MayDay, MayDay, MayDay!

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Entre o céu e a serra: memórias de um pouso impossível

“Mayday” não é apenas uma palavra — é um portal para o abismo. Três sílabas que carregam o peso do universo quando pronunciadas por lábios quase sempre trêmulos sobre o rádio de uma cabine. Derivada do francês “m’aidez” — me ajude ou “aidez-moi” —, esta invocação atravessa línguas e fronteiras, transformando-se numa linguagem universal da certeza do acidente que, em aviação, é frequentemente fatal.

Para passageiros, acidentes aéreos habitam o reino das possibilidades remotas. Afinal, depois do elevador, o avião é o mais seguro meio de transporte. Para pilotos, são hipóteses realistas aguardando o momento de se materializar após cada decolagem. Vivemos numa dança perpétua com a força da gravidade, sabendo que ela, paciente e implacável, espera qualquer hesitação ou erro para nos devolver ao solo.

A Preparação do piloto

Cada piloto carrega consigo um arquivo mental de manobras em caso de emergências. Simulações que corremos mil vezes na mente: falha de motor, pouso forçado, perda de controles em tempestade, ou indisposição do próprio piloto. Ensaiamos estas manobras do caos até que se tornem coreografias automáticas, memorizando sequências que podem ser a diferença entre vida e morte.

Quando o momento chega — e ele sempre chega para alguns de nós —, o treinamento assume o comando. As mãos se movem independentemente do medo, seguindo protocolos gravados em nossa mente.

“Mayday, Mayday, Mayday” — a invocação sagrada que transforma uma cabine em sala de emergência

15 de junho de 2001: minha dança com a gravidade

No mês de junho completaram-se exatos 24 anos desde que pronunciei essas palavras pela segunda vez em minha vida. Era um dia que prometia ser perfeito — céu azul brasileiro estendendo-se infinito, minha família ao meu lado, uma jovem amiga americana da minha filha experimentando pela primeira vez a vista aérea do nosso litoral. Salvador nos aguardava, com uma parada planejada em Guarapari.

A ironia cruel do destino: aos 15 de junho, data que se tornaria um marco pessoal de sobrevivência, voávamos sobre a serra capixaba quando uma falha de motor interrompeu nosso voo. Em manobra de descida, com o aeroporto de Guarapari a 15 minutos e altura que nos permitiria chegar, mas o óleo do motor que havia explodido cobria cada vez mais a visibilidade do para-brisa, obrigando-me a uma manobra radical de pouso sobre uma área que eu havia previamente identificado. Sobre a serra — local geralmente acidentado e inóspito para aviões.

O pânico é uma emoção perigosa numa situação de emergência. Para pilotos e cirurgiões, é uma emoção mortal. Ele existe, mas precisa ser domesticado, transformado em energia útil. Após avisar aos meus passageiros — minha esposa, minha filha, sua amiga, que agiram com calma e confiança —, chamei a torre de Vitória ao rádio: “Mayday, Mayday, Mayday” — enquanto executava o protocolo de manobras previstas, ajustando controles e buscando local para pouso.

O Assento 11A e os Milagres Inexplicáveis

Há momentos na aviação que desafiam lógica e estatística. Como o do passageiro no assento 11A que sobreviveu sozinho à tragédia aérea na Índia na semana passada. Estes eventos nos lembram que a morte, por mais meticulosa que seja, às vezes comete erros de cálculo.

A combinação impossível de sorte, treino e, talvez, alguma benevolência cósmica nos depositou na terra firme. A aeronave? Perda total. Enquanto nossas vidas, miraculosamente intactas.

A gravidade, naquele dia, perdeu uma batalha. Mas sabemos que ela é paciente, e que toda vitória sobre ela é temporária. Até lá, continuamos voando — literal e metaforicamente — carregando a memória daquele momento. Eu acho que nossas estradas cheias de buracos são perigosas; prefiro voar. Mas sou questionado por Ariano Suassuna, que dizia preferir os muitos pequenos buracos das estradas ao único e grande buraco dos aviões.

Sabe-se lá quem estará certo.

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