre as responsáveis pela condução do processo de reestruturação do País.

Pollyanna é um clássico da literatura infanto-juvenil, escrito e popularizado a partir de 1913. Pollyanna gostava de praticar um jogo que consistia em extrair algo de positivo mesmo nas coisas mais desagradáveis ou desfavoráveis. Na Psicologia Social, essa atitude recebeu a denominação de “Princípio de Pollyanna” para designar atitudes ingênuas diante de situações dramáticas, sofridas ou até mesmo catastróficas na formulação e execução das políticas públicas.

A preferência, ao se formular e implementar uma política econômica para um país em crise socioeconômica e socioambiental, deveria ser, segundo o neuropsiquiatra austríaco Victor Frankl, pelo otimismo trágico: “Espera-se que certo otimismo com relação ao nosso futuro possa fluir das lições do nosso trágico passado”.

Economista, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda

MERCADOCOMUM estará circulando em dezembro com uma edição especial impressa e outra eletrônica trazendo matérias sobre os premiados, as empresas/instituições e personalidades, destacando a relevância da premiação para a economia e o desenvolvimento de Minas Gerais. Cabe ainda ressaltar a importância da realização desse evento, que reúne expressiva parcela formadora do PIB mineiro e obtém ampla repercussão da mídia em geral. Nesta edição especial constará o descritivo do XXVII Ranking de Empresas Mineiras, listando-se as “500 Maiores Empresas de Minas – 2023” – em ordem alfabética, por setor econômico, receita operacional líquida, resultado, patrimônio líquido e ativos totais.

MercadoComum, ora em seu 30º ano de circulação e em sua 324ª edição é enviado, mensalmente, a um público constituído por 118 mil pessoas formadoras de opinião em todo o país, diretamente via email e Linkedin, Whatsapp/Telegram, além de disponibilizar, para acesso, o seu site www.mercadocomum.com, juntamente com as suas edições anteriores. 

De acordo com estatísticas do Google Analytics Search a publicação MercadoComum obteve – no período de outubro de 2022 a agosto de 2023 – 9,56 milhões de visualizações – das quais, 1.016.327 ocorreram de 14 de agosto a 10 de setembro/2023.

Tráfego orgânico MercadoComum bY SEO MUNIZ

O XXV Prêmio Minas – Desempenho Empresarial – Melhores e Maiores Empresas – MercadoComum – 2023 conta com o apoio da ACMINAS – Associação Comercial e Empresarial de Minas; ASSEMG – Associação dos Economistas de Minas Gerais; Fórum JK de Desenvolvimento Econômico; IBEF – Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de Minas Gerais e MinasPart- Desenvolvimento Empresarial e Econômico Ltda

O prazo para reserva de espaço para as publicidades na edição especial de MC será até o dia 31 de outubro e, a entrega de materiais, até o dia 16 de novembro.

As empresas agraciadas que participarem desta premiação, através da veiculação de uma página de publicidade na edição especial impressa e eletrônica, bem como no site desta publicação, além de um descritivo institucional sobre as mesmas receberão, também, um diploma impresso em papel especial, um troféu em aço inox e terão direito, adicionalmente, a uma mesa exclusiva de 8 lugares para a solenidade de premiação e jantar de confraternização. Também participarão de um almoço especial que ocorrerá em dezembro, em Lagoa Santa-MG, em homenagem aos agraciados.

Rota

Sua localização:

Mercado Comum: Jornal on-line - BH - Cultura - Economia - Política e Variedades

Rua Padre Odorico, 128 – Sobreloja São Pedro
Belo Horizonte, Minas Gerais 30330-040
Brasil
Telefone: (0xx31) 3281-6474
Fax: (0xx31) 3223-1559
Email: revistamc@uol.com.br
URL: https://www.mercadocomum.com/
DomingoAberto 24 horas
SegundaAberto 24 horas
TerçaAberto 24 horas
QuartaAberto 24 horas
QuintaAberto 24 horas
SextaAberto 24 horas
SábadoAberto 24 horas
Anúncio