Rachel Capucio
Um memorial que homenageia as vítimas do rompimento da Barragem I em Brumadinho e que, ao mesmo tempo, possibilita ao visitante uma experiência sensível, individual e compartilhada em um espaço de acolhimento e convivência. O projeto elaborado pela Gustavo Penna Arquiteto & Associados envolveu a participação de toda a comunidade local para se tornar verdadeiramente um lugar de pertencimento, identificação e interesse coletivo. Com os ajustes finais da etapa executiva, a obra já teve a fase de terraplanagem do terreno finalizada e está prevista para ser inaugurada em janeiro de 2023.
Faz parte do projeto o plantio de 272 árvores de ipês amarelos. O número é uma reverência às pessoas que perderam a vida na tragédia de 2019. Um símbolo que vai muito além do número. Junto ao arvoredo original, os ipês irão colorir a cena como exemplo de superação: suas folhas, que são abundantes no verão, período em que carecemos de sombra, e desaparecem no inverno, estação que pede calor e luz e, quando a seca aperta, os ipês se enchem de flores cobrindo a copa e o chão. Um sinal claro de que a vida continua…
Essa observação poética está presente no percurso inicial, na arquitetura da construção e em vários detalhes do memorial. Trabalhando com significados profundos, o pavilhão retorcido e fragmentado, é uma dessas evidências, como também o ambiente escuro, quando se entra no prédio. Nesse espaço, os pontos luminosos no teto, um contraste entre claro/escuro, falam do dia que não amanheceu, mas também evocam a crença de poder existir, ainda, um caminho possível. A cada dia 25 de janeiro, exatamente às 12h28, o facho de luz que não veio, virá a cortar o ar e iluminar uma drusa de cristais, conjunto de joias arranjadas pela natureza.
Há ainda um grande salão aberto, espaço meditativo/contemplativo, uma cafeteria e todo um programa de necessidades, como sanitários, área de direção, gerência e administração. São áreas resguardadas, porém com vista para as árvores. Desse respiro verde, o visitante é conduzido para um percurso convidativo, incrustado no terreno.
A morfologia de trincheira estimula a introspecção, pois uma vez que se entra nele o único horizonte visível é o enquadramento ao final. Nas paredes laterais, estão os nomes de cada uma das pessoas que se foram, escritas com uma tipografia única criada pelo type designer, Daniel Sabino. Elas vão surgindo, uma a uma, na medida em que se caminha, como histórias gravadas nessas superfícies laterais. No Espaço de Memórias, as paredes enviesadas, as inflexões no teto e o próprio piso servem de suporte para projeções mapeadas, gerando uma experiência de impacto.
Na saída, mais um impacto: uma escultura suspensa, como uma grande cabeça que sente e chora. A água cria um véu sobre as paredes de concreto, atrás das quais estão os segmentos remanescentes das vítimas. Daí a água é direcionada por dois filetes laterais, que são conduzidos pelo restante do percurso até o mirante suspenso, em sua extremidade, onde formam uma superfície d’água que desemboca em um lago.
No mirante, ao final deste longo percurso, descortina-se a paisagem do vale; uma superfície que foi atingida e tingida pela lama. Oferece-se aqui um espaço contemplativo, flutuando sobre o lago mais abaixo. É um lugar de serenidade, onde o som e a presença da água falam desse movimento de escoar. Longilíneo, esse lago reflete o céu e guarda a saudade. No horizonte, nasce um novo silêncio, a ideia de continuidade, que olha para o futuro com esperança.