O Homem e a Mancha, monólogo de Caio Fernando Abreu com Marcos Breda, e Zapato busca Sapato abrem programação.
Agenda gratuita e on-line tem 25 montagens, de grupos das cinco regiões do País, exibidas às quintas e sextas, sempre às 18h30, até outubro.
(Na imagem, os espetáculos O Homem e a Mancha: 24 anos-luz e Zapato Busca Sapato – Divulgação)
A Fundação Nacional de Artes lança no dia 5 de agosto a primeira edição do Festival de Teatro Virtual, voltado a diferentes públicos. Vinte e cinco espetáculos, cinco de cada região do País, serão exibidos no canal da Fundação no YouTube (www.youtube.com/funarte) todas as quintas e sextas, sempre às 18h30, até o final de outubro. A agenda da primeira semana tem duas montagens da região Sudeste: na quinta-feira, o ator, professor, produtor e diretor Marcos Breda apresenta nova encenação de O Homem e a Mancha, de Caio Fernando Abreu, com diferentes personagens e tempos dentro de um só e direção de Aimar Labaki; no dia seguinte, será a vez da Trupe de Truões com Zapato busca Sapato, história para todas as idades sobre um “sapato recém-nascido” à procura de seu par.
A programação é resultado do edital Prêmio Funarte Festival de Teatro Virtual 2020, lançado em agosto daquele ano. O objetivo era incentivar montagens para apresentação virtual e contribuir para a manutenção de coletivos, grupos e companhias. “Ele foi elaborado em meio a pandemia como uma saída, uma alternativa de fomento à classe artística, contemplando não apenas os artistas, mas também os técnicos”, comenta Renata Januzzi, coordenadora de Teatro e Ópera da Funarte. Com o festival, a Fundação busca ainda estimular a democratização e a acessibilidade à linguagem artística.
O Teatro Virtual faz referência e homenagem a outro projeto da Funarte, a Série Seis e Meia, que promovia shows de música sempre às 18h30. A ideia é manter o compromisso de levar arte ao público com assiduidade, em um horário acessível, mesmo que à distância. Os vídeos, previamente gravados, ficam disponíveis gratuitamente para o público após a exibição.
Renata Januzzi ressalta a força histórica do teatro, que hoje enfrenta mais um desafio para se manter presente. “O teatro é uma arte milenar e vem sobrevivendo a diversas ameaças de extinção. Dentre elas, a tecnologia, que já foi uma dessas ameaças, surge agora como uma solução de fomento a uma linguagem tão artesanal.”
O artista Marcos Breda, que abre a programação com O Homem e a Mancha: 24 anos-luz, reforça que, apesar do teatro presencial ser insubstituível, as atividades on-line têm apresentado “resultados incríveis”, com atores e diretores se reinventando de “mil formas”. Breda acredita que a internet não se constitui como limitação, mas como “nova possibilidade”. “Há séculos, dizem que o teatro vai acabar. Quando começou o rádio, diziam que era o fim; quando veio o cinema, quando veio a TV. Só que o teatro não acaba. Quanto mais ele fica fiel a sua essência, mais ele é capaz de se transmutar. O teatro é um vírus praticamente indestrutível, ele sobrevive, sofre mutações, se disfarça, se transforma, se traveste. Quando você vê, ele está ali de novo.”
Laís Batista, da Trupe de Truões, que participa com Zapato Busca Sapato, conta que o desafio na produção on-line é “manter o máximo da teatralidade” das obras, buscando qualidade técnica das gravações, edições e transmissões. Para ela, a presença no prêmio da Funarte foi o diferencial que permitiu alcançar esse objetivo. “Contratamos uma equipe profissional do audiovisual, que agregou muita qualidade ao nosso trabalho. O cineasta Yuji Kodato captou as imagens, trazendo a câmera em movimento para dentro da cena. Também contamos com o trabalho de Lucas Vidal para a captação e edição de áudio”, comenta.
Breda também destaca a qualidade de toda a equipe envolvida com O Homem e a Mancha, reunida pela paixão ao projeto e ao autor da obra, Caio Fernando Abreu, com nomes como Jacob Solitrenick, na fotografia.
Celebração afetiva e artística a Caio Fernando Abreu
O Festival de Teatro Virtual abre sua primeira edição com um espetáculo que celebra o legado do contista, romancista, dramaturgo e jornalista brasileiro Caio Fernando Abreu (1948-1996). Marcos Breda, unido ao diretor Aimar Labaki, registra uma releitura do monólogo O Homem e a Mancha em vídeo, que inclui gravações de diferentes tempos. O Homem e a Mancha: 24 anos-luz tem filmagens realizadas em janeiro deste ano, na Sala Guiomar Novaes, do Complexo Cultural Funarte SP, para o Festival Teatro Virtual; imagens de arquivo da mesma peça encenada por Breda em 1996, 1997 e 2016, com direção de Luis Artur Nunes; e registros do próprio Caio Fernando Abreu, em 1994, lendo as rubricas de como desejava cada cena.
Enquanto o vídeo apresenta tempos distintos, a própria obra de Caio Fernando Abreu fala de diferentes personagens dentro do mesmo, como uma matriosca, uma boneca-russa. “A peça começa com um ator; de dentro desse ator, sai um funcionário público aposentado; de dentro dele, sai um paciente de uma sessão de psicanálise; dentro desse paciente, nasce o Dom Quixote, no início de sua trajetória; e, dentro dele, sai o último personagem, o cavaleiro da triste figura, que é Quixote no final de sua trajetória. Esses personagens se metamorfoseando entre si, com recursos mínimos de voz, corpo e pequenos adereços, essa era a ideia básica”, aponta Breda, reforçando a potência do teatro de formar cenas a partir de símbolos muito simples, sem precisar de grandes efeitos como na TV e no cinema.
Breda conta que Caio escreveu o texto sob encomenda para o ator Carlinhos Moreno, como uma adaptação para monólogo do livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Como Carlos Moreno acabou não montando a encenação, Breda informou a Caio que gostaria de realizar a tarefa. “Eu tenho até uma foto, eu e o Caio sentados aqui no sofá da minha casa lendo esse texto pela primeira vez. A gente estreou em novembro de 1996, exatos nove meses depois da morte do Caio, e essa peça ficou três anos em cartaz, rodando pelo Brasil. Terminamos a trajetória dela e, 20 anos depois, eu e o Luis Artur resolvemos remontar a peça em forma de leitura dramatizada multimídia”.
Breda destaca, citando o diretor e acadêmico Luis Artur Nunes, que O Homem e a Mancha é como um “testamento” artístico que reúne os principais legados da obra de Caio Fernando Abreu. O texto original tinha uma hora e meia e foi adaptado para uma hora de espetáculo. Breda desenvolveu uma pesquisa de áudio do Caio, por vezes reconstruindo frase a frase, em um “corte e costura” para as circunstâncias da montagem. Para Breda, mais do que uma obra artística, o resultado é um “depoimento afetivo em cima da memória de um grande artista e de um grande amigo, que abriu infinitas portas para todos nós”.