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Baixo desemprego com pouco emprego

Por: José Pastore e José Paulo Chaddad

Como explicar uma taxa de desemprego tão baixa (5%) em um país que, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), gerou menos de 12 mil empregos no mês de julho deste ano? Em artigos anteriores, afirmamos que a principal razão desse desencontro está na demografia. Há 20 ou 30 anos, diante de um rápido processo de urbanização, as mulheres decidiram ter poucos filhos, e isso teve como resultado a escassez de jovens para trabalhar nos dias de hoje. No outro extremo, a população brasileira envelheceu rapidamente, o que reduziu ainda mais a oferta de trabalho, pois a maioria dos idosos é inativa. Ou seja, a oferta de trabalho está diminuindo com velocidade maior do que a da geração de empregos. Isso significa que menos pessoas procuram emprego, o que faz reduzir a taxa de desemprego. Se o Brasil tivesse hoje o número de pessoas procurando emprego que tinha há oito ou dez anos, o desemprego estaria acima dos 8%. Estudo recente documenta esses fenômenos com uma metodologia rigorosa (André de Queiroz Brunelli, Two decades of structural shifts in the Brazilian labor market, Brasília: Banco Central do Brasil, paper 348, 2014). No âmbito da fertilidade, a taxa caiu dramaticamente, de 3,9 filhos por mulher, em 1982, para 1,7 filho, em 2012. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida passou de 63,4 anos para 73,9 anos, indicando o referido envelhecimento da população. Entre 1982 e 2012, o grupo de crianças de zero a 14 anos passou de 37,6% da população para 24,6% – uma queda de 13 pontos porcentuais. É isso o que se reflete nos dias de hoje no número de jovens que deveriam estar procurando trabalho, e não o estão porque não existem. No outro extremo da pirâmide populacional, os idosos com mais de 65 anos passaram de 4%, em 1982, para 7,2%, em 2012. Quase dobraram. Como a maioria não trabalha, tivemos aí uma outra redução da oferta. Mas nos dois grupos há um fenômeno adicional que acentuou a redução da oferta de trabalho. Entre os jovens que têm condições de trabalhar, muitos estão prolongando sua permanência na escola, adiando a sua entrada no mercado de trabalho. Isso é bom, pois teoricamente melhora o capital humano. Entre os idosos com 65 anos e mais há o fenômeno inverso, ou seja, uma aceleração da saída do mercado de trabalho, influenciada pelos benefícios crescentes da aposentadoria e pelos valores generosos dos programas sociais do governo. Tais fatores se conjugaram para fazer reduzir a taxa de desemprego, mesmo com a geração de poucos empregos. De janeiro a julho deste ano, foram criados cerca de 650 mil empregos e tudo indica que, ao longo do ano, o Brasil venha a gerar cerca de 1 milhão de empregos – bem menos do que os 2,5 milhões criados em 2010. O que esperar para os próximos anos? A dinâmica demográfica até aqui registrada tende a continuar porque é de natureza estrutural. O número de crianças até 14 anos cairá ainda mais, chegando a 20,1%, em 2022, e o de idosos subirá, chegando a 10,1% nesse mesmo ano. Com a persistente redução da oferta de trabalhadores, a taxa de desemprego só subirá no caso de o País amargar uma recessão prolongada decorrente do estado catatônico dos investimentos e sofrer um duro golpe na geração de empregos. A situação é preocupante. Convém lembrar ainda que, para o mesmo crescimento de PIB, a capacidade de gerar empregos vem diminuindo (José Paulo Chahad e Rafaella Gutierre Pozzo, Mercado de trabalho no Brasil na primeira década do século XXI: evolução, mudanças e perspectivas. Revista Ciência e Trópico, 2014). Isso decorre de automação e melhoria da produtividade em setores específicos, como são os casos da agricultura, agrobusiness, veículos e bancos. Com esse quadro em vista, tudo indica que, mais cedo ou mais tarde, a taxa de desemprego do Brasil subirá, e não haverá força demográfica que seja capaz de revertê-la. 

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