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Maioria dos que formarem em Direito não conseguirão viver da advocacia

Maioria dos que formarem em Direito não conseguirão viver da advocacia
Maioria dos que formarem em Direito não conseguirão viver da advocacia
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Maioria dos que formarem em Direito não conseguirão viver da advocacia

Advogar exige diligência, iniciativa e persistência

Kênio de Souza Pereira*

            Apesar de existirem no Brasil 1.670 faculdades de Direito e mais de 1.300.000 advogados, os escritórios têm tido grande dificuldade de contratar profissionais que atuem na defesa dos clientes com dedicação, diligência e responsabilidade. O que temos verificado é uma enorme quantidade de advogados sem entender como funciona essa prestação de serviço, pois após obter a Carteira da OAB, é fundamental humildade e paciência para aprender a atender as pessoas e analisar qual a melhor alternativa para resolver os inúmeros problemas que lhes são apresentados.

Muitos que cursaram Direito o fizeram desejando um emprego público, com salários elevados, mordomias, ausência de exigência constante de bom desempenho, além da garantia de estabilidade. Só que o país “quebrou”. Não há mais concursos públicos e o avanço da tecnologia reduziu a necessidade de contratação. A cada dia surgem novas leis que reduzem o campo de atuação da advocacia, como os Juizados Especiais, Câmaras de Conciliação e Arbitragem, além da ampliação dos serviços nos cartórios de notas, como os inventários e separações.  Diante disso, vemos advogados que nunca pensaram em atender pessoas e resolver conflitos, buscando colocação nos escritórios, em busca de bons rendimentos.

            Ignoram que no exercício da advocacia, só se consegue ganhar conforme o trabalho que efetivamente é produzido, na medida do resultado, não havendo como escritórios arcarem com custos trabalhistas da mesma maneira que outros ramos e empresas. Na advocacia, o dinheiro decorre do empenho pessoal, da relação de confiança, tendo o advogado que superar as restrições do Estatuto da OAB que impedem a atuação mercantilista, ou seja, a criação de estrutura empresarial é inibida. Essa é a realidade, tanto que são raros os grandes escritórios, conhecidos como “de massa”, os quais não são a referência para quem deseja realmente advogar de maneira completa, pois os profissionais apenas realizam tarefas repetitivas e limitadas. Para essas tarefas mecanizadas, já se cogita o curso de tecnólogo jurídico em dois anos, além da ampliação dos programas de inteligência artificial e de automação.

            Trata-se de um cenário difícil, pois muitos se revoltam ao concluir o curso e constatar que o mercado está cada vez mais seletivo. Para viabilizar a carreira o profissional precisa fazer muito mais que o básico, aceitar o estresse decorrente dos conflitos, o que torna verídico o ditado: “advogar é para os fortes”.

Rendimento decorre do que é produzido efetivamente

            É da essência do exercício da advocacia trabalhar como autônomo, sendo comum os advogados se unirem para custear um escritório ou aceitarem serem parceiros de quem já tenha uma estrutura. Não há mais espaço para quem pensa e age como empregado, que só faz o que é mandado. Se o cliente tem que ficar orientando e cobrando há algo de muito errado com o profissional que deveria representa-lo por ser mais preparado.

            Na prática, são pequenos grupos, que produzem com sua força de trabalho, mediante muita iniciativa e dinâmica para conquistar o cliente cada vez mais disputado e com menor capacidade de pagamento diante da crise agravada com a pandemia.

            Se o iniciante na carreira pensa que ganhará muito, como se trabalhasse para o Governo Federal, esqueça! Procure outra área, pois em razão das faculdades não ensinarem como trabalhar de fato na advocacia – o que fica evidente por grande parte ter dificuldade em cobrar por uma consulta – torna-se fundamental um grande esforço para se especializar em alguma área. Todavia, especializar-se tem sido um desafio, diante da necessidade de ganho, que força muitos a generalizarem sua advocacia.

            Para complicar, em inúmeras profissões, percebe-se uma perda de qualidade, com a “geração Google”, que prefere aprender na internet a estudar nos livros, que frequenta a escola como se fosse um hobby, que repudia fazer cálculos elementares para entender se valem a pena os custos, os riscos do processo e se o cliente tem razão; que fica horas nas redes sociais, ou tomando cafezinhos e almoçando; que acha que pode chegar ao escritório a qualquer hora, como se já fosse um empresário de sucesso. Há ainda, o advogado que depende do cliente ou do gestor do escritório, mas os considera um inconveniente por ter que prestar contas. Não existem clientes chatos, pois sem eles o escritório não tem como pagar o aluguel e nem mesmo a secretária. É lamentável, mas há advogado que não merece ter clientes e nem fazer parte de uma equipe, pois não vibra com o êxito dos processos do escritório, por não se envolver com as preocupações de terceiros.

Advogado: se errar, o outro ressalta a falha

            Nesses tempos modernos foi moldada uma geração acostumada com tudo na mão, que vê o trabalho como um fardo, que foi poupada pelos pais de qualquer contrariedade e que exige que seja elogiada por fazer seu dever. O resultado é que ao enfrentar o trabalho, entra em choque ao ser cobrado por informações que deveriam ter sido dadas há dias a quem lhe contratou ou por ser repreendido por errar, por ter gerado prejuízo, pois na faculdade bastava acertar 60 ou 70 por cento que estava tudo bem.

            Entendam, a profissão de advogado é a única que tem um profissional, do outro lado, contratado para derrubar todos os seus esforços, podendo ser fatal o menor erro, pois cabe ao colega adversário se beneficiar e expor suas falhas para favorecer seu cliente.

Dever de ser responsável com o cliente que não conhece

            Embora os advogados precisem ter autonomia para tomar decisões pela responsabilidade que possui sobre o processo, fato é que quando esse advogado é subordinado a outro, não pode confundir sua postura e deixar de honrar quem lhe confiou uma tarefa. Por ser subordinado, não significa se desonerar do dever de lidar com os clientes e agir antes que seja mandado. Ao contrário, passa a ter dupla obrigação, a de atender aos princípios da advocacia e aos do trabalho que se prestou a executar até a sua conclusão.

Ensino à distância

            Com o recente crescimento do ensino à distância, os professores e os alunos tiveram que se adaptar, deixando de ser cobrada a presença do aluno em sala, o que gerou uma nova situação. Até nos cursos superiores que exigem a presença física para ensinar, como por exemplo, o de fisioterapia, os professores têm relatado que os alunos ficam com a tela dos computadores fechada. Inúmeros professores confirmam que têm dado aula para a tela sem nenhum ou poucos alunos se expondo, sendo certo que muitos nem estão participando da aula. Isso indica a tendência da redução da qualidade dos novos profissionais pós-pandemia.

            Os bacharéis que optarem pela advocacia devem entender ser inaceitável o vício de só atuar no processo no final do prazo, deixando de tomar medidas prévias importantes para melhorar a defesa do seu cliente, pois só se movimentam quando o juiz publica um despacho ou decisão. Ser diligente é uma obrigação, especialmente, quando se representa um contratante e um escritório.

Trabalho: cumpra o compromisso de fazer o melhor

            Quanto ao cliente, que é a base da existência de qualquer empreendimento que presta serviços e dos rendimentos de todos que ali comparecem, constata-se que alguns advogados, ao entrar numa nova equipe, têm deixado de perceber como é difícil criar uma carteira de clientes. Há uma falta de sentimento de urgência, diante da despreocupação em atender o cliente rapidamente ou em dar notícias do processo, não sendo isso um favor

            Muitos profissionais ignoram o fato de que deixar que seu contratante lhe cobre uma resposta, que deveria ser dada rotineiramente, é cansativo e que a agenda é para ser utilizada, pois pedir desculpa pelo esquecimento não resolve o prejuízo causado, o qual deve ser indenizado.

O serviço a ser prestado não é um favor ao cliente ou ao advogado titular do escritório, sendo que ao assumir processos já em andamento, que eram conduzidos por outro colega, o profissional deve se aprofundar nos casos. A condução superficial e a ausência de conhecimento das particularidades que geram falhas, são percebidas pelos clientes, que deixam de ter confiança e assim o profissional perde a oportunidade de fazer seu bom nome, gerando a desvalorização da imagem do escritório que lhe confiou o serviço.

            Agir como se estivesse de passagem pela empresa, sem o compromisso de agilizar a solução do processo, sem a intenção de contribuir para o sucesso do escritório é um dos erros mais graves, sendo um ótimo caminho para inviabilizar a carreira.  Serviço mal prestado é advogado mal falado. Sem clientes, sem indicações, não há como prosperar na advocacia. 

Faculdades sem condições de formar bons profissionais

            O problema não está apenas na má qualidade de centenas de faculdades que foram inauguradas visando apenas a obtenção de lucro com o Fies e outros planos governamentais. Segundo o Censo de Educação Superior realizado em 2017 pelo Ministério da Educação e Cultura, o número de estudantes matriculados em Direito era de 879 mil, ou seja, o Brasil, sozinho, forma por ano mais bacharéis em Direito do que a soma de todas as faculdades do mundo.

            A situação se tornou mais crítica com a pandemia que empobreceu a população, pois se até 2019 existia um advogado para cada 170 habitantes, agora, ao retirar as crianças, os desempregados e carentes, possivelmente nem a metade disso tem condições de arcar com os custos de um bom trabalho jurídico.

Tecnologia eliminará o advogado limitado

            As grandes corporações têm investido maciçamente em Inteligência Artificial, pois essa tem se mostrado mais eficiente e menos onerosa que os advogados que atuam em escritórios de massa, que se limitam a copiar e reproduzir petições semelhantes em centenas de processos. 

            Diante da pressa e da ausência de valorização do raciocínio específico sobre as alternativas jurídicas dos processos, constata-se a tendência de substituição do profissional por máquinas que não cansam, não atrasam com os horários, não reclamam e nem ficam no celular se distraindo e deixando o prazo de manifestação transcorrer até o limite. 

Propaganda enganosa distorce o que é relevante na advocacia

            Nunca se viu, como nesta pandemia, tantos advogados que se dizem bem-sucedidos, divulgando “segredos para obter êxito e renda elevada”, se empenhando por horas e horas em lives para vender cursos milagrosos que prometem levar ao sucesso. Isso gera desconfiança, pois o advogado que se dedica à profissão com êxito, não tem tempo para distribuir “dicas milagrosas”. Na era das redes sociais, “quem tem tempo não tem trabalho”. Essa é uma antiga verdade, repaginada na modernidade e pela propaganda enganosa que prolifera na internet que seduz pela aparência.

            Marketing jurídico, controladoria, formação de preços, softwares, aplicativos e vários outros produtos digitais ainda não são capazes de substituir o advogado competente. Cabe ao advogado refletir: seu conhecimento jurídico é suficiente para garantir uma boa remuneração? O quanto precisa melhorar, focar, estudar, se disciplinar para merecer o cliente? O quanto terá que abrir mão para merecer um valor melhor pelo seu trabalho? O quanto precisa perder para compreender que o preço justo só existe se seu trabalho for excepcional? Está apto a atrai o cliente? É capaz de compreender as relações humanas, as implicações jurídicas com seus desdobramentos judiciais e luta por resultados práticos, para beneficiar quem lhe contratou?

            O advogado de sucesso não é que tem mais seguidores, mas o que persegue as melhores soluções para as pessoas que lhe confiam as dores e problemas de suas vidas.

*Advogado Especializado em Direito Imobiliário –

kenio@keniopereiraadvogados.com.br

(Os artigos e comentários não representam, necessariamente, a opinião desta publicação; a responsabilidade é do autor do texto).

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