Sérgio Augusto Carvalho
França e Itália são os dois países onde a gastronomia acompanhou passo a passo o desenvolvimento cultural do seu povo. Cada Região fez a sua própria história. Nenhuma igual à outra.
Há algum tempo eu venho pesquisando a culinária francesa e a italiana. Inicialmente através da Literatura e, depois, percorrendo as suas Regiões mais marcantes.
Depois de fuçar os quatro cantos da Provença, há 4 anos, desta vez fui à Itália para conhecer a sua região considerada mais pobre, muito pouco falada e que, nem por isso deixa de ter um valor imenso na cozinha do seu país: a Puglia. Aluguei uma casa em Locorotondo (a 78 km de Bari, 13 mil habitantes, uma das 10 Vilas mais charmosas da Itália!) e durante 11 dias rodei 1.600 Km por Feiras e Cardápios de cidades e vilas incríveis. Nada tão monumental quanto o que se vê na Toscana, Piemonte, Lazio, Lombardia, Veneto, Emilia-Romagna, Abruzzo…
São produtos e comidas simples, que, entretanto, não perdem em sabor e qualidade para nenhuma outra. A Puglia ajudou a construir a história gastronômica da Itália com produtos originais e marcantes: Azeite EVO (Extra Vergine Oil), Caccioricotta, a Mozzarella, Burrata (queijos), Panzerotti, Orecchiette e Cavatelli (massas), Culatello (embutido), Capocollo, Polpette di Cavallo, Bombette e Bracciola (carnes).
Os vinhos não se comparam com os do Norte, mas não dão saudades dos barolos, brunellos e barbarescos. A principal uva da Puglia é a Primitivo, uma das mais antigas do mundo. Os melhores vinhos dessa uva são produzidos em Manduria (30mil habitantes, a 130km de Bari), rota indispensável para enófilos amadores e profissionais. Recentemente, um fazendeiro em Salento, redescobriu uma das uvas consideradas prehistóricas da Itália, a Sussumaniello, e já começou a produzir tintos, brancos e rosados de ótima qualidade. A outra uva a dominar nas adegas dos restaurantes é a Negroamaro. Não sou versado em vinhos, mas eu voltei com a impressão de que a Negroamaro tem mais qualidades!
Para alguém dizer que conhece a Itália é necessário conhecer a Puglia. Não é um lugar onde as atrações turísticas se alternam a cada quilometro percorrido. A sua formação histórica e geográfica estampada na simplicidade da sua gente, na comida, na arte e arquitetura é fascinante.
Há dezenas de gerações, as centenas de fazendas são administradas por famílias que cultivam suas Oliveiras e criam seu gado da mesma maneira e com os mesmos recursos de seus ancestrais. Os costumes são peculiares e bem definidos, sem qualquer indício de sofisticação.
Estes sinais são vistos em todos os lugares o tempo todo, nos mínimos detalhes. Em Ostuni (32 mil habitantes, cidade toda pintada de branco, artesanato rico e queijos fantásticos), entrei numa Queijaria e pedi uma embalagem de “Mozzarela di Bufala”. O senhor que me atendeu franziu a testa e retrucou com a mão no meu ombro: “Solo Mozzarella…, per Dio, solo Mozzarella. Non dire “di Buffala!”. Entendi logo que “de Bufala” é a mozzarella fabricada nas outras regiões ao Norte, não ali. O objetivo dos fazendeiros locais é de manter a tradição do queijo produzido com o leite de Vaca comum, geralmente Charolês. Búfalos são mais raros, mesmo o de origem italiana, do Mediterrâneo. Os rótulos das Burrattas e Mozzarelas não especificam a raça do animal. Talvez seja um meio de distinguir os queijos produzidos há Séculos na Puglia dos outros do resto do País.
Mas é feito com leite de Búfala um dos queijos típicos da Publia, depois da Burrata e da Mozzarella: a Stracciatella. É fabricado e curtido no próprio soro, transformado em tiras grossas e esticadas até afinarem. Com a Stracciatella é feito um dos Sorvetes mais consumidos na Itália e é o creme que recheia a Burrata.
Muitas das fazendas onde se produzem os queijos, pequenas propriedades com poucos animais, foram remodeladas para receber hóspedes interessados na sua história e produção. São chamadas de “Masserias”, algumas luxuosas e todas com Restaurantes e Vinerias. Na região de Alberobello (11 mil habitantes, cenário único no Mundo), no Valle D`Ittria, onde as casas de pedras chamadas de Trullo remontam centenas e centenas de anos, essas “Masserias” atraem visitantes cobrando diárias que passam dos $ 500 Euros.
As estradas, sem cercas de arame, mas com muros de pedras, são ornadas com plantações impressionantes. Árvores com até 4 metros de diâmetro contam a história das Oliveiras italianas. E as parreiras tortuosas bem mais rústicas que as do Norte do país, varam os séculos fornecendo o mesmo tipo de uva que são o orgulho de cidades como Gravina in Puglia (44 mil habitantes) – que sua gente chama de “Terra do Vinho”.
O macarrão que representa a alma da cozinha pugliese é o Orecchiette. Uma rodela de massa feita com farinha, água e sal, enrolada, cortada na ponta da faca e instantaneamente moldada na forma de concha, que lembra uma pequena orelha (orecchia). A primeira vez que provei Orecchiette foi em Bari (330 mil habitantes, Capital da Provincia) e não sabia que era uma massa Povera (Popular) como é. Andando pelas ruelas em qualquer Villa é comum ver velhas senhoras fabricando Orecchiette diante de tabuleiros na frente de suas casas.
O molho tradicionalmente servido com o Orecchiette é o de tomate do jeito Salentino (Salento é a parte Sul da Puglia banhada pelo Adriático a Leste e o Mar Jônico a Oeste. Quilos de tomates são cozidos por horas em fogo médio, às vezes com um toco de carne gorda retirada no final do cozimento.
A outra massa que identifica a Puglia, mais abaixo de Bari, é o Cavatelli, ou Capunti em algumas Villas, feito com Trigo de Grão Duro e servido com a verdura mais popular no Sul da Itália, a Cime de Rapa – um tipo de Nabo diferente do nosso, com as folhas compridas, leves e deliciosamente amargas.
Mais ao Sul, em Lecce (95 mil habitantes, 2 mil anos de história), outro produto de Trigo Duro é o Ciceri, servido com Cogumelos e Grão de Bico – o que justifica a sua origem Árabe. Tem um sabor completamente diferente de tudo, denso, quase adocicado, forte. Muito bom.
O grande sucesso, para mim, fica por conta do Panzerotti, um tipo de pastel grande (quase 12cm de comprimento) feito com massa de Pizza (Sêmola, Água e Fermento natural), recheado com um delicioso Ragu de Carne desfiada picante (cozida em Tomates cereja) e fritos em Azeite DOC. Pode ser assado, também, mas preferi o frito. (Pensei que eu sabia fazer Panzerotti, mas depois que comi o de Pogliano a Mare, com o recheio de carne, vou ter de rever minha receita!). Pode ser servido também com recheio de Mozzarela, Stracciatella ou Cacciocavallo.
Em Polignano a Mare (18 mil habitantes, construídas pelo Império Romano sobre as escarpas rochosas repletas de Grutas no Adriático) fica um dos restaurantes mais caros da Itália: um almoço no Hotel Grotta Palazzese (até 500 Euros a diária) pode ficar, sem o vinho, acima de 300 Euros. Escavado numa Gruta, está fechado no Inverno e só abre em maio (sorte minha!).
Na minha bagagem eu levei boas indicações de restaurantes e cidades litorâneas, tanto do Adriático quanto do Jônico. São quase 800 km de costa com Cidades e Villas agarradas uma na outra. Centenas de comunidades de pescadores fornecem seus produtos para quase todo país. Como a faixa de terra que separa o Adriático do Jônico não passa dos 100 km, os restaurantes em todas as cidades do “interior” oferecem peixes e frutos do mar fresquíssimos. São considerados os melhores da Itália. Vale a pena almoçar duas ou três vezes ao dia.
Fiz um teste Taranto (195 mil habitantes, repleta de indícios da cultura Espartana), na costa do Jônico. Numa Trattoria de Pescadores, pedi Polvo e dois tipos de Lulas (Calamari e Sepie) grelhadas. Escolhi os bichos ainda vivos em tanques na entrada da casa.
Che Meraviglia!
Confesso que já comi parecidos, melhores que os de Taranto, nunca. Levemente temperados com vinho branco, sal, alho, pimenta e tomilho no final, assados em brasa viva, fumegante… E nenhum Contorno (acompanhamento)! Tudo de acordo com a fama da Puglia: simples e saboroso.
A cidade onde se encontram a maioria dos melhores restaurantes de frutos do mar no Litoral da Puglia é em Gallipoli (20 mil habitantes), ao Sul de Taranto, uma pequena cidade banhada pelo Jônico, que tem sua história centrada no Antigo Porto de barcos pesqueiros e com forte tradição religiosa. Quase todos seus restaurantes têm uma bela vista para o mar. A pesca do Atum (dizem que é o melhor da Europa) movimenta a economia da Região.
Os restaurantes preparam os Frutos do Mar na Brasa (a la brace), empanado (impanato) e frito (fritti). O modo Salteado é servido com massas duras (Spaghetti, Linguini e Tagliatelli). O Empanado é quase um Tempurá: massa aguada feita com farinha, ovo, leite ou água, pimenta e sal.
Não vi ensopados na Puglia. Sei que no Inverno, no Adiático, fazem uma sopa de peixe chamada Ciambatta (equivalente ao Cacciuco Toscano), com crustáceos e mariscos. Não vi em nenhum cardápio, pois o Inverno só agora está chegando à na Europa.
Com peixes e moluscos, há uma sopa muito famosa no Salento chamada Quatara, servida em cumbucas de barro, com vinho e verduras da estação.
Não sentirei saudades das sopas, que não provei. Não voltarei à Puglia para repetir os saborosos pratos que comi nem para rever as pessoas maravilhosas que conheci: prefiro guardar comigo a bela impressão do primeiro encontro, inesquecível do primeiro ao último instante.
Se você não conhece, vale a pena conhecer!
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