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Olavo Romano

 

O lugar, pequeno e pacato, encarapitado no alto do morro, parecia um presepinho. Sem padre fixo, missa só de mês em mês, uma às sete, outra às dez. Para esta, o pessoal da roça chegava já almoçado, exibindo cavalos e arreatas.

Na festa do padroeiro, o arraial se animava, celebrando todos os santos deixados para trás – cada noite uma fogueira, um mastro, leilões, banda, namoro e foguetório. As famílias dos fazendeiros vinham de mudança, carros de boi com variada cantiga, atopetados de colchões, latas de rosca, pão de queijo, doce de leite e goiabada, frangos pendurados nos fueiros. Abriam casas, armários e gavetas, guarda-roupas recendendo a naftalina.

Mal começada a festa, cujas lembranças se renovariam nas muitas conversas até o outro ano, logo alguém lamuriava a cantilena: “Tá animado, a gente encontra muita gente sumida, mas o bom da festa é esperar por ela”.

Damasceno era festeiro de São José. Caprichava nas providências, não importava de gastar dinheiro do bolso.

Sabia que só na base de esmola e leilão não arrecadava nem pros foguetes. Zanzava, atarefado, de um lado para o outro, quando recebeu recado urgente: João Rita, empregado da fazenda, tinha caído do cavalo. Bateu com a cabeça no chão, diz que não dava mais fé de coisa nenhuma. O jeito era correr atrás de recurso, ver se trazia um médico da cidade.

Damasceno pegou o jipe, saiu desembestado. Pensava no que havia de ser do João Rita, no tanto de coisa que ainda faltava providenciar para a festa de São José, tudo planejado com tanto gosto, tintim por tintim.

No meio da tarde, o povo não falava de outra coisa: deram com o jipe despencado no fundo de um barranco, Damasceno deve ter morrido na hora. Todo mundo ficou embasbacado.

Quem haveria de pensar que uma coisa daquela estivesse por acontecer? Fazia poucas horas, ele todo animado, esmerando nos preparativos do dia seguinte…A festa perdeu a graça.

Ninguém lembrava de um velório tão concorrido. Primeiro, porque o morto era pessoa estimadíssima. Segundo, o lugar estava cheio de gente da roça, que normalmente não poderia comparecer. João Rita tinha voltado a si, era o que mais chorava. Não parava de repetir: “Coitado do compadre Damasceno, morreu por conta de mim”.

Entre um soluço e outro, acrescentava: “E o pior é que morreu sem precisão nenhuma”.

Ao lado do caixão, dona Quininha do Leriano perguntou à mãe do morto:

– Que hora o Damasceno saiu daqui?

– Podia ser umas onze, onze e pouco.

– Ele tinha almoçado?

– Almoçou às carreiras e saiu.

– Graças a Deus que não morreu com fome, né, comadre?

Sá Mariana do Quinca Borges, ouvindo a conversa, falou:

– Pior foi o compadre Zé Romeiro.

– Que que teve ele?

– Levantou de manhã cedo, pediu comadre Carmelita pra esquentar um ovo – ele era que nem gambá pra ovo – e foi pro alpendre.

– Sei.

– Ultimamente, ele andava meio patife, perna inchada, puxando ar com dificuldade, o doutor tinha proibido de apanhar friagem. Mas ele gostava demais da conta da tiração de leite, vaca atendendo pelo nome, bezerro berrando, estrume fumegando no curral, ficava ali, meio tristonho, apreciando o movimento.

– E aí?

– Aí, quando comadre Carmelita chegou com o ovo quente, deu com ele morto, caído no chão.

Depois de curta pausa, acrescentou:

– Ainda bem que caiu pra dentro… Já pensou se caísse pra fora? Aquela altura enorme, em tempo do compadre Zé Romeiro quebrar o pescoço.

 

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