Márcia Mendonça Carneiro*
A professora de Harvard Cláudia Goldin acaba de ganhar o prêmio Nobel de economia. A americana, de 77 anos, foi reconhecida pela pesquisa sobre a atuação das mulheres no mercado de trabalho, embasada em dados dos últimos 200 anos, com destaque para as diferenças nos rendimentos e na participação de homens e mulheres.
Embora o tempo dedicado à maternidade influencie a vida profissional, não havia um estudo amplo com resultados tão contundentes. A pesquisa revelou que as mulheres casadas reduziram sua presença no mercado de trabalho após a revolução industrial, mas voltaram a aumentar à medida que a economia, fundamentada nos setores de serviços, cresceu no início do século 20. O surgimento de métodos contraceptivos eficazes, como a pílula anticoncepcional e a busca por mais educação e qualificação favoreceram também a expansão da participação feminina no mercado de trabalho. Porém a disparidade salarial entre os sexos permanece. E a opção feita pela maternidade pode estar relacionada à diferença salarial entre homens e mulheres.
Não há dúvida que as conquistas femininas nos últimos 100 anos foram extraordinárias e que os avanços tecnológicos na medicina, nas últimas décadas, proporcionaram às mulheres um controle maior sobre seu ciclo menstrual, além da possibilidade de planejar a maternidade. Dados revelam que à medida que as mulheres buscam mais educação e têm acesso ao planejamento reprodutivo acabam por adiar a gestação e, quando decidem engravidar, o número de filhos é reduzido. E essa queda de natalidade já afeta países como China e Índia resultando na desaceleração do crescimento populacional e pode ter efeitos econômicos desastrosos.
Declínio da fertilidade
Nos últimos anos, as mudanças sociais, culturais e econômicas foram intensas. Para se concentrar nos estudos e carreira, muitas mulheres adiam a maternidade, fato que se reflete no aumento de 56% no número de partos em mulheres na faixa de 35 a 39 anos e de 36% na faixa de 40 a 44 anos, em nosso país. Entretanto, a grande maioria parece ignorar um fato biológico: há um número não renovável de óvulos em seus ovários, que se reduz rapidamente a partir dos 35 anos e não há métodos conhecidos para manter a chamada “reserva ovariana”. O declínio da fertilidade já começa naturalmente por volta dos 25-30 anos de idade, e segue acelerado após os 35 anos, de forma que as chances de infertilidade podem chegar a 50% aos 41 anos e 90% aos 45 anos. Além disso, as mulheres estão sujeitas a alterações hormonais ao longo do ciclo menstrual que podem comprometer sua qualidade de vida e produtividade. Doenças como endometriose, que afetam uma em cada 10 mulheres e causa infertilidade e dores incapacitantes, recebem pouca atenção e o acesso ao diagnóstico definitivo e tratamento adequado podem levar anos. Tal atraso custa milhões de dólares em tratamentos ineficazes e absenteísmo do trabalho. Outro fator agravante é que cerca de uma em cada seis pessoas enfrentam dificuldades para engravidar em todo o mundo- dado da Organização Mundial de Saúde.
Não há como negar o importante papel da força de trabalho feminina no crescimento econômico e evolução social, mas o caminho rumo à equidade é longo e sinuoso. As pesquisas da professora Goldin revelam como ao longo da história as mulheres evoluíram no mercado de trabalho e como a desigualdade salarial infelizmente permanece. A maternidade parece ser um fator importante nessa equação. Ser mãe é um momento singular na vida de muitas mulheres, com demandas físicas e psíquicas importantes. Não podemos permitir que se torne um obstáculo para as conquistas profissionais femininas. As mulheres precisam ter a oportunidade real de conciliar a carreira e a maternidade se assim o quiserem. Disponibilizar opções de planejamento reprodutivo como o congelamento de óvulos como já fizeram empresas como Facebook, Microsoft Apple e Wal Mart é um passo importante em direção à equidade no mercado de trabalho. Fornecer condições adequadas para que essas mulheres possam retornar ao trabalho e que seus filhos recebam o cuidado adequado é tratar com respeito e dignidade aquelas que optaram pela maternidade.
*Diretora científica Clínica Origen. Professora Titular – Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG
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