Autor: Gabriel Wilhelms*
Em artigo sobre o escândalo do Twitter Files — Brazil, publicado em abril no ano passado, chamei atenção para o fato de que, embora estivéssemos tomando conhecimento da pressão judicial sobre o Twitter, com fins de promover a censura, por uma iniciativa de Elon Musk em dar transparência ao modus operandi autoritário protagonizado por Alexandre de Moraes, que o mesmo certamente ocorreu e ocorria com outras plataformas, que, no entanto, não quiseram enfrentar a briga que Musk encarou após comprar o Twitter, depois rebatizado como X. Pois, agora, com o recente pronunciamento de Mark Zuckerberg, em que anunciou mudanças na política de combate às fake news da Meta, não pode haver sombra de dúvidas sobre o alcance daquilo que podemos muito bem chamar de assédio, que, no caso do Brasil, tem partido principalmente do STF e do TSE.
O advogado-geral da União, Jorge Messias (o famoso “Bessias”), logo demonstrou sua indignação; o MPF anunciou que irá oficiar a plataforma sobre a mudança na sua política interna; a banda podre da imprensa segue em sua patética e descredibilizada sanha para nos convencer de que isso é o fim do mundo; os “especialistas” de quinta repetem, sem considerar que têm o ônus da prova, que as fake news destruirão a democracia, enquanto Moraes acena com ameaça de bloqueio: “No Brasil, só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira, independentemente de bravatas de dirigentes das big techs”.
Em seu pronunciamento, Zuckerberg foi taxativo em dizer que a experiência com a supressão de conteúdos baseada em agências de checagens de fatos demonstrou que essas agências são, no contexto americano, muito politicamente enviesadas e que a censura foi longe demais. Isso não significa, como sugerem os tendenciosos e mentirosos de plantão, que a Meta não irá endereçar a questão das notícias falsas de nenhuma forma. Em vez da política de remoção de conteúdos com base na checagem de fatos, as plataformas da empresa passarão a usar as notas da comunidade, tal como hoje faz o X, com a supressão de conteúdos focando principalmente no que é flagrantemente ilegal, e agindo, diante de violações menores, somente quando provocadas pelo usuário. Zuckerberg deixa claro que a mudança começará nos EUA, dando a entender que será replicada no restante dos países onde a Meta atua.
Ora, pode-se muito bem questionar a sinceridade de Zuckerberg e seu real comprometimento com a liberdade — como aliás, se faz com Musk —, pode-se ver o movimento como oportunista, uma tentativa de se aproximar do próximo governo americano, como esteve próximo do atual, pode-se até mesmo questionar as próprias inclinações de Trump nessa seara. Nada disso importa. Seja a mudança de posição sincera ou não, oportunista ou não, fato é que isso é uma notícia positiva. Aumenta-se o custo da censura, ao mesmo tempo em que se rebate a tese furada de que a ausência da regulação do discurso é danosa para a democracia.
Prestem muita atenção nessa frase: “Vamos voltar às nossas raízes e nos concentrar em reduzir erros, simplificar nossas políticas e restaurar a liberdade de expressão em nossas plataformas”. A que raízes ele se refere? No vídeo, Zuckerberg estabelece 2016, ano da primeira vitória de Trump, como a inflexão da plataforma no sentido de maior controle do discurso e supressão de conteúdo. Contudo, o Facebook foi fundado em 2004, chegando ao Brasil em 2008. Ora, por doze anos a plataforma funcionou nos EUA com uma política interna muito mais permissiva do que a que existe hoje sem que destruísse a democracia. Já no Brasil, se pensarmos no inquérito das fake news como um marco zero da pressão judicial sobre as plataformas, temos também um período superior a uma década sem que a democracia tenha ruído diante da ainda não existência do reinado dos checadores de fatos. Mas qual é o grande “risco à democracia” de que tanto falam? Respectivamente, as vitórias de Trump em 2016 e Bolsonaro em 2018 teriam representado esse risco. A possibilidade de “outsiders”, hábeis no uso das redes sociais, vencerem democraticamente as eleições é o que marca a grande inflexão da proteção à liberdade de expressão. Não foi até a ascensão política de perfis da direita que o mainstream midiático e intelectual, formado, em grande parte, por pessoas de esquerda, começou a ver problema nas redes sociais, o que comprova o interesse e uso politiqueiro do suposto combate à desinformação.
O retorno às raízes, se for levado mesmo à cabo, restaurará uma regularidade de debate, cerceada cada vez por meio de políticas internas ridículas, com o adendo de que contará com uma ferramenta muito mais efetiva para o combate democrático às fake news, que são as notas da comunidade, ferramenta por meio da qual os próprios usuários poderão colaborar, como hoje fazem no X, para desmentir informações inverídicas ou prover o contexto adequado para aquilo que é tendencioso, prescindindo da censura prévia. Por fim, não é verdade agora, como nunca foi, que a internet no Brasil é terra sem lei. Pessoas continuarão a poder ser responsabilizadas por conteúdos realmente criminosos (lembrando que fake news não é crime em nosso ordenamento jurídico).
Resta saber, e só o tempo dirá, se, com a adoção dessa nova política também no Brasil, a Meta irá se tornar alvo de um potencial bloqueio, como ocorreu com o X. Banir uma única rede social já é temerário e impactou 21 milhões de usuários na ocasião. A Meta, no entanto, é dona de Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads. Estamos falando, no caso dos três primeiros, de uma adesão que varia entre 86,8% a 93,4% entre usuários ativos da internet no Brasil, os quais usam as redes sociais muitas vezes não só como fonte de entretenimento, mas também para trabalhar. O STF estaria disposto a basicamente banir as redes sociais do país?
O banimento do X foi um exercício de força e uma clara intimidação às demais plataformas. A Meta, ao que tudo indica, colaborava passivamente com os desmandos do STF e TSE. Parte do sucesso da censura, ilegal e feita ao arrepio da lei, no Brasil contemporâneo, depende dessa colaboração amedrontada das plataformas. No entanto, se as principais plataformas resolverem mesmo dar um basta a isso e tiverem disposição de ir até as últimas consequências, o custo da censura poderia se tornar alto demais para os censores. Sim, é verdade que Musk acabou cedendo e o X retornou eventualmente ao país, mas vale lembrar que ele era uma figura isolada. Não devemos nos “emocionar” ou ser excessivamente otimistas, afinal, o dinheiro pode acabar falando mais alto, e a Meta pode não estar disposta a perder um mercado com uma das maiores populações do mundo, ainda que ao preço de baixar a cabeça para o tribunal de exceção no qual se converteu o STF. Por outro lado, a corte está cada vez mais desgastada, e as pessoas estão cada vez mais cansadas da lenga-lenga sobre discursos de ódio. Meu palpite é: cheguem ao extremo de banir as plataformas da Meta, e até mesmo o séquito mais fervoroso que ainda defende as ações autoritárias de Moraes e sua turma, vendo a si mesmo afetado, já que muitos dependem das redes sociais para seu ganha pão, saltará do barco. Pode até mesmo ser o incentivo que as pessoas necessitam para retornar às ruas, dessa vez contra a censura.
*Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.
O Instituto Liberal foi criado por Donald Stewart Jr. no Rio de Janeiro, em 1983. Sua missão é difundir e defender o liberalismo, em suas diversas vertentes teóricas, e as vantagens de seus princípios e agendas para a sociedade. Atualmente o IL atua na publicação e tradução de grandes obras sobre o liberalismo, desenvolvimento de eventos memoráveis e cursos imperdíveis.
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