Carlos Alberto Teixeira de Oliveira
Presidente/Editor Geral de MercadoComum
Em comemoração aos 120 anos do nascimento do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira no próximo dia 12 de setembro e aos duzentos anos da independência do Brasil, ocorrida em 7 de setembro de 1822 publicamos, a seguir, textos de discursos e pronunciamentos do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, por ocasião de diversos eventos promovidos para a celebração desta importante data para todos nós brasileiros.
Os mesmos foram extraídos da coletânea de 3 exemplares – 2.336 páginas, intitulada “Juscelino Kubitschek: Profeta do Desenvolvimento – Exemplos ao Brasil do Século XXI, de minha autoria e lançada por MercadoComum, em 2018.
1 – O direito da liberdade individual é um bem sagrado e a democracia política é um conceito de valor insubstituível
Trechos do pronunciamento aos estudantes concentrados no pátio do edifício do Ministério da Educação, em celebração da independência – realizado no dia 6 de setembro de 1958, no Rio de Janeiro – DF:
“E, neste momento, vereis nas Forças Armadas, como estamos vendo, uma consciência vigilante e uma compreensão perfeita de que a independência política de um povo, sendo uma etapa de sua evolução, acabará por transformar-se em mera sombra e ridícula ficção, se não for completada com a emancipação econômica e a dignificação social desse mesmo povo.
Na verdade — e estas palavras desejo dirigir aos jovens ainda mais como advertência do que como lição — o direito da liberdade individual é um bem sagrado e a democracia política é um conceito de valor insubstituível, mas não vos esqueçais de que tanto a liberdade individual como a democracia política só podem subsistir nos dias de hoje — e queremos que subsistam e se fortaleçam — desde que tenhamos a coragem e a decisão de a uma e a outra ajuntar a grandeza nova, mas já consagrada, de um programa social.
Por outro lado, um programa social, para beneficiar ao mesmo tempo a nossa gente e a nossa terra, deve concentrar-se na obra de libertação econômica e financeira do Brasil, com o aproveitamento e a utilização das nossas riquezas de solo e subsolo. E por isso é que me empenhei no meu programa de candidato à presidência da República, e por isso é que me empenho hoje, como chefe do governo e chefe do Estado, na causa da libertação econômica e social do Brasil, tanto dentro das nossas fronteiras como no ambiente internacional. Sinto-me cada vez mais fortalecido neste propósito e neste ideal, pela solidariedade e colaboração de todos os meus auxiliares como do povo brasileiro. E esta é a tarefa, a causa, a campanha nacional da nossa geração e do nosso século. Ao século XVIII, coube a afirmação do espírito de autonomia local; o século XIX, a realização e consumação da independência política; a nós, homens deste governo e neste século XX, tocou-nos o destino privilegiado, se soubermos ser dignos dele, de conquistarmos para o Brasil a emancipação econômica como etapa final do movimento da independência que se iniciou — e com que emoção o relembro — nas terras de Minas Gerais e se exprimiu, depois, vitoriosamente no episódio de 7 de setembro de 1822. Espero ficar à altura desse destino. Espero e estou certo de que todos — e sobretudo a juventude — ficarão igualmente à altura desse destino nacionalista e patriótico.
Temos a convicção de que só por intermédio de uma política de interesse nacional poderemos tornar o nosso povo mais feliz e os nossos homens mais livres, tanto social como economicamente. Mas o puro e nobre e inteligente nacionalismo não se confunde com xenofobia. Da mesma maneira que a independência política de uma nação não significa isolamento dentro das próprias fronteiras ou hostilidade aos demais povos — assim também o nacionalismo não significa animosidade contra os estrangeiros, nem a recusa aos intercâmbios econômicos ou relações financeiras com os países mais ricos em dinheiro ou mais favorecidos em valores econômicos.
Desejamos, ao contrário, a colaboração de todos os povos, principalmente os do nosso hemisfério; acolhemos e estimulamos sempre a entrada de capitais estrangeiros em nossa pátria. Todos os estrangeiros que vierem para cá sem propósitos de subordinação ou inferiorização do nosso povo, todos os estrangeiros que vierem colaborar conosco e valorizar a nossa terra em harmonia com a sua — estes serão bem-vindos e bem recebidos, sem reservas ou agressividade, antes com afeto e cordialidade. Não somos isolacionistas, não somos xenófobos, não somos prisioneiros de nenhuma atitude mesquinha de inveja e de nenhum sentimento estreito de temor ou rancor ante os outros povos, ante qualquer outro povo. Mas somos, isto sim, defensores dos interesses do Brasil, numa orientação patriótica que está bem de acordo, aliás, com o espírito e as tendências da nossa época.
E pergunto nesta altura: só da nossa época? Lembro-me, a propósito, dos pródromos da nossa Independência. Debruço-me na História para evocar e rever o movimento idealista da Inconfidência Mineira. É um privilégio para mim — sendo um presidente da República e um homem de Minas Gerais, e sendo vós estudantes — poder evocar hoje aquelas figuras de universitários, em sua maioria mineiros, que sonhavam na Europa, cursando escolas francesas, com a independência do Brasil, como autênticos e juvenis precursores, bem antes do desfecho de 1822, e antes mesmo da Inconfidência em Vila Rica.
Todos tinham os olhos voltados para a recente e já tão vigorosa e próspera república norte-americana. Por isso, um desses admiráveis estudantes brasileiros decidiu-se, certa vez, a procurar Thomas Jefferson, então todo-poderoso embaixador dos Estados Unidos da América na França, a fim de pedir o apoio e o auxílio dos norte-americanos para a nossa independência. Estava Jefferson em condições de falar em nome de sua pátria, pois era um dos construtores da estrutura política e jurídica dos Estados Unidos da América, como doutrinário e líder de um dos seus grandes partidos. Pareceu evasiva a sua resposta, mas na verdade foi uma palavra prudente, justa e realista aquela que o embaixador norte-americano dirigiu ao nosso jovem estudante: — “Os Estados Unidos da América não podem nem devem intervir em assuntos internos e particulares do Brasil. Mas, se os brasileiros empreenderem um movimento pela independência de sua pátria, contarão com a simpatia dos Estados Unidos da América e, se realizarem a sua independência, contarão com o nosso apoio e a nossa colaboração”.
E assim aconteceu. Fizemos por nós mesmos a nossa independência política, e contamos em seguida com a compreensão dos outros povos do ocidente, principalmente dos Estados Unidos da América e da Inglaterra. Agora, o que desejamos e queremos é ampliar, aprofundar e engrandecer o movimento daquela heroica e histórica Independência que estamos comemorando. Por certo, a palavra de Jefferson continua viva e presente na política atual dos Estados Unidos da América. É do interesse do nosso continente e da civilização ocidental que se processem o progresso e a emancipação de todos os povos americanos — garantias em cada país daquela paz e daquela ordem tão necessárias à defesa do nosso hemisfério e à segurança das democracias ocidentais, em cuja vanguarda se encontram os governos e os povos do nosso continente, todos unidos num sistema de compreensão e de colaboração. Na verdade, esse é o conteúdo do pan-americanismo, conforme ficou demonstrado ainda recentemente, na Conferência do Panamá, quando todos os povos americanos participaram mais uma vez de uma magnífica confraternização continental, partindo do princípio da igualdade e da soberania de todos os nossos países.
E, entre nós, ainda e muito oportunamente, lembro-vos o exemplo de José Bonifácio de Andrade e Silva, conselheiro do príncipe Dom Pedro e patriarca da nossa Independência: o seu nacionalismo não se chocava com o universalismo de sua cultura de homem formado e vivido na Europa; o seu patriotismo parecia até encontrar seiva e força em sua capacidade de comunicar-se com o estrangeiro e aceitar, e até procurar, a comunicação com outros povos. Exemplo do Império, que se completa, na República, com o do Barão do Rio Branco, patriota flamante e nacionalista intransigente, estabilizador do mapa geográfico do Brasil, sempre voltado e sempre a defender a soberania brasileira, tanto nas fronteiras físicas como nas questões políticas ou econômicas, sendo ao mesmo tempo um chanceler que estabeleceu, como nunca, laços de fraternidade, compreensão, intercâmbio e comércio entre o Brasil e os outros povos.
E se vos lembrei e evoquei esses exemplos históricos — estudantes realizadores e componentes desta Festa da Mocidade — é que sei quanto sois sensíveis ao fascínio e às sugestões da História — hoje, como ontem, a grande “mestra da vida”, na clássica definição de Cícero. Atentai bem: o que ela nos ensina em nossos dias é que as nações só valem e só contam pela sua soberania, e soberania não apenas como fórmula jurídica, mas como realidade política, econômica e social.
Quanto a mim, meus jovens patrícios, foi isto principalmente o que jurei defender: a independência, a soberania, os interesses nacionais do Brasil. E a essa causa estou dedicado inteiramente, esquecido de mim mesmo e de tudo que haja em mim de pessoal.
Neste dia consagrado à comemoração da Pátria numa Festa da Mocidade — é com emoção que vos recordo este voto que fiz de dedicar-me à grandeza do meu país e doar a minha pessoa ao serviço do meu povo. É que julgo o nosso povo, principalmente a mocidade, capaz de compreender o significado desse voto patriótico, porque o idealismo é o seu estado de espírito, e o amor ao Brasil é a tônica dos seus sentimentos altos, nobres e generosos.”
ESPERANÇA E DESENVOLVIMENTO
Trechos do pronunciamento realizado em 5 de setembro de 1959 durante encontro com estudantes, no Estádio do Fluminense, reunidos nas vésperas das comemorações do Dia da Pátria, no Rio de Janeiro – DF:
“Sabeis que me refiro à esperança, ao germe da esperança, sem o qual viver é insuportável, sem o qual nada resiste, os países envilecem, se corrompem e se arruínam, perdendo a criatura de Deus o ânimo e a própria razão de ser.
Mesmo quando não existem razões de confiar, mesmo quando sobram os motivos para descrer — a esperança tudo enfrenta e tudo leva de vencida. É a força do homem, o seu tesouro recôndito, o seu amparo nas horas difíceis; por mais pobre que seja o espírito, por mais obscura e mesquinha a natureza do ente racional, Deus nela pôs o socorro da esperança, o alimento da esperança.
Não conheço maior crime neste mundo, nem ato mais vil, que o de privar alguém da legítima esperança, seja, conduzir os seres à solidão do desânimo. Na medida em que afugentar ilusões, desfazer mentiras é dever muitas vezes indeclinável, a destruição da esperança importa em contrariar a Deus, fazendo incorrer o homem no maior dos pecados, o de negar o poder da Caridade divina, pois só não são dignos de misericórdia os que perderam a esperança.
Isso tudo vos digo para, em consequência, alertar-vos contra os que procuram, ofendendo a verdade e a própria evidência, destruir as fundadas esperanças que os brasileiros depositam em sua pátria e em seu destino. Se, ainda quando não sobrem justificações, devemos ter sempre esperança — que ofensa a Deus é desanimar e descrer, quando há sobejas razões para confiar e esperar!
Como aceitar que continuem a negar o que é inegável, a mentir contra o que está claro, a envenenar com enredos falsos a límpida verdade? Como permitir que exponham somente aspectos negativos de um país em que tudo conduz à afirmação, à esperança, até mesmo nas dificuldades que se apresentam aos nossos olhos e decorrem, todas elas, da opção que fizemos, de havermos decidido abandonar a estagnação e assumir os riscos de acelerar o nosso desenvolvimento?
Não podemos consentir que, continuamente, envenenem os jovens, ocultando lhes, não apenas a grandeza e as possibilidades deste país, como a obra, o trabalho, os frutos realizados e obtidos graças ao labor e capacidade do povo brasileiro. Não temos de nos envergonhar do que fizemos com esta grande terra, cuja unidade soubemos manter através de perigos numerosos. Certo, não estamos entre os países desenvolvidos do mundo; mas já começamos a caminhar com firmeza para alcançar tal objetivo. Não encontramos um país fácil, nem condições inteiramente favoráveis, mas nunca cessou o nosso esforço de penetração do interior e de conquista da natureza.
Recentemente, tomamos providências de larga envergadura: ocupamos efetivamente o centro do Brasil, até aqui deserto. Estamos destruindo a solidão em que se encontravam zonas até hoje desdenhadas e pondo fim à condição de arquipélago em que vivíamos, com tantos núcleos de população dispersos e privados de meios de comunicação e intercâmbio.
Estamos cuidando de estabilizar e regularizar o curso do chamado “rio da unidade nacional”, esse São Francisco que não tardará em transformar-se num Nilo brasileiro, fonte de vida para uma imensa região. Multiplicamos o aproveitamento do nosso potencial energético e demos início a numerosos empreendimentos que possibilitarão o surto industrial do país em bases atualizadas. Semeamos, enfim, o que vós, jovens, recolhereis em futuro muito próximo.
Acusam o atual governo principalmente de sacrificar o presente em benefício de vós outros, das gerações jovens. Na verdade, não me quero defender dessa acusação de amar a juventude do meu país e desejar que nossos filhos encontrem uma nação mais bem aparelhada do que a que encontramos nós, que tivemos de suportar conflitos e trabalhos excessivamente árduos e pesados.
Se preparar o dia de amanhã, se tomar providências para o bem da posteridade, se acreditar que o Brasil continua pelo tempo afora é um crime — quero assumir aqui, perante vós e de peito aberto, juventude cujo julgamento me importa mais do que outro qualquer, essa responsabilidade.
Mas não é somente o amor que nutro pelas gerações novas o que me levou a cuidar do Brasil além do dia de hoje, a superar o imediatismo do cotidiano e a encarar os nossos problemas em perspectiva mais ampla e generosa. Na verdade, convenci-me de que não teríamos talvez de sobreviver, se os obstáculos à marcha acelerada do nosso país não fossem removidos sem tardança para deixar abertas e livres as estradas que ireis percorrer e as que trilharão os vossos sucessores. Não podíamos, sem pecar gravemente — isto sim —, continuar apegados à beira do oceano, de costas voltadas para a nossa grandeza territorial.
Acumulei responsabilidades, como jamais outro homem público brasileiro o terá feito; contrariei interesses fundamentais de forças poderosas; enfrentei situações criadas, exigi trabalho, quando bem poderia, com maior êxito imediato, conservar-me numa faixa mais estreita e cômoda, de conveniência e repouso. E por que fiz tudo isso? Foi a Esperança que me moveu. E que recompensa almejei, de tantas lutas e, principalmente, por tantas incompreensões? Seria falsear a verdade, inventar uma modéstia que, infelizmente, não possuo, dizer-vos que nenhuma recompensa pretendo.
Para ser honesto e justo, confesso ambicionar algo de precioso: espero que um dia o vosso julgamento favorável, jovens brasileiros, revele simpatia e compreensão pela minha luta; que meu esforço seja interpretado com isenção e justiça. É essa esperança que me sustenta e mantém de pé até horas avançadas e não me deixa descansar senão ao amanhecer de um novo dia de trabalho. É essa esperança que me reveste de paciência — não para os problemas e os trabalhos, porque tenho amor ao trabalho, meu amigo de infância e de juventude na luta pela vida, e porque gosto de debruçar-me sobre os problemas, à procura de soluções que beneficiem o país, mas a paciência requerida para suportar os que não produzem e tudo querem, os que negam tudo aos outros e se julgam com todos os direitos; paciência para manter o equilíbrio e a paz à custa de moderação e domínio da irritação.
Não quero apenas falar-vos uma linguagem de justificação ou despertar-vos para a realidade, já que sereis beneficiários do que estamos fazendo e nos custa até mesmo amarguras e perigos sem conta: é que tendes também responsabilidades e deveres por assumir.
O primeiro desses deveres é o de usar o vosso tempo da maneira mais profícua e mais honesta. O vosso primeiro dever é o de preparar-vos, o de estudar para corresponder ao que de vós espera o Brasil. Não vos deixeis seduzir pelos que vos insuflam ideias de indisciplina.
Vosso país necessita de que a juventude dê exemplo de disciplina — a qual, livremente consentida, é um ato de confiança altamente enobrecedor. Não há esforço, não há realização material, não há luta fecunda, não há povo que resista, quando se instalam a indisciplina e a desordem, que tudo corroem. Sereis benéficos a vós mesmos cumprindo o vosso dever de vos tornardes aptos, capazes, competentes. O Brasil de amanhã será feito à vossa forma e semelhança, terá a vossa dimensão interior, será um resultado do que chegardes a ser, a representar, dos conhecimentos que vos for possível adquirir, da vossa maneira de conceber o mundo, do vosso patriotismo, de vossa delicadeza moral, de vossa fidelidade aos valores éticos. Sabeis que há mais heroísmo e mais liberdade em obedecer à lei e ao dever que no desperdício de forças, na rebeldia à ordem, na transgressão dos deveres, nas imposições descabidas.
Estais na idade em que a vida merece e vale a pena ser vivida. Vosso país, como nenhum outro, está na dependência da fé da sua juventude. É um país em que quase tudo está por fazer, e que vos abre uma larga perspectiva criadora.
Conservai-vos vigilantes, mas guardai a vossa esperança — e negai ouvidos ao canto do desespero das sereias cujas vozes estão impregnadas da nostalgia dos abismos, dos desertos, dos sítios infecundos e desolados.”
PAÍS RICO EM POTENCIALIDADES E PROBLEMAS
Trechos do discurso proferido 7 de almoço de 1959 no Rio de Janeiro – DF -, em almoço, no Palácio da Guerra, perante oficiais da Forças Armadas, após saudação proferida pelo ministro da Guerra, marechal Henrique Lott, em desfile militar comemorativo da Independência do Brasil:
“Considero do mais alto interesse a oportunidade de encontrar-me com os oficiais generais das nossas Forças Armadas no dia comemorativo da Independência do Brasil. É esta uma data que devemos celebrar juntos, por tratar-se de festa de família, em que recordamos o momento de nossa maioridade, o instante em que passamos a dirigir-nos a nós mesmos e assumimos as responsabilidades do nosso próprio destino.
Nossa personalidade nacional não surgiu, como por milagre, nesse dia 7 de setembro de 1822; havia muito se vinha ela formando e afirmando, enfrentando as dores e as lutas que são o quinhão inevitável dos povos em caminho de emancipar-se. A data da Independência marca uma eclosão que somente ocorreu porque já tínhamos realmente uma personalidade coletiva, lastreada e fundada no sacrifício dos grandes vultos, cujo devotamento à Pátria, ainda não configurada, cujos sacrifícios e exemplos memoráveis devem constituir, para nós, motivo de incitamento e edificação. Não podemos deixar de evocá-los no dia de hoje. Souberam eles amar e servir até a dedicação suprema essa ideia que só se tornou realidade através da soma de abnegação de tantos brasileiros: brasileiros na madrugada da nacionalidade; brasileiros na hora incerta; brasileiros na hora da opção definitiva. Não dispunham eles do acervo que já conseguimos constituir para o nosso país. Havia uma unidade mais teórica do que efetiva. O espírito de brasilidade acordava, mas ainda não se traduzira em obras vultosas. A Pátria apenas palpitava como uma esperança e já merecia desses mártires da Independência um carinho total e absorvente, mais forte que o apego à própria existência.
Graças ao heroísmo dessas figuras luminosas e ao trabalho das gerações sucessivas no Império e na República, possuímos hoje um cabedal incomparavelmente maior de valores acumulados. Temos muito mais a defender, e, a despeito de se ter consolidado a nossa independência, os riscos e perigos, em vez de diminuírem, cresceram na proporção em que crescemos nós mesmos. Nenhum país pode dar-se por satisfeito, como se tivesse atingido o ponto final de sua evolução, e não lhe competisse mais que fruir, sem sobressalto, o seu legado histórico. Embalar-se nessa complacência ilusória significaria renunciar à ambição criadora que eleva os homens e as civilizações. Quando esse país é o Brasil, de dimensões continentais, tão rico em possibilidades quanto em problemas, ainda no limiar de um processo de industrialização sem o qual não logrará acompanhar a marcha dos tempos, torna-se imperativo o dever da vigilância contínua. Ingressamos de chofre numa época em que tudo se movimenta em aceleração geométrica, em ritmo a que não estávamos acostumados.
Temos uma população que cresce todos os dias e cujas necessidades se torna necessário prover de maneira condigna e equitativa, afastando-se as ameaças de perturbações econômico-sociais extremamente perigosas para o funcionamento normal das instituições democráticas. O desequilíbrio econômico das diversas regiões componentes da Federação reclama toda a atenção do governo, cuja preocupação máxima é a de promover o desenvolvimento harmônico de todo o organismo nacional.
Cumpre não esquecer, ademais, que ainda não se pode considerar terminada a nossa formação democrática e que nem sempre as facções atuantes no cenário político brasileiro sabem distinguir, com suficiente nitidez, o interesse partidário do interesse nacional, que, infelizmente, muitas vezes tem sido posto em segundo plano. Como é natural, até certo ponto, as paixões se acendem na iminência das consultas à vontade popular. A proximidade das eleições para a sucessão presidencial vem tornando ainda mais difícil o exercício do poder público, pois, além das tarefas ligadas à administração, impõe-se ao governo não descurar dos aspectos políticos da conjuntura nacional, entre os quais avulta o da manutenção de uma atmosfera de ordem e tranquilidade indispensável para garantir o livre pronunciamento das urnas.
Falando diretamente aos mais altos representantes das Forças Armadas, que têm prestado à causa da unidade nacional serviços inestimáveis; dirigindo-me a oficiais generais que encarnam um princípio de ordem e de disciplina no Brasil e, por isso mesmo, capazes de pesar o sentido de minhas palavras — quero deixar bem claro que continua viva no povo brasileiro a convicção de ser o regime democrático, necessitado embora de aperfeiçoamento e nem sempre bem servido pelos que mais se proclamam seus fervorosos adeptos, o único sistema compatível com a nossa dignidade de país independente e cioso de manter o seu prestígio internacional. Em decorrência dessa convicção, saberemos conter os excessos das paixões políticas, seja qual for a sua proveniência. Não há para o meu governo nenhum objetivo que se sobreponha ao de garantir a estabilidade das instituições, o respeito à lei.
Não há de enfraquecer no nosso ânimo o argumento de estarmos agora defendendo e assegurando os direitos dos que ontem negavam e proscreviam os nossos próprios direitos, nem tampouco a lembrança dos momentos de injustiça por que passamos. Muito ao contrário. Sabemos, por experiência intransferível, que só são úteis em política e somente apresentam rendimento seguro as atitudes impregnadas de grandeza. Desde que assumi o poder, dirigi minha ação política no sentido de evitar que a sucessão presidencial continuasse a ser uma hora de ameaças, um momento de angústia para o povo brasileiro. Já não somos uma débil experiência democrática, sujeita a variações e caprichos. Sabemos que é de nosso dever aperfeiçoar este regime, atenuar o conflito, às vezes dramático, entre o interesse público e o interesse político.
De uma democracia sem continuidade não se esperam resultados benéficos duradouros. É o exercício ininterrupto dos deveres cívicos numa atmosfera de respeito mútuo que vai criando a tradição democrática e dando o rendimento desejado ao regime. Podemos louvar as Forças Armadas do Brasil pela maneira com que sempre interpretaram o sentimento democrático do país. Ao longo de nossa História, todas as vezes que se fez necessária a interferência militar na vida civil, tal interferência se caracterizou pela elevação de propósitos e pela preocupação de reorientar o país para a rota democrática.
A desambição dos militares não foi sempre uma decorrência de uma atmosfera, aqui reinante, que impossibilitasse ou, pelo menos, tornasse difícil um procedimento mais ambicioso; não faltaram seduções que, entretanto, não lograram o menor êxito, pois a consciência militar tem bem nítidos os seus compromissos para com a Nação.
Mesmo quando candidatos à magistratura suprema da Nação, digamo-lo em abono da verdade, podem os militares ser apontados como exemplos de correção nas pugnas democráticas.
É resolução de meu governo — e estou certo de, assim agindo, interpretar a própria doutrina política e ética das classes armadas e traduzir a opinião da grande maioria do país — é firme intenção do meu governo não poupar esforços para que as eleições se processem dentro da mais completa ordem e prevaleça a vontade do eleitorado. Quero que o pleito para a minha sucessão transcorra em condições diferentes das que encontrei, quando, em minha campanha, tive de enfrentar os argumentos mais especiosos partidos daqueles que deviam ter sido os primeiros a defender a legalidade. Afirmemo-lo claramente para que não pairem dúvidas: é imperativo indeclinável estarmos atentos e unidos para que a vontade soberana do país indique, com liberdade plena, o meu sucessor, e que essa vontade se cumpra inflexivelmente. Somos todos um momento apenas, representamos um papel temporário na vida pública. Mas o país é permanente; a sua reputação é sagrada e resguardá-la há de ser o nosso objetivo supremo. Assumimos um papel internacional mais relevante nos dias de hoje. Lutamos pelo desenvolvimento nacional e pelo desenvolvimento harmônico do nosso continente.
Impossível será levar a bom termo tal luta fora da ordem, da disciplina, da obediência à hierarquia e aos ideais que abraçamos. Não consentirá o governo que se agite também o problema social para efeitos de propaganda antidemocrática. Só é justo abordar o problema social tendo em vista efetivamente a melhoria das condições de existência das classes menos favorecidas. Já está mais que provado que não basta o aumento nominal de salários para elevar o nível de vida dos trabalhadores. Torna-se necessário conter o movimento ascensional do custo de vida e, para tal fim, lutamos com todas as forças. O aumento dos preços não representa um triste privilégio do Brasil, mas verifica-se quase em toda a parte, principalmente na América Latina. Trata-se de uma situação de crise que atinge numerosos países deste Hemisfério e que obedece a fatores estruturais e conjunturais conhecidos.
No caso do Brasil, certo desajuste era inevitável nesta fase de transição, em que vamos aos poucos mudando a nossa estrutura e ultrapassando uma economia característica das terras de plantação, em que vivíamos principalmente de atividades extrativas e da exportação de produtos agrícolas. Marchamos agora para alcançar a industrialização e uma atividade econômica em bases modernas e diversificadas. O governo não tem poupado esforços a fim de tornar essa transição tão suave quanto possível, adotando as medidas de disciplinamento econômico-financeiro que não importem em paralisar as atividades básicas do país.
Eis aí alguns resultados positivos da política seguida pelo governo em matéria econômico-financeira, com o objetivo de alcançar uma estabilização geral dos preços sem deprimir a atividade econômica ou frear o desenvolvimento do país. Esses indícios de recuperação econômica são conquistas que nos permitem caminhar na boa direção. Não consentiremos em que essas conquistas sejam ameaçadas pela agitação dos que procuram semear a discórdia entre brasileiros, com o fito exclusivo de criar um ambiente de confusão propício a imposições facciosas.
Não somos uma aventura, um amontoado de interesses, mas uma nação em gozo de sua maioridade e à procura de expansão e plenitude. Temos responsabilidades definidas e uma delas é vermos todos os anos incorporarem-se à nossa família mais de um milhão e meio de novos brasileiros. Sabemos que é preciso velar por esses destinos. Estamos fazendo o Brasil maior, porque a nossa família aumenta com rapidez. Não podíamos ficar mais tempo sem estradas, sem os elementos geradores da atividade industrial, aglomerados no litoral. Tínhamos de pensar na independência do Brasil para as gerações futuras, como as gerações passadas pensaram em dar-nos a nós próprios um país livre. E perdoem-me a expressão — é verdadeiramente monstruoso atirar a culpa de tudo o que acontece às metas que estamos levando adiante, num esforço considerável, sim, mas indispensável para que o dia 7 de setembro de 1822 continue a produzir os seus frutos, para que se consolide a nossa soberania, para que os nossos filhos vivam tranquilos e seguros.
Para o conseguirmos, o elemento essencial é mantermo-nos dentro da ordem. A defesa da ordem é a própria defesa da dignidade nacional. Saúdo neste dia de hoje os chefes militares de terra, mar e ar, defensores, entre nós, por tradição não interrompida, da unidade do Brasil, da ordem e da segurança indispensáveis ao processo do nosso engrandecimento.”
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