Desafios à economia de mercado e suas falácias

Roberto Castello Branco*

 

O capitalismo retirou da extrema pobreza nos últimos 30 anos cerca de dois bilhões de pessoas. Parcela significativa desse contingente é composta por chineses e indianos, cujos países abriram suas economias para as forças de mercado, logrando assim abandonar a letargia típica dos regimes socialistas. 

 

Entretanto, a exemplo do que ocorreu em situações passadas, as fundações do capitalismo estão sendo novamente questionadas, em particular o capitalismo orientado para a maximização de valor para os acionistas (shareholder capitalism), ao mesmo tempo em que renasce a crença no mito do Estado empresário, incorporada em políticas industriais.

 

Desafios como a globalização, a mudança climática, a desigualdade de renda, a pandemia e o poder das gigantes da tecnologia têm se constituindo em fontes da argumentação pelos críticos da economia de mercado ao atribuírem ao capitalismo a culpa por todos os males a afligir a economia global.

 

A partir daí se difundiu e fortificou a noção de que as iniciativas pró ESG (meio ambiente, social, governança) devem ser prioritárias dentro das empresas. Ao mesmo tempo, a pressão social sobre elas tem crescido com o desenvolvimento de uma verdadeira indústria de ESG. 

 

A visão de Milton Friedman sobre responsabilidade social das empresas, expressa em seu famoso artigo de 1970 publicado na New York Times Magazine, “The social responsibility of business is to increase profits”, passou a ser alvo de contestação e críticas. 

 

Em agosto de 2019, o Business Roundtable, uma associação de CEOs de grandes companhias globais, lançou um manifesto afirmando que elas têm a responsabilidade de atender a compromissos com clientes, empregados, fornecedores, comunidades, o meio ambiente e os acionistas, no que ficou conhecido como “stakeholders capitalism”. Muitos analistas interpretaram aquilo como a condenação à morte do “shareholders capitalism” e o fracasso da ideia de Friedman.

 

Contudo, a sabedoria contida no artigo de Milton Friedman tem sido influente, produtiva e permanece verdadeira em nossos dias, ao contrário do que apregoam seus críticos.

 

Empresas que priorizam stakeholders em detrimento de seus acionistas não costumam ir bem. Temos observado alguns casos recentes no Brasil, mas o clássico nesse tema é o da indústria automobilística americana, até mesmo por sua dimensão. Nos anos 60 e 70 o foco das montadoras americanas era o bom relacionamento com um stakeholder, os sindicatos de seus empregados, enquanto a criação de valor para os acionistas ficava no banco de trás. A consequência disso foi a devastação da indústria americana pelos competidores japoneses. 

 

A preocupação com os impactos da mudança climática tem gerado pressões para a indústria do petróleo reduzir a produção.

 

Em 2023 o IBAMA negou licença para a Petrobras iniciar a exploração da Margem Equatorial, onde se estima a existência de grandes recursos de petróleo. O Presidente americano, Joe Biden, negou licença para a construção de novos terminais de exportação de gás natural liquefeito, produto que ajudou a aliviar bastante a crise de energia na Europa derivada de eclosão da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

 

Entretanto, a resistência de acionistas a iniciativas semelhantes começa a aumentar, quando a visão em favor de uma transição energética responsável passou a se firmar, juntamente com a percepção dos riscos de perda de valor de suas empresas.

 

De acordo com dados do Sustainable Investments Institute, o apoio de acionistas ao ESG declina desde 2021, de cerca de 35% para pouco mais de 20% em 2023. No ano passado, somente 11% dos acionistas da Exxon Mobil, maior petroleira do Ocidente, votaram a favor de uma petição para diminuir emissões de carbono, contra 28% em 2022.

 

A administração de algumas empresas às vezes ignora aspectos fundamentais da criação de valor para o acionista em troca de objetivos de curto prazo. Esse foco costuma levar ao malogro companhias que diziam ter como meta a maximização de lucros para o acionista.

 

Uma empresa que joga resíduos industriais num rio ou cujo processo de produção polui o ar, acaba por colher prejuízos pela ausência de responsabilidade social. No mínimo, sua reputação é negativamente afetada entre consumidores, investidores, fornecedores e comunidades afetadas, o que causa consequências negativas adicionais, danosas para seus acionistas.

 

A discriminação contra mulheres, pretos e outros grupos sociais na contratação de empregados significa abrir mão voluntariamente de potenciais talentos em troca de preferencias não econômicas. Do ponto de vista do negócio, despreza-se a oportunidade de perseguir a constituição de uma força de trabalho mais produtiva, o que não é positivo para os acionistas.

 

Por outro lado, não se deve permitir que o interesse em promover a diversidade implique em qualquer tipo de discriminação e/ou abandono da meritocracia.

 

Se uma empresa limita o treinamento profissional a determinado grupo assim como a promoção para vagas em sua gestão promoverá discriminação, além de estar evidentemente desestimulando os grupos discriminados.

 

Recentemente, o Judiciário estabeleceu critérios menos rigorosos para a aprovação de grupos sub representados no concurso para Juiz. Enquanto é requerido dos demais o acerto em no mínimo 70% das questões, para os sub representados o sarrafo é mais baixo, bastando ter sucesso em 50%.

 

Será que essa medida não implicará em termos no futuro juízes despreparados nos tribunais de justiça do país?

 

A nosso ver, cabe ao Estado o enforcement das leis contra discriminação e a melhoria substancial da qualidade das escolas públicas. O correto é promover a igualdade de oportunidades e não a igualdade artificial de resultados.

 

Alguns acidentes ocorridos nas últimas décadas, principalmente envolvendo companhias de petróleo e de mineração, demonstram que descuidar da proteção ao meio ambiente e da segurança das operações em troca de uma suposta maximização de lucros tem potencial para provocar prejuízos multibilionários para seus acionistas.

 

Falhas de governança acabam por se refletir nos resultados da empresa e na performance de suas ações no mercado de capitais.

 

O curto-prazismo é incompatível com a maximização de lucros ao tornar insustentável uma trajetória de geração de valor ao longo do tempo. A concepção de Milton Friedman compreendia a ideia de que o compromisso com o lucro deve ser no longo prazo, portanto em harmonia com a entrega de valor para os chamados “stakeholders”. A ideia da necessidade de implantação de um novo tipo de capitalismo, o “stakeholder capitalism”, é falaciosa.

 

Depois de fracassos retumbantes, como das empresas estatais como indutoras do desenvolvimento econômico, campeões nacionais eleitos pelo Estado, de uma indústria automobilística nascente há 70 anos e das falências da indústria naval, o Brasil volta ao passado com o lançamento de uma nova política industrial. 

 

A indústria de transformação tem sido um verdadeiro fetiche para muitos políticos e economistas no Brasil e na América Latina. Enquanto isso, a agricultura, o petróleo e gás e a mineração são desprezados, servindo apenas de fonte de financiamento para o setor industrial. Para que ele se desenvolva se acredita que a iniciativa privada necessita da mão do Estado para guiar seus investimentos e protegê-la da competição, já que por si só não seria capaz de triunfar no mercado.

 

Em outras palavras, o capitalismo seria incapaz de promover o desenvolvimento econômico. 

 

Essa crença se deve à uma interpretação equivocada da história. Os EUA não se desenvolveram devido à proteção tarifária para a indústria, mas devido à abertura de sua economia aos fluxos internacionais de capital humano, capital físico e tecnologia e a um mercado interno de considerável magnitude, interligado desde o século XIX por ferrovias e canais.

 

O crescimento acelerado da economia brasileira no período 1950-1980 foi explicado principalmente pela expansão da oferta de trabalho a custos baixos e a realocação de recursos da agricultura para a indústria e os serviços e não pela mão visível do Estado.

 

A Coréia do Sul, apontada como caso de sucesso de política industrial, se desenvolveu graças à expansão de exportações incentivada pela política cambial. 

 

Em 1960, a moeda coreana era supervalorizada, as exportações correspondiam a 1% do PIB e o financiamento de importações dependia quase integralmente da ajuda americana. A desvalorização da moeda viabilizou o modelo de desenvolvimento voltado para o mercado externo, sendo que no início dos anos 70 as exportações representavam mais de 20% do PIB.

 

A evidência empírica internacional revela que mesmo no caso de políticas industriais bem formuladas (o que não é o caso do Brasil) o impacto sobre o crescimento econômico a longo prazo é pequeno, longe de ser transformador. Na melhor das hipóteses é uma política para alterar a composição do produto (mais indústria menos agricultura e serviços) e não para fazer crescer o produto. 

 

Portanto, novamente estamos no caminho errado, tentando repetir o que já deu errado aqui e em muitos países no mundo.

 

*Doutor em Economia – EPGE/FGV – Post Doctoral Fellow in Economics – Universidade de Chicago – Ex-presidente da Petrobras

MercadoComum, ora em seu 30º ano de circulação e em sua 324ª edição é enviado, mensalmente, a um público constituído por 118 mil pessoas formadoras de opinião em todo o país, diretamente via email e Linkedin, Whatsapp/Telegram, além de disponibilizar, para acesso, o seu site www.mercadocomum.com, juntamente com as suas edições anteriores.

De acordo com estatísticas do Google Analytics Search a publicação MercadoComum obteve – no período de outubro de 2022 a agosto de 2023 – 9,56 milhões de visualizações – das quais, 1.016.327 ocorreram de 14 de agosto a 10 de setembro/2023.

Tráfego orgânico MercadoComum bY SEO MUNIZ

O XXV Prêmio Minas – Desempenho Empresarial – Melhores e Maiores Empresas – MercadoComum – 2023 conta com o apoio da ACMINAS – Associação Comercial e Empresarial de Minas; ASSEMG – Associação dos Economistas de Minas Gerais; Fórum JK de Desenvolvimento Econômico; IBEF – Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de Minas Gerais e MinasPart- Desenvolvimento Empresarial e Econômico Ltda.

O prazo para reserva de espaço para as publicidades na edição especial de MC será até o dia 31 de outubro e, a entrega de materiais, até o dia 16 de novembro.

As empresas agraciadas que participarem desta premiação, através da veiculação de uma página de publicidade na edição especial impressa e eletrônica, bem como no site desta publicação, além de um descritivo institucional sobre as mesmas receberão, também, um diploma impresso em papel especial, um troféu em aço inox e terão direito, adicionalmente, a uma mesa exclusiva de 8 lugares para a solenidade de premiação e jantar de confraternização. Também participarão de um almoço especial que ocorrerá em dezembro, em Lagoa Santa-MG, em homenagem aos agraciados.

Rota

Sua localização:

Mercado Comum: Jornal on-line - BH - Cultura - Economia - Política e Variedades

Rua Padre Odorico, 128 – Sobreloja São Pedro
Belo Horizonte, Minas Gerais 30330-040
Brasil
Telefone: (0xx31) 3281-6474
Fax: (0xx31) 3223-1559
Email: revistamc@uol.com.br
URL: https://www.mercadocomum.com/
DomingoAberto 24 horas
SegundaAberto 24 horas
TerçaAberto 24 horas
QuartaAberto 24 horas
QuintaAberto 24 horas
SextaAberto 24 horas
SábadoAberto 24 horas
Anúncio