O debate de ideias é o pilar da Democracia. A troca de impressões, a manifestação de desejos e a procura do consenso congregam a sociedade na busca do bem comum, apesar das diferenças de pensamento.
Este processo, contudo, exige que se respeitem algumas regras. A verdade deve ser buscada incessantemente e, por mais distantes que estejam os a favor e os contra quanto a uma dada proposta, o debate deve girar em torno das ideias apresentadas e não de quem as apresenta. Como dizia o filosofo, “senhores discutem ideias, servos discutem pessoas”.
Considere o debate sobre a Amazônia. De um lado, empresários do campo e mineradores tentam desautorizar as críticas ao descaso pelo meio ambiente, associando seus detratores a hippies divorciados da realidade, descompromissados da necessidade de aumentar a produção para gerar renda e emprego. Do outro lado, os defensores da ecologia atacam os empresários da região por serem desalmados, argentários que não se sensibilizam com a causa ambiental. Ora, quais as intenções do defensor de uma tese, sua qualificação ética e seus princípios de vida são fatores decisivos para se escolher de quem ser amigo ou quem aceitar como genro. Em vez de focar o debate nos méritos pessoais dos contendores, melhor seria focá-lo na quantificação dinâmica da área desmatada, nos volumes de contaminação dos rios que os rejeitos do mercúrio da mineração ocasionam e na identificação de regras de manejo da Floresta, que permitiriam dela extrair receitas sem danificá-la.
Similarmente, no debate sobre o aborto, há que se supor que ambos os lados almejam um melhor comportamento social. Os contrários ao aborto, defendendo a vida; os favoráveis, lutando pela liberdade da mulher decidir sobre seu próprio corpo. Não deveria valer taxar os contrários de “carolas reacionários” nem os favoráveis de “libertinos assassinos”. Melhor seria debater se a proibição do aborto salvará uma vida ou apenas levará a adolescente grávida a uma solução que coloque em risco sua sobrevivência. Também, avaliar como estimular a criação de centros de adoção de recém-nascidos, que permitissem à jovem mãe seguir sua vida, sem ter sacrificado seu feto.
Uma decisão governamental da semana passada ilustra bem como, sem o diálogo, fica difícil resolver dilemas complexos: foi eliminado o teto da remuneração total auferida por um funcionário federal. Lógica, a tese? Sim, qualquer economista liberal deveria concordar que, se um cidadão que recebe uma aposentadoria por serviço prestados ao longo de anos, for chamado a desempenhar uma função nova como ministro, por exemplo, a esta tarefa deveria corresponder uma recompensa adicional. Mas, a medida é justa? Poucos concordariam que sim, pois como e enorme o hiato que separa a remuneração do servidor público da do civil que o sustenta com seus impostos, um salário acima de R$ 50 mil mensais vira um acinte aos olhos da sociedade.
O convívio de desiguais exige tolerância e humildade intelectual. Ouvir os argumentos do outro lado, entrar nos seus sapatos e tentar daí construir uma saída de consenso. E, se ao final deste esforço conjunto não houver acordo, aceitar que a maioria prevaleça. Infelizmente, no Brasil pratica-se exatamente o contrário. Há uma polarização emocional, onde a razão é sufocada, os insultos pessoais substituem o embate de ideias e a mentira anula a lógica.
Bolsonaro insinuar que, por ser eletrônico, o próximo pleito presidencial será fraudulento é cuspir no prato em que comeu e que o elegeu repetidamente até aqui. No outro extremo, Lula alardear que o Supremo o declarou inocente das acusações da Lava Jato é falso: simplesmente, o Supremo determinou que ele terá que passar por outro julgamento, sem tê-lo inocentado nem julgado culpado.
Que o Brasil, com seus recursos naturais, sua competência empresarial e a solidez de suas instituições, é um polo de atração de investimento, ninguém duvida. Também se sabe que uma nação emergente ter sérios problemas estruturais a resolver não é dissuasor suficiente para anular a vontade de aqui investir: haja vista que a China começou a receber investimentos muito antes de ter seu capitalismo institucionalizado.
Como o país encontra soluções para seus problemas é o indicador decisivo para um investidor se sentir confiante ou não ao investir em um país promissor. E, neste quesito, estamos emitindo sinais preocupantes de um embrutecimento nas nossas práticas decisórias. – Fonte: Investing.com –
*Economista e consultor, com carreira destacada nas áreas acadêmica, empresarial e na atividade pública. PHD em economia pela Vanderbilt University, atuou como assessor do Ministro Delfim Neto, responsável pelos setores de Ciência, Tecnologia e Investimentos em Energia. Foi membro da equipe de negociação com o FMI, membro do Conselho de Administração da Cia. Suzano, Nestlé e Banco BBVA. Atualmente é sócio-diretor da Rosenberg Partners.
(Os artigos e comentários não representam, necessariamente, a opinião desta publicação; a responsabilidade é do autor da mensagem)