Considerações à  margem da discricionalidade administrativa para o reconhecimento da cidadania (direito comparado)

Por: Jayme Vita Roso

 

Estuda-se hoje com muito afinco o “envelhecimento” das leis: quando ocorrem, porque ocorrem, quais as prevenções contra esse evento e todas questões relativas e condizentes.

Debate-se acirradamente a decisão do Ministério da Saúde de contratar médicos estrangeiros para suprir áreas do território nacional carentes de médico, porém, segundo o Governo, já com estrutura para atendimento dos pacientes da região necessitada.

Algumas instituições de classe já ingressaram com medidas judiciais na Suprema Corte para declarar a inconstitucionalidade da decisão governamental que, segundo algumas informações ou ponderações de interessados, expressas na mídia, implicaria também no reconhecimento indireto da cidadania dos médicos alienígenas e, por consequência, dos seus familiares.

Cristalinamente, o artigo 22, inciso XIII, da Constituição Federal atribui, privativamente, à União legislar sobre a cidadania além da nacionalidade e naturalização. A situação jurídica do estrangeiro no Brasil já foi regulamentada pela Lei 6815 de 18/8/80 e regulamentada pelo decreto nº 86715 de 10/12/81.

Postos esses fatos, é inequívoco que a utilização no ‘caput’ do artigo 22 do advérbio privativamente tem um significado jurídico transcendental: o Judiciário não pode invadir a discrecionalidade administrativa, quando o Executivo decide reconhecer a cidadania a estrangeiros.

Esse assunto é recorrente sobretudo nos tribunais italianos, sobrecarregados com os problemas das imigrações ilegais e legislação comunitária que ampara aos “refugiados políticos”, a possibilidade de reconhecimento da sua permanência e, ao depois de algum tempo, da cidadania. Sobretudo os tribunais localizados nas Regiões Meridionais da Itália estão sendo solicitados a apreciar situações dessa magnitude, pois elas estão se sucedendo à centenas e milhares.

Ponhamos em tela apenas alguns fundamentos decisórios do aresto publicado pelo Tribunal da cidade de Lecce datado de 11 de março do corrente ano (www.diritticomparati.it “La discrezionalità amministrativa “riconoscere” la cittadinanza”) cuja fundamentação é digna de ser trazida à luz e eventualmente servir de matéria comparativa com a decisão administrativa nacional retro mencionada. Assim foi disposto: “O Estado num ato diretamente imputável à sua soberania, decide qual sujeito pode (e deve) ser considerado seu ‘cidadão’, individuando quais são os pré-requisitos da Lei a serem respeitados e os procedimentos idôneos à concessão do dito título. Esta expressão, para alguns, é considerada banal e fora de propósito; não é por nada desconsiderada diante das peculiares controvérsias com as quais o juiz (de qualquer instância) deve dar remédio. A isto se agrega a penosa questão (não menos descontada), da interpretação de tais normas resultante de uma fragmentária e comum, tardia legislação em matéria de imigração e cidadania em um dado período, em consequência, no qual se debate qual seja o melhor caminho para se tornar um “civis optimo iure” e, sobretudo, se se interroga se o ‘nascimento’ seja suficiente para demonstrar a sua permanência ao território nacional. O ponto de reflexão deriva propriamente de alguns pronunciamentos que, através de um renovado espirito interpretativo dos textos vigentes, parecem voltar-se diretamente ao inerte legislador. Em ambos casos, com efeito, a intenção do estrangeiro e a manifesta vontade de adquirir a cidadania italiana correspondem a uma ação administrativa (provavelmente) aperfeiçoada e merecedora de modificação”. Este texto foi muito discutido entre os juristas italianos sobretudo tendo em conta que nesse país se debate ainda o principio da “cidadania por nascimento”. Na Itália não pode prescindir do fato que subsista uma vontade do sujeito à aquisição, de outro lado é obrigatório (sobretudo para Administração Pública) individuar procedimentos “destinados a garantir a positiva conclusão do percurso de inserimento para as crianças estrangeiras nascidas em nosso território”. Assim, o “status civitatis” deve ser adquirido de acordo com as leis do país (Itália) por intermédio da decisão administrativa, sobre a qual o Judiciário não deve se envolver.

Seria desejável que os nossos legisladores atentassem a essas situações de fato, ocorrentes na Europa onde inclusive o direito local também pode ser questionado ou contraditado pelo Direito Comunitário, sempre tendo em conta a discricionalidade levantada acima.

 

(Para consulta bibliográfica: BINGHAM. Tom, Wedening Horizons. The influence

of comparative law and international law on domestic law, Cambridge University Press, 2010, 90p).

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